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Viagens de Gulliver de Jonathan Swift


Personagens Principais Lemuel Gulliver – médico, matemático e navegador Lilliput – homúnculos representando a corte inglesa Brobdingnag – gigantes rurais Laputa – teóricos e cientistas Houyhnhnm – cavalos racionais Yahoo – humanos animalizados


Personagens Secundárias Blefuscu – homúnculos representando a França Glubbdubdrib – evocação de fantasmas da antiguidade e do passado mais recente Luggnagg – imortais que seguem deteriorando fisicamente Dom Pedro – capitão do navio que resgata Gulliver

Interpretação Para Sócrates uma “vida não investigada não valeria a pena ser vivida”. Tanto o indivíduo quanto a sociedade lucram com o autoconhecimento. A sátira ajuda-nos na busca deste conhecimento, e poucas sátiras funcionam tão bem como Viagens de Gulliver. E nenhuma outra faz isto de forma tão mordaz, cruel e misantrópica. Jonathan Swift não aprecia a humanidade. Suas críticas são dirigidas especialmente para seus conterrâneos e contemporâneos, mas o conteúdo pode ser aplicado a todos os povos em todos os tempos.


Nas primeiras duas viagens ele nos mostra o que acontece quando o homem torna-se muito grande (i.e. orgulhoso e vulgar) ou muito pequeno (i.e. subalterno e vil) usando, para isto, tanto Gulliver quanto os habitantes de Lilliput e Brobdingnag. Também ridiculariza a vida parlamentar inglesa (atividades febris e inúteis dos Lilliputins), as disputas políticas (facções internas em Lilliput), aborda o conflito entra Inglaterra e França, critica o exagerado poder dos ingleses dado seu tamanho como nação (poder dos Lilliputins sobre Gulliver) e demonstra seu ódio ao progresso sendo apologético da vida rural em Brobdingnag.


Na terceira parte, composta de várias viagens, Swift destina suas farpas mais afiadas aos teóricos, cientistas e políticos. Swift condena a inutilidade do pensamento puramente abstrato e a crença de que a ciência moderna possa fazer avançar a condição moral da humanidade. Não aceita que cientistas opinem fora de sua área, por exemplo, que abordem temas teológicos. É implacável com a política totalitária.


Mas é em Houyhnhnm que Swift atingiria seu auge, transformando a sátira em ódio aos seres humanos. Se antes Gulliver sempre encontrava algo a criticar nos países que visitava, aqui ele enxerga apenas virtudes nos Houyhnhnms e vícios nos Yahoos (homo excrementos). Swift argumenta que o homem não é uma criatura racional, mas apenas um ser capaz de pensamento racional. Seu ataque é tão fulminante que o aproxima da tradição juvenaliana de mais ridicularizar a sociedade do que buscar, através da sátira, reforma-la. Teria Swift sido demasiado feroz contra seus semelhantes, fazendo com que a sátira perdesse sua eficácia?


Afinal o que Swift queria nos dizer? Ele é um religioso conservador demonstrando que a felicidade não é deste mundo ou um ressentido revolucionário que niilistamente quer o fim da raça humana? No primeiro extremo hipotético Swift estaria satirizando o racionalismo dos deístas manifestado nos Houyhnhnms e sua sociedade anarquista e totalitária (via uso da força da opinião pública). De fato aquela sociedade equina é vazia de amor, substitui o espírito pela razão, é contra a natalidade e recusa a vida – enfim, não é humana. Já no segundo caso, de radical misantropia, Gulliver teria enlouquecido e o exemplo humano a ser seguido seria o capitão português Dom Carlos (exemplo de correção e caridade) que o resgata no final da história.


Mas por que a suposta loucura e a mudança de estilo na última parte já que Gulliver sempre foi a voz julgadora nas viagens anteriores? Teria o ressentimento de Swift inspirado sua revolta contra tudo e todos a ponto de deixar de entender a própria natureza humana e idealizar um “novo homem”?


Independentemente das intenções do autor, Viagens de Gulliver nos faz pensar em quem somos, no que fizemos e se nossas conquistas como um todo são tão meritórias como alguns gostam de pensar.


 

Notas


  • Jonathan Swift (1667 – 1745) nasceu em Dublin, Irlanda. Considerado o primeiro grande escritor irlandês na literatura inglesa, e sua mais aguda e cruel pena.

  • Protestante (foi deão da Saint Patrick em Dublin), partidário do Tory (conservador), Swift sentiu-se depreciado e nunca recompensado por seus esforços junto ao seu partido e à corte.

  • Em 1735 sua memória começa a deteriorar-se, em 1738 começa a demonstrar senilidade e tem um derrame paralisante. Em 1742 oficiais são apontados para cuidar se seus negócios.

  • A repulsa ao corpo físico poderia ser relacionada às suas dificuldades com o sexo oposto.

  • Em nenhum momento da narrativa Swift deixa transparecer sua religiosidade, chegando a enaltecer os deístas Houyhnhnms apesar de ter escrito panfletos contra estes.

  • George Orwell via Swift como um anarquista conservador, rebelde e iconoclasta.

  • A sátira se assemelha a tragédia ao enfatizar a insignificância humana. Mas se na tragédia encontramos o homem enfrentado o sofrimento com nobreza ou sendo enobrecido por este, na sátira a pequenez humana é usada para provocar um desdém divertido, assemelhando-se à comédia na medida em que faz graça das fraquezas e tolices humanas. Porém a comédia enfatiza a natureza humana no homem, ao passo que a sátira tende a mostrar seu aspecto menos humano, mais animal.

  • Deísmo = doutrina que considera a razão como a única via capaz de nos assegurar da existência de Deus, rejeitando, para tal fim, o ensinamento ou a prática de qualquer religião organizada – o deísmo difundiu-se principalmente entre os filósofos enciclopedistas e foi o precursor do ateísmo moderno.

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