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Política e Cultura no Brasil (Seminário Olavo de Carvalho)

Sou homem: nada do que é humano me é estranho.

– Terêncio, sobre o desprendimento de si mesmo necessário para ver o mundo



Ministrado entre 12 de abril e 17 de maio de 2016, este seminário teve por finalidade ajudar os interessados a orientar-se na situação político-social brasileira daquele momento e preparar-se para o possível agravamento do estado de coisas.


A descrição do quadro atual, com o rastreamento dos seus antecedentes históricos próximos e remotos, deveria fornecer um mapa das linhas de desenvolvimento possíveis e prováveis nos tempos que se aproximavam.


Nunca, como então, foi necessário enxergar claro num quadro político-social que os partidos políticos, a propaganda, a mídia interesseira, a retórica oportunista e mesmo as opiniões de muitos cidadãos bem-intencionados, mas sem prática nesta ordem de estudos, vêm tornando cada vez mais turvo, caótico e incompreensível.


A viabilidade de uma ciência política eficaz e objetiva depende do entendimento de que sua finalidade não é descobrir supostas leis gerais, mas apreender o curso dos fatos no seu desenvolvimento temporal concreto, com base numa compreensão efetiva da natureza da ação humana com o repertório organizado das suas possibilidades e limites.


Sendo assim necessário se afastar das tradições mais populares do pensamento político – liberal, conservadora e marxista –, sem desprezar, é claro, as suas contribuições positivas –, e integrar-me na linhagem dos “realistas políticos”, que vem de Platão e Aristóteles a Eric Voegelin, passando por Sto. Tomás, Ibn-Khaldun, Jean Bodin, Alexis de Tocqueville, Georg Jellinek, Albert Camus, e estendendo-se a Alexander Zinoviev, Zevedei Barbu, Paul Hollander e muitos outros.


 

Quase todos representantes da filosofia e da ciência política na modernidade – Maquiavel, Hobbes, Locke, Montesquieu, Rousseau, Kant, Hegel, Marx, até o próprio Nietsche – raciocinavam com base numa ideia de sociedade ideal a ser alcançada no futuro. A partir desse modelo ideal, diagnosticavam a sociedade atual em contraste com essa sociedade totalmente imaginária. Isso é uma inversão completa, pois em vez de tentarem sondar o desconhecido pelo conhecido, estavam fazendo o contrário, estavam sondando o conhecido pelo desconhecido. É como trazer um critério miraculoso para explicar o milagre, mas o critério tem que ter materialidade na verdade, como Cristo que operou seus milagres na concretude do devir. Este erro processual segue até hoje.


Via de regra os artífices do novo mundo assumem adotar o ponto de vista dos excluídos (das vítimas do mundo atual) que estando fora do mundo poderiam ter uma melhor perspective sobre ele. Porém, este nunca é o caso como demonstra os exemplos de (a) Sartre que odiava a burguesia (problemas com o pai burguês) e assume a posição de bastardo e excluído (junto com negros, drogados, homossexuais, maoistas, criminosos, etc), parecendo esquecer que a partir deste momento ele faz parte desta comunidade de excluídos que está inserida no mundo, além de ter sempre vivido como um bom burguês; e de (b) Karl Marx para quem só o proletariado pode ter uma visão objetiva da história por ser é a última classe (vem depois de todas as outras),mas não explica porque ele, que nunca foi proletário, foi ao primeiro a ter esta visão.


Ninguém sabe para onde a história está indo (o determinismo histórico só produziu equívocos), e ninguém pode prever que haverá uma melhor sociedade no futuro, muito menos como ela seria. O cientista político Eric Voegelin (1901-1985) dizia que não podemos saber o sentido da história porque não sabemos quando ela vai terminar.


Estudos relacionados a política e cultura demandam a busca de um ponto de vista privilegiado o mais honesto possível, sem antecipar preferências e despido de lealdade a facções, buscando colocar-se fora da sociedade de modo a ver o que os que estão dentro não conseguem. E estar preparado para deparar-se com conclusões que podem deixá-lo só, ou seja, buscar saber o que está acontecendo ainda que ninguém acredite em você.


Também é imprescindível vencer a barreira cronocêntrica fazendo o experimento imaginário (proposto por Max Weber) de analisar o presente com os olhos dos grandes filósofos do passado. Desenvolver o hábito de estudar algo do passado se imbuindo do espírito no qual os fatos ocorreram e/ou foram registrados – Benedetto Croce dizia que “se eu não possuo em mim nada da devoção cristã, ou do espírito revolucionário de 1789, ou do espírito dos Founding Fathers, eu não vou entender nem a civilização medieval, nem a revolução francesa, nem a guerra civil americana”.


Tendo o acima em mente, deve-se buscar a coleção de fatos registrados em documentos e testemunhos – documentos linguísticos, escritos ou gravados. Segundo Aristóteles o começo de toda ciência é o repertório das opiniões admitidas, são as opiniões correntes dos agentes políticos e dos seus intérpretes e toda a documentação daí decorrente. E, ainda segundo o Estagirita, no campo específico da política temos de levar em

conta, em primeiro lugar, a diferença entre o discurso dos cientistas que estão observando e querendo compreender, e o discurso dos agentes políticos que visam produzir uma ação ou uma situação – discurso denominativo e apelativo segundo a teoria de Karl Bühler –, sendo que estes elementos podem se interpenetrar (o político pode usar argumentos científicos para legitimar sua ação, e o cientista pode fazer observações visando interferir nos fatos vindouros).


O passo seguinte é identificar o agente político. Ação humana é a intervenção deliberada num estado de coisas, para modificá-la ou mantê-la. E a ação é denominada política quando alcança uma sociedade inteira, seja ela na escala que for, e.g. municipal, estadual, federal, etc. E a ação é histórica quando seus efeitos se prolongam para além da duração da vida do seu agente – ações que têm consequências de longo prazo, de grande profundidade e vastidão. Logo, só é possível falar de um agente histórico quando existe uma unidade e persistência da ação ao longo do tempo, e isso só é possível quando o grupo que está empreendendo a ação consegue se reproduzir ao longo das gerações, isto é, consegue formar pessoas que estão devotadas aos mesmos objetivos, com a mesma intensidade, com o mesmo comprometimento profundo dos seus fundadores – isso restringe enormemente o número de agentes históricos (e.g. Igreja Católica, Maçonaria, Partido Comunista, famílias dinásticas, etc).


Para a identificação dos agentes políticos e históricos é preciso abandonar o pensamento metonímico (confundir o agente com um dos seus aspectos, ou com seus instrumentos, ou um de seus estilos etc.). Por exemplo, dizer que “em 1789 a burguesia tomou o poder”. é claramente uma metonímia e não é uma realidade – quer dizer que de fato duas ou três pessoas, que talvez nem fossem burguesas, tomaram o governo e tomaram algumas medidas que favoreceram essa classe burguesa, mas não que a burguesia tenha tomado o poder. Ao diagnosticar eventos reais devemos perguntar: “Quem está efetivamente agindo?” “Quem tem uma linha de ação contínua por trás de milhares de ações que as ecoam?” – isso é básico.


O pensamento organicista é um entendimento metafórico do mundo que, assim como o metonímico, não nos auxilia no reconhecimento dos verdadeiros padrões de unidade, pois o Organicismo agrupa todos os fatores e agentes como uma pertinência orgânica (e.g. classe burguesa), o que é absolutamente falso.


Metonímias e metáforas são instrumentos largamente utilizados na elaboração daqueles modelos ideias de sociedade, bem como nas análises históricas posicionadas em defesa destes.


Em Teoria Geral do Estado, o jurista alemão Georg Jellinek (1851-1911), afirma que o princípio número um é distinguir na sociedade o que é resultado de um acúmulo fortuito de causas e o que é resultado de um plano e de uma deliberação. Isto é, discernir intenções por baixo de similaridades e convergências, saber identificar uma unidade substantiva.


O agente apresenta uma unidade, e é sua consciência (coletiva do grupo ou individual) que determina o curso de ação a ser tomado. Assim, entendemos melhor o agente se conhecemos seu horizonte de consciência, entendendo historicamente a ação que o sujeito desempenhou, os elementos da situação em torno, e os pontos fundamentais que ele ignorou. Este último ponto corresponde ao mapa de ignorância do intelectual francês Jean Fourastié (1907-1990), i.e. dentro da de ação do agente existem coisas que para desempenhar a ação almejada ele precisaria saber mas não sabia – o mapa da ignorância delimita o horizonte de consciência, e o horizonte de consciência delimita as possibilidades de verdadeiro sucesso político.


Pode-se traçar o horizonte de consciência e mapa de ignorância de um indivíduo ou grupo analisando suas discussões internas: o que discutem, que perguntas se fazem, que perguntas essenciais deixam de fora, etc. O real entendimento das ações políticas exigem a capacidade de repetir mentalmente – através de uma identificação temporária com o agente – os atos cognitivos que produziram tal ação.


Essa abertura inicial à multidão dos dados, e essa identificação com o agente são elementos sem os quais não se pode estudar utilmente ciência política. Quem entrar neste campo de estudo com qualquer ideal de sociedade pronto em mente será incapaz de colocar-se corretamente no papel dos agentes. Aqueles que tem o imaginário mais bem desenvolvido (e.g. através da grande literatura) terá mais capacidade de identificação com os agentes; a capacidade de compaixão também é crítica neste processo. Naturalmente existe um limite dessa compreensão ditado pelo fator psicopatologia – a ausência de sentimentos morais no agente. Estes demandam uma compreensão científica e não íntima. E tão importante quanto conhecer o horizonte de consciência do agente, é delimitar seu raio de ação possível: O que esse indivíduo ou grupo não pode fazer de jeito nenhum? O que é impossível ele fazer?


Então, a análise de uma situação política implica todos estes conceitos: do agente, da unidade do agente, do horizonte de consciência, da disponibilidade dos meios de ação; e tentar chegar a um desenlace certo ou necessário, provável, verossímil ou meramente possível (conforme os graus de credibilidade dos quatro discursos de Aristóteles).


 

De todas as espécies animais, a humana é aquela em que a diferença de poder entre os seus membros é a mais ampla, e a mais impossível de eliminar. A diferença chega a divinização do indivíduo, como Júlio César considerar-se um descendente carnal de Vênus, ou Napoleão coroar-se desconsiderando o Papa, ou mais atualmente a atmosfera de glamour e adoração em torno de artistas, bilionários e até socialites.


A isso se acrescenta um fator ainda mais decisivo, que é o dos meios de ação  disponíveis para que um ser humano exerça o seu poder sobre outro que se multiplicam e se aprimoram ao longo do tempo. Isso vale para as armas, os meios de comunicação, os meios de obter informação, as técnicas comportamentais (e.g. programação neurolinguística), e de controle social.


Este desequilíbrio de poder afeta a efetividade do Direito, pois sua garantia depende do poder real existente – o Direito só vigora efetivamente se há garantia, sem esta, aquela não existe. Em História como História da Liberdade, Benedetto Croce (1866-1952) equivocadamente teoriza que o crescimento da liberdade ao longo do tempo marca a história. De fato há a liberdade jurídica, assegurada nas leis. Mas, a liberdade assegurada nas leis não é um meio de ação.


A diferença de poder surge dos seguintes elementos fundamentais:


Fator cronológico, quem nasceu antes tem mais poder do que quem nasceu depois, pois ninguém nasce mandando – antiguidade e durabilidade como uma das fontes de poder. Donde se conclui que governos eletivos que duram quatro ou cinco anos sempre estarão em desvantagem em face de organizações mais duráveis. E que democracias são mais indefesas do que ditaduras, pelo simples fato das ditaduras durarem mais.

Outro aspecto importante é que os governantes eleitos ficam nas mãos dos funcionários de carreira. Funcionários com vinte ou trinta anos na função tem um domínio muito mais completo da situação do que o presidente que acaba de ser eleito. E, portanto, aquele que dominar o funcionalismo público dominará o governante – a história do Brasil é um exemplo típico disso.


Conhecimento e controle intelectual da situação é, evidentemente, um segundo elemento diferenciador do poder, e.g. o poder do pajé descrito pelo antropólogo francês Claude Lévi-Strauss (1908-2009) em O Feiticeiro e sua Magia. Sun Tzu já dizia “conheça seu inimigo”. É este conhecimento que vai determinar o horizonte de consciência, e quem tem um horizonte de consciência mais longo leva vantagem – a esquerda tinha um horizonte de consciência muito maior que os militares brasileiros, e por isso os engoliram.


A análise do horizonte de consciência apresenta o problema de só ser possível mapear um horizonte de consciência menor do que o do analisador. Portanto, o estudioso de ciência política tem de estar mais consciente do que os personagens que ele está estudando – isso implica não somente um horizonte de informações mais amplo, mas também uma maior capacidade de integração dos conhecimentos. Na guerra ou no conflito político, todos os elementos, todas as correntes causais, atuam ao mesmo tempo, e não se sabe qual delas que vai predominar. Portanto, é necessário ter uma visão suficiente dos fatores econômicos, sociais, políticos, culturais, religiosos, morais, psicológicos, etc., e conseguir ver essa sociedade como um todo, sem cair na armadilha organicista. Justamente por não haver uma ligação orgânica, a relação entre eles pode ser enormemente variada, i.e. o peso relativo desses vários fatores pode mudar no curso dos acontecimentos.


 

Quando se trata de explicar o estado de coisas numa sociedade é comum se recorrer a exemplos de outras épocas, investigar precedentes históricos, que teoricamente definiriam o perfil de uma conduta coletiva. No Brasil temos muitos livros com esta abordagem, e.g. O Retrato do Brasil de Paulo Prado (1869-1943), Bandeirantes e Pioneiros do Vianna Moog (1906-1988), O Caráter Nacional Brasileiro (que contesta as tentativas de traçar o perfil do caráter nacional brasileiro) do Dante Moreira Leite (1927-1976), e mesmo na literatura como Macunaíma de Mário de Andrade (1893-1945). Ocorre que a constelação de imagens que fornecem, mesmo podendo ser útil para reconhecermos na realidade que estamos observando a recorrência de algumas condutas tidas como típicas, são apenas impressões, não é um procedimento efetivamente científico – embora não se negue o valor dessas contribuições.


A forma de aproveitar-se deste material mais cientificamente é através do conceito de horizonte de consciência. Se as pessoas agiam de determinada maneira em dada época, não quer dizer que elas continuariam agindo igual, e que possamos encontrar explicações de condutas atuais num precedente histórico (impacto do aumento da população, urbanização, imigração, etc.). Mas aquilo que as pessoas não sabiam numa certa época e continuaram não sabendo numa época seguinte demarca uma linha de continuidade muito clara. O horizonte de consciência é demarcado pelo seu limite, pela linha da ignorância. Ignorância no sentido estrito: ignorar aquilo que é central para compreensão da própria situação em que o indivíduo está.


Observa-se, por exemplo, este trecho da obra de Vianna Moog: “No fundo, o mazombo (filho de português nascido no Brasil), sem o saber, era ainda um europeu extraviado em terras brasileiras. Do Brasil e da América, de suas histórias, de suas necessidades, de seus problemas, nada ou pouco sabia, porque vivia no litoral vazio, mentalmente de costas voltadas para o país. Iam mal as coisas no Brasil? Ah, isto não era com ele. Ademais, o que poderia fazer se era só contra todos? Na vida pública como na vida privada, nunca seria por sua culpa ou negligência que isto acontecia. A culpa seria sempre dos outros. E assim, recusando-se, racionalizando, contradizendo-se, não participando, reduzindo ao mínimo seus esforços físicos, espirituais e morais para o saneamento e elevação do meio em que vivia, pagando para não se incomodar quando se tratava de interesse coletivo; lisonjeando, transigindo, corrompendo, revolvendo céus e terras quando se tratasse de seus próprios interesses, ninguém como ele para contaminar o ambiente de tristeza, imoralidade, indiferença e derrotismo. Inesgotáveis como eram suas reservas de má vontade para com tudo que se referisse ao Brasil, vivia a escancarar sua simpatia para tudo quanto fosse europeu.


Até hoje, no Brasil, o que é tido como o topo da civilização, como o valor supremo que deve ser incorporado com muita dificuldade à cultura local, é a cultura europeia, a cultura estrangeira do momento. Por exemplo, se observarmos em uma bibliografia quais são os autores estrangeiros que são citados nas discussões brasileiras percebemos que são sempre os autores do momento, nunca os antigos – problema do cronocentrismo (“ser um homem do seu tempo”). O europeísmo pode ser algo limitante, mas é também legítimo, pois a cultura europeia é superior. O problema é o cronocentrismo, é abandonar toda a enorme herança cultural do passado, dedicando-se apenas a última moda intelectual advinda do velho continente.


Ao focar num falso problema (eurocentrismo) gerou-se falsas soluções, como os romancistas no século XIX e os modernistas no século seguinte. Não era voltando as costas à cultura europeia e começar a prestar atenção em tatus-bolas e macacos que resolveríamos a questão. O correto foi Mário Ferreira dos Santos ao se reconhecer brasileiro e não pertencente à cultura europeia, embora recebesse algo dela, estava livre também das limitações dela e aberto universalmente a todas as épocas e a todos os continentes.


O estudioso no Brasil está livre, mas preferem estreitar seu horizonte de consciência fechado na atualidade e num passado muito recente – raio de trinta, quarenta anos Isto reduz o debate nacional a um círculo de ideias cada vez mais restrito, porque as correntes que recebem este legado europeu e tentam repassá-lo à comunidade são também correntes políticas que estão lutando pelo poder. E, evidentemente, quanto mais elas induzirem todo o mundo a falar na linguagem daquela corrente, mais elas terão a hegemonia. Esta limitação do horizonte de consciência é uma das principais causas das atuais mazelas do país.


O estreitamento do horizonte de consciência, que já era uma constante na história brasileira, se torna proposital e sistemático a partir da ascensão do gramscismo, que vem com a ideia de ocupação dos espaços, da monopolização do debate público e do gerenciamento dos antagonismos. Na medida em que a doutrina gramsciana penetra no meio universitário ela adquire hegemonia em escala nacional, dominando a fração mais falante da sociedade: mídia, ensino, e boa parte da indústria de entretenimento – mas sem chegar ao povo (sedimentando a revolta conservadora vista em 2014/2015). A falta de debate amplo provocado por esta hegemonia estreita ainda mais o horizonte de consciência – o debate só é possível quando nos deixamos impregnar pelas ideias dos adversários. O debate interno da esquerda torna-se o debate nacional, infectando pessoas de todo espectro político. Não é por menos que esta hegemonia veio junto com a queda do nível cultural do Brasil, com a destruição do sistema educacional, e a desaparição da alta cultura e da literatura brasileira – a hegemonia estanca o debate cultural porque o reduz a uma conquista de espaços. Atualmente vemos uma baixa geral no nível de consciência, com os problemas maiores e mais complexos inacessíveis às diferentes mentalidades da sociedade.


É preciso romper com o cronocentrismo – “Nós aqui no Brasil, não pertencemos exatamente à cultura europeia, nem à cultura americana, a nada; nós estamos soltos no ar”. É aquele poema do Murilo Mendes: o garoto que está sentado na rede que mil ventos diferentes a estão balançando – este é o Brasil. Fazer como Mário Ferreira dos Santos e dialogar com todas as épocas e civilizações. Formar pessoas para criar uma alta cultura original e poderosa que eleve o nível do debate cultural, e junto com este elevar o nível dos políticos e do debate político.


 

O fingimento é uma constante na história política nacional, e o discurso fingido prejudica a eficiência da ação – a ação será altamente contraproducente, porque o complexo mental requerido para manter a ação é muito complicado, e a possibilidade de desorientação é muito grande. Em Südamerikanische Meditationen, o Hermann von Keyserling (1880-1946) descreve sua impressão da elite brasileira: diferentemente das demais onde a imitação de uma pessoa (e.g. Abraham Lincoln ou Winston Churchill) expressa o desejo de ser como aquela pessoa, no Brasil as pessoas se contentam com a imitação enquanto tal – não querem ser aquilo que eles imitam, querem ser bons imitadores (dá menos trabalho). A ideia de ser um bom imitador vem da ilusão de querer controlar tudo pela mentira.


Daí não ser surpresa ver todo e qualquer candidato a tiranete falando em defesa do “estado democrático de direito”. Por exemplo, Mussolini discursava contra a democracia pois queria o estado fascista. O maior teórico do fascismo, Giovanni Gentile, diz claramente: “nós queremos um estado autoritário, o estado tem de estar acima de todo o mundo, os seres humanos são apenas subprodutos do estado e o estado tem de mandar em tudo”. Se fosse um fascista brasileiro chamaria de “estado democrático de direito”.


A mera tradição do fingimento faz com que todo o quadro da política nacional adquira um viés farsesco. E pior, não é uma farsa premeditada – o conjunto da farsa não é premeditado por ninguém. É uma situação em que ninguém sabe exatamente qual é o seu papel no conjunto, e por isso mesmo todos têm presunções de que estão infinitamente acima da sua capacidade.


Evidentemente em tal meio qualquer sinal de sinceridade brutal é considerado monstruoso. Esta reação valia tanto para o teatro de Nelson Rodrigues (1912-1980), quanto para a fala de Bolsonaro, ambos acusados de sinceridade obscena. A artimanha do politicamente correto espalhou o fingimento pelo mundo e agravou a situação no Brasil.


 

Os objetivos proclamados de um movimento político, de uma entidade, ou de uma instituição, são parte dela evidentemente, existem e algum peso exercem no conjunto. Porém, o processo de consecução dessa ideia, o trajeto a ser percorrido para chegar a nesse ideal, vai consumir a totalidade dos esforços, pois é evidente que ninguém pode criar nenhum tipo de sociedade se não tiver o poder para fazê-lo. O problema que se coloca imediatamente para qualquer movimento é o da conquista de poder.


No caso do movimento comunista esta conquista também é a prioridade e não o da construção da sociedade sem classes. Nenhum líder comunista está pensado em como será a sociedade de classes, os objetivos são conquistar o poder, aumentar este poder, e destruir os inimigos – e o desejo de tomada de poder é de escala mundial.


Os conceitos marxistas por trás de seus objetivos diferem de tal maneira da realidade concreta (ainda mais pensando em diferentes países) que é impossível haver unidade ideológica entre os diversos partidos comunistas – os discursos que têm de ser levantados nas diferentes situações são distintos e, portanto, têm diferentes abordagens ideológicas. Isso implica que só podemos entender o comunismo como um movimento mundial voltado à conquista do poder em toda parte e pelos meios mais variados e imprevisíveis e, portanto, com as justificativas ideológicas mais variáveis e imprevisíveis.


A unidade do movimento comunista está na sua estrutura hierárquica, é a obediência a um comando estratégico que determina as variações locais, as controla e as administra, usando o acelerador e o breque e vários outros instrumentos. O comunismo tem de ser entendido como uma organização material, tão material quanto um exército ou um Estado, porém uma organização transnacional e transcontinental. E a central de comando está onde sempre esteve: na KGB (FSB) em crescente associação com o serviço secreto chinês,


Movimento comunista deve ser tomado nessa materialidade, na variedade das estratégias e sub-estratégias locais e na articulação dessas várias estratégias num único objetivo: conquistar o poder.


Conquistar o poder não é apenas chegar ao poder, mas sim a total extinção das forças antagônicas. Por exemplo, Lênin entendeu que a eliminação física imediata da ‘burguesia’ gera o caos econômico, portanto, pregava sua extinção através da inflação e impostos – tornar todos dependentes do governo.


O movimento comunista pode lançar qualquer bandeira que interesse ao aumento do seu poder. Como, por exemplo, o livre-comércio: Karl Marx sempre defendeu o livre-comércio, porque se não houver livre-comércio, o intercâmbio internacional é frouxo e inibe a exportação da revolução. Outro exemplo: Stalin instruiu os agentes comunistas no EUA para esquecerem o proletariado e cultivar os burgueses e o beatiful people das artes e espetáculos, porque estes dariam o dinheiro para sustentar o movimento – o movimento não combate a burguesia americana, mas sim o Estado americano e a civilização americana, mas sem tocar nas grandes fortunas.


No Brasil, aqueles que apostaram na guerrilha não sabiam que eles só iam servir para uma coisa: de garotos-propaganda para outra facção do partido depois de mortos. À facção gramsciana que foi pela aliança com a burguesia nacional, tomou o MDB e através do processo eleitoral foi subindo e acabou dominado tudo. O que mostra que a guerrilha não era uma estratégia, a guerrilha era apenas uma tática errada que servia à estratégia contrária.


A partir dos anos 80, antes da queda da URSS, o Partido Comunista já havia feito algumas modificações estratégicas globais. A primeira delas foi a absorção de outras facções comunistas: o movimento comunista estava muito dividido, esfacelado, em facções antagônicas, difícil de administrar. Abdicou-se da unidade ideológica, da unidade do discurso, e deixar entrar qualquer um que estivesse contra o imperialismo ou contra o ocidente, abrindo-se para todas as tendências que nasceram com a Escola de Frankfurt cujas doutrinas foram inicialmente rejeitadas pelo estado soviético.


Antes da Escola de Frankfurt, o húngaro György Lukács (1885-1971) já propusera que o obstáculo do movimento comunista não seria a burguesia, mas sim a civilização ocidental judaico-cristã – em A Destruição da Razão (1954) Lukács já falava de feminismo, abortismo, gayzismo, liberação de drogas, e destruição da família. Antes descartadas pelos soviéticos (embora usadas esporadicamente), na década de 1980 as ideias de Lukács, já implementadas pela Escola de Frankfurt, são adotadas pelo movimento comunista em ampla escala.


Outra característica permanente do movimento comunista é ter duas fachadas, uma pública e outra clandestina; e o comando está sempre e necessariamente na parte clandestina – Vladmir Putin, por exemplo, comanda não pelas suas ações públicas, mas por ações clandestinas como, por exemplo, mandar matar os adversários. A variedade das estratégias requerida para manter um governo mundial dá ao movimento comunista grande elasticidade de discurso – por exemplo, pregar tanto o ateísmo quanto infiltrar a Igreja com a Teologia da Libertação (Antonio Gramsci já pregava a infiltração na Igreja Católica e usá-la como “megafone das nossas propostas”).


Na história da cultura do século XX, veremos que grande parte dela – cultura literária, musical, cinematográfica, artística etc. – é em função do movimento comunista. E quanto mais os agentes do comunismo ali operando neguem sua filiação ou, ainda melhor, posem de moderado, mais eficiente será sua ação – frequentemente a identidade pública dessas pessoas é construída pelo Partido Comunista de maneira inversa (e.g. vazar na mídia que Ernest Hemingway, que trabalhou para a KGB, seria um agente da CIA). A diversificação de táticas e estratégias é a chave do sucesso da prodigiosa capacidade do movimento comunista manipular a opinião pública.


 As contradições do discurso comunista são perfeitamente manobráveis dentro do movimento dada a formação dialética da mentalidade marxista. No Ocidente, são os liberais e os conservadores que têm certa dificuldade de raciocinar dialeticamente, pois buscam coerência – ações racionais segundo determinados fins. Porém a mente humana funciona dialeticamente: para pensar precisamos de superfícies de contraste que nos remetem repetidamente à mesma ideia que antes era fugidia – em tudo que é humano percebemos a função essencial da dialética, ou seja, da contradição (e.g. a intenção paradoxal na psicologia).


O advento da Internet e redes sociais facilitou e agilizou o trabalho do movimento comunista, criando um novo modelo de organização descentralizado dos partidos comunistas, agentes, militantes, e companheiros de viagem, mobilizados a partir de sinais anônimos lançados pela Internet. Não precisa haver uma obediência sistemática de todos à hierarquia comunista, basta que, nos momentos decisivos, eles possam convergir. Isso aconteceu no México em meados dos anos 1990, quando o governo vencia todas as batalhas contra a guerrilha Zapatista em Chiapas, mas a guerrilha vencia todas as batalhas na opinião pública e na mídia mundial (ler The Zapatista "Social Netwar" in Mexico da RAND Corporation) – uma organização horizontal eficaz, sendo quase impossível de detectar a origem do comando. É esse modelo que se usa, por exemplo, para o feminismo, o abortismo, para a liberação de drogas, os banheiros unissex, etc.


É cada vez mais difícil de determinar o comando central do movimento, basta ver com que facilidade governantes soviéticos todo-poderosos são retirados: Nikita Krushov,

Leonid Brejnev, etc. Há alguma força desconhecida por trás deles. Uma inteligência capaz de oferecer slogans e ideias em fórmulas abstratas que agem sobre o centro emocional das pessoas sem precisar tomar a forma de uma realidade. As tentativas de neutralizar este efeito, por exemplo, pelo método da intenção paradoxal vai, naturalmente, encontrar resistência pois as pessoas querem preservar intactos os ideais imantados,.


A quase totalidade desses slogans e ideias visam criar dissidência e caos no campo inimigo – manter as nações inimigas sob crise constante – mas não deixando-se contaminar. Por exemplo, na Rússia e na China, não há problema com os movimentos gay ou feminista – se alguém começa a incomodar em demasias com estes temas simplesmente o matam. Todos os problemas que eles evitam no seu território eles fomentam no território adversário. E, no território adversário, como não há nenhuma organização anticomunista mundial, todos os sentimentos anticomunistas são dirigidos a alvos particulares e específicos, perdendo a visão da articulação .


O movimento comunista quer dirigir o curso da história, Mesmos seus fracassos (e.g. URSS) são digeridos dialeticamente – o movimento fortaleceu-se após a queda do Muro de Berlim. Enquanto as pessoas que se imaginam anticomunistas continuarem pensando de uma maneira provinciana, local, sem tentar elevar o seu pensamento à abrangência e a grandeza do projeto comunista, ele vai continuar tendo vantagem.


Quando se consegue abarcar o horizonte de consciência do movimento comunista e transcendê-lo, se começa a enxergar suas limitações. Uma das limitações é de natureza intrínseca: o objetivo final teórico do socialismo é inatingível pela sua própria essência, ele não foi feito para ser atingido, ele é a gasolina que mantém o movimento em ação, se ele for realizado ele se cristaliza e se desfaz. Automaticamente, o movimento revolucionário não aceita submeter-se a nenhum julgamento neste mundo – que seria o julgamento pela moral burguesa, pela justiça burguesa, colocando-se acima disso –, só pode ser julgado pelo futuro. Se ele só pode ser julgado pelo futuro, ele seria louco se esse futuro chegasse, porque daí ele seria julgado; ele não seria mais o juiz, seria o réu. Por vezes isso acontece: algum comunista decide fazer as contas e percebe o erro. O número de defecções, de desilusões, é muito grande, mas o movimento comunista sobrevive a isso e frequentemente consegue reciclar e reaproveitar os desiludidos (e.g. ex-comunistas abraçando a insanidade ecologista ou a loucura da teoria de gêneros sem saber que estão novamente sendo manipulados e usados pelo movimento comunista).


 

No Brasil há três correntes políticas organizadas: o socialismo marxista que nos governa, o socialismo fabiano e o velho nacional-esquerdismo janguista.


O socialismo fabiano distingue-se do marxista porque forma quadros de elite para influenciar as coisas desde cima em vez de organizar movimentos de massa. Seu momento de glória veio com a administração keynesiana de Roosevelt, que, a pretexto de salvar o capitalismo, estrangulou a liberdade de mercado e criou uma burocracia estatal infestada de comunistas, só sendo salva do desastre pela eclosão da guerra. O think tank mundial do fabianismo é a London School of Economics, parteira da “terceira via”, uma proposta da década de 20, periodicamente requentada quando o socialismo revolucionário entra em crise e é preciso passar o trabalho pesado, temporariamente, para a mão direita da esquerda. No poder, os fabianos dão uma maquiada na economia capitalista enquanto fomentam por canais aparentemente neutros a disseminação de ideias socialistas, promovem a intromissão da burocracia em todos os setores da vida (não necessariamente os econômicos) e subsidiam a recuperação do socialismo revolucionário. Quando este está de novo pronto para a briga, eles saem de cena envergando o rótulo de “direitistas”, que lhes permitirá um eventual retorno ao poder como salvadores da pátria se os ‘capitalistas’ voltarem a achar que precisam deles para deter a ascensão do marxismo revolucionário. Então novamente eles fingirão salvar a pátria enquanto salvam, por baixo do pano, o socialismo.


Desde seus fundadores, Sidney e Beatrice Webb, o fabianismo nunca passou de um instrumento auxiliar da revolução marxista, incumbido de ganhar respeitabilidade nos círculos burgueses para destruir o capitalismo desde dentro. Os conservadores ingleses diziam isso e eram ridicularizados pela mídia, mas a abertura dos Arquivos de Moscou provou que o mais famoso livro do casal não foi escrito pelo marido nem pela esposa, mas veio pronto do governo soviético.


A articulação dos dois socialismos era chamada por Stalin de “estratégia das tesouras”: fazer com que a ala aparentemente inofensiva do movimento apareça como única alternativa à revolução marxista, ocupando o espaço da direita de modo que esta, picotada entre duas lâminas, acabe por desaparecer. A oposição tradicional de direita e esquerda é então substituída pela divisão interna da esquerda, de modo que a completa homogeneização socialista da opinião pública é obtida sem nenhuma ruptura aparente da normalidade. A discussão da esquerda com a própria esquerda, sendo a única que resta, torna-se um simulacro verossímil da competição democrática e é exibida como prova de que tudo está na mais perfeita ordem.


No governo, nossos fabianos seguiram sua receita de praxe: administraram o capitalismo como se fossem capitalistas, ao mesmo tempo que espalhavam a doutrinação marxista nas escolas, demoliam as Forças Armadas, instituíam novas regras de moralidade pública inspiradas no marxismo cultural da Escola de Frankfurt, neutralizavam por meio da difamação midiática as lideranças direitistas, criavam um aparato de repressão fiscal destinado a colocar praticamente fora da lei a atividade capitalista e, last not least, subsidiavam com dinheiro público o crescimento do MST e diversas ONGs. Em suma: fingiam cuidar da saúde do ‘capitalismo’ enquanto destruíam suas bases políticas, ideológicas, culturais, morais, administrativas e militares, deixando o leito preparado para o advento do socialismo. Fizeram tudo isso sob o aplauso de uma classe capitalista idiota, incapaz de enxergar no capitalismo nada além da sua superfície econômica e ignorante de tudo o que é preciso para sustentá-la. Agora podem ir para casa, seguros de ter um lugar ao sol no socialismo, se ele vier amanhã, assim como no capitalismo, se ele durar mais um pouco.


Se o socialismo marxista tinha sua encarnação oficial no Estado soviético, enquanto o fabianismo era o braço “light” da estratégia stalinista, o nacional-esquerdismo que brotou na década de 30 também foi basicamente uma invenção de Stalin. A grande especialidade do “uncle Josef” era justamente o problema das nacionalidades, ao qual ele dedicou um livro que se tornou clássico. Foi ele que criou a estratégia de fomentar ambições nacionalistas, quando podia usá-las contra as potências ocidentais, ou freá-las, quando se opunham ao “internacionalismo proletário”. É verdade que falhou em aplicá-la com os nazistas, que se voltaram contra a URSS, mas obteve sucesso nas nações atrasadas, onde xenófobos de todos os naipes — getulistas, nasseristas, peronistas, africanistas e aiatolás variados — acabaram se integrando nas tropas da revolução mundial, varrendo suas divergências ideológicas para baixo do tapete e transmitindo uma impressão de unidade a seus adeptos nos países ricos (donde o milagre de feministas e gays marcharem contra os EUA ao lado de machistas islâmicos). A multidão dos nacionalistas revoltados dá um reforço externo à estratégia das tesouras, seja como massa de manobra ou, quando fardada, como arma de guerra.


Stalin foi o maior estrategista revolucionário de todos os tempos. Os efeitos de sua ação criadora chegaram às terras tupiniquins e ainda estão entre nós. Todo o panorama político nacional está hoje montado segundo o esquema delineado por ele nos anos 30.


 

Há uma grande dificuldade em compreender a evolução histórica e política no Brasil em função da ausência de uma eleita intelectual qualificada para aprender o quadro internacional e a posição do Brasil neste. O que se pensa a respeito do mundo, no Brasil, é diretamente condicionado por dois elementos: a mídia americana — o New York Times e a CNN — e a mídia nacional.


Além dessa deficiência existe a atuação de um fator ativo, que é a hegemonia esquerdista da mídia, a qual não vem de hoje, existe no mínimo há no mínimo seis décadas. O livro 60 Anos de Jornalismo do sindicato dos jornalistas de São Paulo publicado na década de 80 listava todas as grandes figuras do jornalismo paulistano, e mais de 90% delas eram membros do Partido Comunista ou de alguma de suas variantes. Uma tropa ideológica e combativa que recebe instruções para dar enfoque nesta ou aquela notícia, ignorar outras (espiral do silêncio), prestigiar determinados personagens (seja da política, das letras, das artes, etc) e negligenciar outros, quando não mentir descaradamente. As notícias são selecionadas por um critério uniforme e até mesmo redigidas de uma maneira relativamente uniforme.


A resultante uniformidade das notícias é agravada por outros fatores como (a) unidade de pauta entre os jornais, (b) diagramação similar entre as publicações, e (c) a rotatividade dos jornalistas entre os meios – esta simetria induz o leitor, telespectador ou ouvinte a uma sensação de normalidade e impressão de estabilidade epistemológica.


Apesar da clara manipulação e imposição de determinada visão dos fatos através da mídia, a importância do jornalismo como forma mentis nunca é discutida seriamente. O estudante que ingressa na universidade – ciência política, jornalismo, sociologia etc. – já traz consigo uma visão de mundo inteiramente estabelecida. Não há um processamento científico para investigar quais são os fundamentos daquela visão que está sendo apresentada na mídia. Quando se faz isso é exatamente no sentido de reforçar a mesma visão mediante uma falsa crítica, como dizer que os empresários, donos do jornal, definem o que é escrito, ou que os grandes anunciantes multinacionais influem na pauta jornalística dos meios nos quais anunciam.


O povo brasileiro vive sob este massacre informativo há muito tempo, e nossa visão não só da situação nacional, mas sobretudo da situação internacional é monstruosamente recortada e caipira. Isso é geral e nunca se fez um estudo a esse respeito. Esse problema do jornalismo é repetido no ensino de todos os níveis, nas editoras, e na esmagadora maioria da indústria de entretenimento, enquanto a válvula de escape produzido pela Internet está sob intenso ataque para calar as vozes dissonantes. Esta hegemonia controla o imaginário popular, dirigindo suas opiniões e conduta (a vontade segue a imaginação).


 

As manifestações populares de 2015 perderam-se pela falta de liderança. A famigerada marcha a Brasília e o pedido de impeachment jogaram no colo do estamento burocrático a solução para a grande pressão que sofriam – tirou-se a Dilma, houve pequenos avanços legislativos pontuais, enquanto o movimento comunista preparava a retomada do poder via STF e burla eleitoral.


Se há alguma saída para o Brasil, ela passará pela (a) formação de uma nova classe intelectual que reforme nossa alta cultura e a difunda por círculos concêntricos até as massas maiores; e (b) organização da militância popular desassociada dos atuais partidos políticos.



 


Notas


  • Olavo de Carvalho (1947-2022) nasceu em Campinas, Brasil.

  • Filósofo, analista político e polemista, tem extensa obra registrada em livros e aulas gravadas.

  • O seminário Política e Cultura no Brasil foi ministrado em 5 aulas entre os dias 12 de abril e 17 de maio de 2016.

  • Filosofia Política é o estudo dos métodos e critérios – estudo do ponto de vista cognitivo privilegiado que temos de alcançar para compreender os fenômenos desta área que nós chamamos de política. E Ciência Política é a aplicação desses critérios e conceitos à descrição e compreensão de processos históricos e políticos reais, de preferência aqueles que estão acontecendo na nossa frente. Pode-se estudar os de outras épocas também, mas temos o privilégio auxiliar de sermos testemunhas diretas do presente.

  • Metonímia: figura de retórica que consiste no uso de uma palavra fora do seu contexto semântico normal, por ter uma significação que tenha relação objetiva, de contiguidade, material ou conceitual, com o conteúdo ou o referente ocasionalmente pensado.

  • Organicismo: teoria filosófica e sociológica do século XIX que compara a sociedade a um organismo vivo, onde cada instituição tem uma função vital e funciona de acordo com as suas próprias leis e regras.

  • Metáfora: pensamento analógico, é aquilo que tende a uma unidade lógica a ser alcançada. O analógico é uma síntese de semelhanças e diferenças, tudo misturado e o sujeito só entrará no terreno lógico quando ele separar o que tem a ver daquilo que não tem a ver. A metáfora serve para despertar intuições, percepções, ideias, etc., mas ela não é uma descrição da realidade, ela serve subjetivamente para ajudar a pessoa.

  • Nesciência é ignorar alguma coisa, e ignorância é ignorar aquilo que se deveria saber.

  • A mais absoluta solidão cognitiva é necessária para o estudo da política, mas essa solidão ao mesmo tempo abre o estudioso para toda a humanidade através da compreensão e da compaixão – estará sozinho pois estará com todo mundo.

  • A reação conservadora de 2015 careceu de estratégia, limitando ao discurso sobre duas ações: uma inviável (golpe militar) e outra ineficaz (impeachment).

  • Estudos de profundidade a serem feitos sobre o Brasil (exemplos): (a) mudanças comportamentais operadas pelas novelas da Rede Globo, (b) manipulação comportamental nas escolas (desde a entrada do sociocontrutivismo), (c) criminalidade e impunidade, (d) o engodo das torturas no regime militar, (e) o estreitamento de horizonte de consciência dos militares – o esteriótipo do revanchismo, (f) banco de dados de agentes, (g) banco de dados da origem dos recursos financeiros dos agentes, (h) decadência visual – destruição da imagem das cidades, (i) o fingimento do brasileiro, (j) o movimento comunista e sua presença no país, etc.

  • Para um sujeito falar com alguma propriedade sobre o movimento comunista, deve antes ter estudado o seguinte: (1) Os clássicos do marxismo: Marx, Engels, Lênin, Stalin, Mao Dzedong; (2) Os filósofos marxistas mais importantes: Lukács, Korsch, Gramsci, Adorno, Horkheimer, Marcuse, Lefebvre, Althusser; (3) Main Currents of Marxism, de Leszek Kolakowski; (4) Alguns bons livros de história e sociologia do movimento revolucionário em geral, como Fire in the Minds of Men de James H. Billington, The Pursuit of the Millenium de Norman Cohn, e The New Science of Politics de Eric Voegelin; (5) Bons livros sobre a história dos regimes comunistas, escritos desde um ponto de vista não-apologético; (6) Livros dos críticos mais célebres do marxismo, como Eugen von Böhm-Bawerk, Ludwig von Mises, Raymond Aron, Roger Scruton, Nicolai Berdiaev e tantos outros; (7) Livros sobre estratégia e tática da tomada do poder pelos comunistas, sobre a atividade subterrânea do movimento comunista no Ocidente e principalmente sobre as “medidas ativas” (desinformação, agentes de influência), como os de Anatolyi Golitsyn, Christopher Andrew, John Earl Haynes, Ladislaw Bittman, Diana West; (8) Depoimentos, no maior número possível, de ex-agentes ou militantes comunistas que contam a sua experiência a serviço do movimento ou de governos comunistas, como Arthur Koestler, Ian Valtin, Ion Mihai Pacepa, Whittaker Chambers, David Horowitz; (9) Depoimentos de alto valor sobre a condição humana nas sociedades socialistas, como os de Guillermo Cabrera Infante, Vladimir Bukovski, Nadiejda Mandelstam, Alexander Soljenítsin, Richard Wurmbrand; e (10) A dialética hegeliana.

  • Revolução, por definição, é um projeto de mudança total da sociedade a ser realizada mediante a concentração do poder político. A criação do caos é um procedimento essencial de todo o movimento revolucionário. Minar a ordem jurídica, moral, lógica, linguística, visando deixar a sociedade desorientada – só a liderança revolucionária entende a coerência do plano de ação. A desordem é apenas um período, é uma interface entre a ordem atual e a ordem que ele pretende montar, a qual necessariamente terá de ser totalitária.

  • Uma das grandes dificuldades no ensino da filosofia é ensinar às pessoas a tentar pensar não somente com os conceitos abstratos, mas preenchendo-os das condições reais que possibilitam a existência daquilo. A essência (conceito) não basta, tem de haver a existência – a essência tal como está na existência e não como está no mero conceito abstrato.

  • O objetivo chinês no Brasil é promover os negócios chineses cujo maior investidor é o exército chinês – a ocupação econômica através das indústrias chinesas já é uma ocupação militar virtual.

  • A tradição dominante na política brasileira é a trabalhista-getulista, do estado assistencial, servindo plenamente aos interesses do movimento comunista.

  • O movimento comunista só vai ceder na hora em que existir um movimento anticomunista mundial que tenha uma estratégia abrangente. Só uma entidade teria a abrangência organizacional mundial para fazer isso: a Igreja Católica. Mas ela já foi infectada e destruída desde dentro.

  • Todas as campanhas pacifistas, até hoje, foram organizadas pelo movimento comunista para desarmar seus adversários.

  • O pessoal comunista e afins, têm o sentimento de participar de um gigantesco movimento histórico e isso dá uma grandiosidade épica à vida de qualquer idiota.

  • O Islã denomina a si mesmo com a palavra Din que significa lei constitutiva, e não religião. No conceito do Din não se distingue a lei religiosa da lei natural; a lei moral da lei natural. É como se fosse uma lei universal que está em vigor, portanto não está implicando ali um ideal moral, mas uma realidade presente. Quer dizer, a vontade de Alah está onipresente e se manifesta por igual na natureza, na sociedade humana e, sobretudo, na esfera jurídica. Outras religiões, como o budismo e o cristianismo, têm uma relação muito remota com a esfera jurídica – no Ocidente as leis foram inspiradas na religião, mas não ditadas por ela.

  • Leninismo: associado ao socialismo revolucionário que se opunha ao socialismo evolucionário cujo teórico principal era Eduard Bernstein. É o partido da vanguarda do proletariado que se adianta a ação deste tomando o poder pela violência – o império do partido, o partido como grande agente da história. Esta discussão se deu na Segunda Internacional.

  • Stalinismo: Opõe-se a Lênin quanto a expansão revolucionária imediata aos demais países. Stalin presenciou o fracasso da ideia leninista de que os proletários não iriam a guerra (I GG) e se voltariam contra seus governos, propondo então a consolidação da URSS enquanto seguia com a subversão nos demais países.

  • Trotskismo: surge como oposição à teoria de Stalin do socialismo em um só país, reaproximando-se de Marx e Lênin. Criou a Quarta Internacional. Atualmente não existe uma unidade doutrinária no movimento comunista, mas sim uma unidade estratégica.

  • Um elemento importante no processo hegemônico é impedir que as suas figuras de linguagem sejam analisadas – colocar as figuras de linguagem como se elas fossem uma tradução direta dos fatos através do processo de imantar certas palavras, certas expressões com um apelo emocional direto. Age diretamente sobre as emoções do ouvinte ou leitor sem passar pela representação do objeto.

  • A Editora Abril foi uma das principais culpadas da destruição da educação brasileira através das revistas que distribuía para todo professorado nacional das escolas primárias e secundárias: Nova Escola e Sala de Aula. Corromperam todo o professorado brasileiro metendo comunistas como Emilia Ferreiro e Célestin Freinet na cabeça deles.

  • Hegel ensinou Marx a pensar dialeticamente. A dialética funciona porque ela corresponde a estrutura da cognição humana. Tudo nós conhecemos por comparação e contraste – a verdade direta e linear só Deus tem. O pensamento humano vai por contrastes e contradições e, por isso mesmo, a esfera da ação humana, da história, da cultura, funciona dialeticamente.

  • Para Hegel o Bem precisa do Mal para se realizar. O Mal é uma condição essencial para o florescimento final e a realização completa do Bem. O Mal precisa existir para que todas as possibilidades do Bem possam ser realizadas. Portanto, conclui-se que o Criador precisou do mundo, de que ele só se realiza ao desdobrar-se por meio da Criação, e que a sua perfeição depende de dar vida à realidade imperfeita. Para Hegel o Criador realiza-se através da sua própria negação – O Bem se realiza através do Mal, o Bem se realiza através da História. Essa é a dialética de Hegel: uma descrição dos fundamentos da realidade, em uma visão dinâmica do universo, onde os acontecimentos históricos desdobram-se através de contradições, em direção à realização plena do Espírito Absoluto – Deus.

  • Marx foi fortemente influenciado pela filosofia de Hegel, mas formula uma dialética que vira a hegeliana do avesso. Hegel era um idealista, pois acreditava que a realidade era fruto dos desígnios de uma Ideia original, ou seja, do intelecto divino. Karl Marx era um materialista, portanto, não aceitava a ideia de um Criador, e muito menos a de que as contradições da realidade se davam segundo as necessidades de realização de um “espírito”. Ao contrário: a matéria – tudo aquilo que podemos enxergar, tocar e experimentar através de nossos sentidos – é o principal componente da realidade. Assim, é na realidade material onde devemos buscar as contradições que levam à sua “realização”, ou seja, à sua própria produção e reprodução. Da mesma forma que o Criador precisaria das contradições para se realizar, a matéria precisaria das contradições para se “realizar”, ou seja, se produzir e reproduzir – e esse processo se dá historicamente. Em suma, segundo a dialética materialista de Marx, a História move-se a partir de contradições de natureza material. Marx vai continuar entendendo a história de maneira dialética, mas funcionando apenas no domínio da pura matéria, entendendo a ‘dialética da história’ como sendo a ‘luta de classes’. Porque, quando você reduz a história à sua dimensão material, tudo aquilo que resta é a dimensão material também do homem. E a dimensão material da sociedade são as suas classes sociais e econômicas. Então, o ‘motor da história’ deixa de ser o ‘Espírito’, que se manifesta a si mesmo através do tempo, e passa a ser a luta de classes, que vai fazendo com que a história se movimente, desde seu princípio, até o seu final, a fim de que, um dia, essa dialética acabe. Para Hegel, a dialética acabaria no Espírito Absoluto, mas no caso de Marx o final da história seria o Estado Comunista onde não haveria mais classes. Etapas da evolução histórica marxista: Primitiva – Escravagista – Feudal – Industrial (Capitalismo) – Socialismo – Comunismo.

  • Aristóteles entendia a dialética só como um método de pesquisa. E, Hegel descobriu que muitas coisas na realidade histórica funcionam dialeticamente. Em Hegel a dialética se transforma numa descrição da estrutura da realidade, portanto não é o filósofo que está investigando de forma dialética, é a realidade que sucede dialeticamente e ela tem de suceder dialeticamente porque a mente humana também é dialética.

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