Personagens Principais Otelo – nobre mouro, general a serviço de Veneza Desdêmona – jovem inocente, filha Brabâncio, esposa de Otelo Iago – alferes de Otelo, o diabo encarnado
Personagens Secundárias Cássio – lugar-tenente de Otelo Brâmancio – poderoso senador de Veneza Rodrigo – fidalgo veneziano Emília – esposa de Iago Bianca – amante de Cássio
Interpretação “A característica essencial do estado primordial do homem era a união da alma com o Espírito, e um dos símbolos mais universais da recuperação deste estado é o matrimônio.” – Martin Lings (1909-2005), filósofo inglês, estudioso de Shakespeare
O mundo antigo e a Idade Média sustentavam que todo ser humano forma um par perfeito com outro ser humano do sexo oposto. Podem estar separados pelo tempo e espaço e nunca se encontrarem nesta vida, mas encontrando-se nenhuma paixão terrena será comparável com o amor de um pelo outro. É este amor que Shakespeare tinha em mente quando concebeu as personagens Romeu e Julieta, Antônio e Cleópatra e Otelo e Desdêmona – há algo cósmico e universal na intensa atração mútua entre os amantes.
A Inglaterra do bardo ainda estava na transição entre a Idade Média e o Renascimento, e temos neste drama, uma vez mais, um campo de batalha entre as duas concepções do mundo. Iago é humanista ao extremo – “Vós, razão, sois minha deusa.” – pois para ele a humanidade é o que há de mais elevado na existência, e como tal a humanidade está limitada a razão e a natureza. No humanismo renascentista o racionalismo no pensamento e o naturalismo nas artes caminham juntos – a negação racionalista de tudo que é sobre-humano e sobrenatural. É isso que a personagem medieval Hamlet chama de “filosofia” – “Há mais coisas entre o céu e a terra, Horácio, do que pode sonhar tua filosofia.”, e que o também medieval Vicêncio de Medida por Medida resume como a maldade de Bernardino, “Homem! Dizem que tens uma lama teimosa que nada aprende além deste mundo.”. Iago, o humanismo, é inimigo do homem.
Otelo e Desdêmona são, respectivamente, a alma e o Espírito. E Iago o diabo que tudo fará para arruinar este matrimônio, contrapondo-se à união do céu e da terra que é a única maneira possível de se obter a realização humana. Iago interpõe a razão e é capaz de convencer a terra de que o céu não existe, portanto não existe essa subordinação – Iago é o professor moderno convencendo seus alunos de que o mundo é como Marcuse, Freud ou Marx o definiram.
E Otelo descerá até o Inferno (morte de Desdêmona) para subitamente enxergar a verdade e, então, renunciar totalmente a este mundo.
O homem caído é caracterizado pela cegueira, pela incapacidade de enxergar a verdade, a bondade e a beleza. Quando olhamos atentamente o estado de coisas no nosso mundo atual percebemos que Iago está mais atuante que nunca. Ele chega a convencer que os pais tem o direto de assassinar os filhos ainda no ventre, que sexo é uma construção mental e que tudo é relativo (não existe verdade). Portanto, caro amigo, pense duas vezes antes de classificar Otelo como um tolo.
Notas
William Shakespeare (1564-1616) em Stratford-upon-Avon, Inglaterra. Era católico num mundo protestante.
Shakespeare escrevia, dirigia, produzia e atuava em suas peças. Deixou-nos a maior obra teatral do mundo moderno.
Otelo se desenvolve em 1570 em Veneza e na ilha de Chipre, e teria sido encenada pela primeira vez em 1604. Foi inspirada em Un Capitano Moro de Giraldo Cinthio, discípulo de Boccaccio.
Não se sabe se Otelo seria negro ou berbere, pois a palavra mouro se aplicava aos dois casos.
Ver a ópera e filme Otelo respectivamente de Verdi e Orson Welles.
Edmundo de Rei Lear é outro humanista célebre de Shakespeare – “Vós, natureza, sois minha deusa.”.
A personagem Rodrigo é o homem caído, impotente diante das garras do diabo.
Emília é personagem ambígua, humana, e representará a luz do Espírito (transferido de Desdêmona) que esclarecerá a verdade.
A palavra Satã em hebraico significa opositor.