“… nada pode ser mais infalível do que o conhecimento científico, salvo a intuição...” – Aristóteles – Analíticos Posteriores (Livro II-XIX 100b 12-13)
O discurso humano é uma potência única, que se atualiza de quatro maneiras diversas: a poética, a retórica, a dialética e a analítica (lógica) – cada uma delas uma ciência per se, bem como variantes de uma ciência única (quatro possíveis atitudes humanas ante o discurso, quatro motivos humanos para falar e ouvir).
As quatro ciências do discurso tratam de quatro maneiras pelas quais o homem pode, pela palavra, influenciar a mente de outro homem (ou a sua própria) – e caracterizam-se por seus respectivos níveis de credibilidade (ordem crescente do possível ao verossímil, deste ao provável, e finalmente ao verdadeiro):
Poético: é o discurso imaginativo, sonha com possibilidades, dirigindo-se sobretudo à imaginação (que capta aquilo que ela mesma pressupõe).
Retórico: lida com o mundo do verossímil. Influência da vontade alheia por meio da persuasão, ou seja, uma ação psicológica fundada em crenças comuns. Se a poesia tinha como resultado uma impressão, o discurso retórico visa produzir uma decisão.
Dialético: lida com o provável. Busca definir entre erros e verdades a probabilidade maior ou menor de uma tese segundo as exigências da razão e acurácia da informação. Não se limita a sugerir ou impor uma tese, mas submete as crenças à prova mediante ensaios e tentativas de transpassá-las por objeções – buscando a verdade entre os erros e os erros entre as verdades.
Analítico (Lógico): lida com a certeza, demonstração certa. Parte de premissas e demonstra a veracidade das conclusões ou de forma apodíctica a verdade.
A lógica não traz conhecimento, servindo apenas para facilitar a verificação de conhecimentos já adquiridos, confrontando-os com os princípios que os fundamentam, para ver se não se contradizem. A única maneira de buscarmos os princípios é a investigação dialética, que pelo confronto das hipóteses contraditórias, leva a uma espécie de iluminação intuitiva que põe em evidência estes princípios. A dialética em Aristóteles é, portanto o verdadeiro método científico, do qual a lógica formal é apenas um complemento e meio de verificação (logica inventionis, lógica da descoberta para Éric Weil).
Aristóteles também assinala a diferente disposição psicológica do ouvinte de cada um dos quatro discursos.
O ouvinte do discurso poético deve afrouxar sua exigência de verossimilhança para captar a verdade universal que pode estar sugerida numa narrativa aparentemente inverossímil (antecede o suspension of disbelief de Samuel Taylor Coleridge).
Na retórica antiga o ouvinte era chamado de juiz, porque dele esperava-se uma decisão, voto ou sentença – o ouvinte é chamado a decidir. Abandona-se a imaginação poética, e assume a vontade que, no reino dos fatos, ouve e julga o discurso.
Já o ouvinte do discurso dialético é, interiormente ao menos, um participante do processo dialético – já não visa a decisão imediata mas sim uma aproximação da verdade. O dialético não deseja persuadir, como o retórico, mas chegar a uma conclusão que deva ao menos ser admitida como razoável por ambas as partes – uma atitude de isenção (refreio do desejo de vencer o debate) que não defende um partido, mas investiga uma hipótese.
Finalmente, no plano da lógica analítica não há mais discussão, mas apenas a demonstração linear de uma conclusão – partindo de premissas admitidas como absolutamente verdadeiras e procedendo rigorosamente pela dedução silogistica. É o monólogo do mestre, cabendo ao discípulo apenas receber e admitir a verdade (caso falhe a demonstração, o tema volta ao debate dialético).
De discurso em discurso, há um afunilamento progressivo do admissível: da ilimitada abertura do mundo das possibilidades passamos à esfera mais restrita das crenças subscritas pelo senso comum, destas apenas algumas poucas sobrevivem aos rigores da triagem dialética, e menos ainda são as que serão admitidas como absolutamente certas (cientificamente válidas). Dispostas em círculos concêntricos, os quatro discursos formam o mapeamento completo das comunicações entre os homens civilizados, a esfera do saber racional possível.
Ambas escalas acima (credibilidade e admissibilidade) são exigidas pela teoria aristotélica do conhecimento. Para Aristóteles, o conhecimento começa pelos (a) dados do sentido. Estes são (b) transferidos à memória, imaginação ou fantasia, que os agrupa em imagens segundo suas semelhanças. É sobre estas imagens retidas e organizadas na fantasia, e não diretamente sobre os dados dos sentidos, que a (c) inteligência exerce a triagem e a reorganização com bases nas quais criará os esquemas eidéticos (relativo à essência das coisas – conceitos abstratos das espécies) com os quais poderá enfim (d) construir os juízos e raciocínios. Sem a intermediação da fantasia e da simples apreensão, não se chega ao estrato superior da racionalidade científica – é a imaginação que faz a ponte entre o conhecimento sensorial e o pensamento lógico (imagination mediatrix de Hugo de São Vítor). Para Aristóteles o homem é animal racional (animalidade e racionalidade fundidas), sua descrição do processo cognitivo é a narrativa da passagem do conhecimento animal (puramente sensível) ao conhecimento racional (propriamente humano) – a passagem da razão humana da potência ao ato.
A polis chega a certeza científica através do concurso preliminar e sucessivo da imaginação poética, da vontade organizadora que se expressa na retórica, e da triagem dialética empreendida pela discussão filosófica.
Cada um dos quatro discursos desfruta autoridade (credibilidade automática que o público concede ao discurso da classe dominante) diante de um certo período da história seguindo a ordem crescente de credibilidade do poético ao analítico – fazendo paralelo com a evolução histórica das civilizações: (a) o discurso poético surge com os primeiros oráculos (casta sacerdotal) – as palavras estão carregadas de poder, pronunciá-las pode repercutir sobre a ordem natural; (b) o poético perde espaço com a dissolução da religião grega tradicional (advento to individualismo religioso e o culto a Dionísio), e o discurso retórico torna-se dominante com a reforma de Sólon (século VII a.C.). Entra em decadência com o fim da República Romana no século I a.C. - o advento do Cristianismo abre um hiato nessa evolução com a retomada da linguagem poética até o fim da Era Patrística no século VI d.C.; (c) o discurso dialético (inaugurado por Sócrates) só torna-se dominante após a Patrística quanto torna-se progressivamente instrumento de unificação da doutrina cristã. Alcançando o auge na Escolástica (século XIII); (d) o discurso analítico fica em segundo plano até o século XVI quando o racionalismo clássico começa a impor o primado da ciência integralmente dedutiva, alcançando o auge no século XX – o império da ciência é o império da lógica analítica (uma autoridade não necessariamente com fundamento científico, mas com a credibilidade que o público supõe que ela tem).
A cada transferência do eixo de prestígio, o discurso anterior não cai em desuso, transforma-se e muda de lugar, e.g. a poética passa de linguagem religiosa à expressão de sentimentos individuais, até cortar seus laços com o mundo da experiência humana e tornar-se um oráculo vazio – é o fim de um ciclo.
Seguem anotações sobre os seis trabalhos individuais aristotélicos relacionados aos quatro tipos de discurso:
Poético: Poética Retórico: Retórica Dialético: Tópicos e Elencos Sofísticos Analítico: Analíticos Anteriores e Analíticos Posteriores
Poética As ciências poiéticas (ver Metafísica para a classificação das ciências) nos ensinam a produzir coisas segundo regras e conhecimentos precisos – trata-se das diferentes artes ou técnicas.
O conceito de arte grego enfatiza o momento cognitivo, ultrapassando a mera experiência do oquê e alcançando o conhecimento do porquê (uma forma de conhecimento). Daí a inclusão das artes no quadro geral do saber. Não é um saber com fim em si próprio (ciências teoréticas), nem tem em vista uma ação moral (ciências práticas), mas antes um saber em prol do objeto produzido.
Entre as ciências poiéticas, as belas artes distinguem-se das demais em sua estrutura e finalidade. Diferentemente das artes que completam e integram de alguma maneira a natureza, os fins das belas artes não coincidem com os da simples utilidade pragmática. Aristóteles trata das belas artes na Poética, principalmente das poesias trágica e épica (a parte sobre a comédia se perdeu). Mas algumas das ideias expostas podem estender-se as demais belas artes.
A essência da arte está na imitação (mimese poética) – a arte resulta da propensão do homem à imitação – aprendemos por imitação – e do prazer que dela extrai (o homem imita a natureza, tanto na aparência (exterior) como na essência interna). As artes podem representar as coisas como são ou como devem ser. Afastando-se do conceito de arte platônico (imitações fenomênicas que, por sua vez, são imitações dos paradigmas eternos das Ideias), o Estagirita entende a arte muito além da reprodução passiva das coisas, mas como a recriação segundo uma nova dimensão: “… a função do poeta não é contar o que aconteceu mas aquilo que poderia acontecer, de acordo com o princípio da verossimilhança e da necessidade.” Imitar a vida não é apresentá-la tal qual ela é (manifestação num mundo imperfeito), mas como deveria ser (um mundo mais próximo da perfeição onde (a) há uma ligação entre causa e efeito, (b) estáveis e significativas leis da probabilidade determinam as ações, e (c) um senso inevitabilidade, domínio do destino, está presente).
A mimese poética de uma ação ou história (praxis) em um enredo (muthos) é a transformação de algo longo, episódico e casual em algo focado e unificado – a história (praxis) de um homem acontece do seu nascimento a morte, mas num enredo (muthos) se restringirá provavelmente em um ou poucos dias de um evento.
O historiador e o poeta não se diferem por um escrever em prosa e o outro em verso (não diferem na forma), mas sim por um escrever o que de fato aconteceu e o outro aquilo que poderia acontecer. Assim a poesia tende mais ao universal ao passo que a história restringe-se ao particular.A arte é mais filosófica do que a história, mas não é filosofia; o universal da arte não é o universal lógico (eidos como espécie lógica) e, portanto, é algo que tem o seu valor próprio, embora este não seja nem o valor do verdadeiro histórico nem o do verdadeiro lógico.A tragédia trabalha com particulares concretos (como a história), mas expressa verdades universais (como a filosofia)
Aristóteles esboça uma teoria do belo dando-lhe como caracteres essenciais a ordem (coordenação), a simetria das partes e o definido (precisão – determinação quantitativa) – numa palavra, proporção.Revela-se aqui a marca helênica do “nada em excesso” da “medida”, e, em especial, a chave pitagórica de atribuir a perfeição ao “limite”. O homem busca instintivamente a harmonia – a poesia e a música bem construídas são como alimento a este desejo por ordem, equilíbrio e unidade.
As artes produzem (a) desocultação, (b) cultura moral, (c) deleite intelectual, e (d) catarse (kathársis). A catarse é próprio das artes mais elevadas, principalmente a poesia séria. Catarse é a supressão de uma paixão que turbava a alma – nem todo estímulo a paixão é capaz de produzir este efeito curativo, só da arte proveem a excitação salutar, submetida a uma medida e uma lei, separando a paixão da esfera individual e adaptando-a ao destino comum de todos os homens.
O que nos chegou da Poética limita-se quase ao estudo da tragédia – imitação de uma ação séria e completa que excita terror e compaixão, purgando-as da alma. O poeta trágico apresenta em seus heróis e seus destinos tipos gerais da natureza e da vida humana, mostrando leis imutáveis que dominam e regulam acontecimentos aparentemente acidentais – daí sua capacidade de purgar a alma de afecções desordenadas.
A parte mais importante da tragédia é a ação, que deve ser natural (o que aconteceu ou poderia acontecer deve estar consoante com as leis da verossimilhança e da necessidade). A ação deve ser una e completa, sendo impossível desordenar ou suprimir qualquer parte sem desarranjar o conjunto – tudo que pode ser imperceptivelmente acrescentado ou suprimido de um todo não faz parte deste todo.
Aristóteles considera a tragédia superior à epopeia por apresentar uma unidade mais rigorosa (fechada), ao passo que nenhuma das partes da epopeia poderia fazer uma tragedia.
A unidade da ação é a única para qual Aristóteles formula uma regra – não fala da unidade de lugar, e quanto a de tempo limita-se a dizer que a tragédia deveria restringir sua ação a um dia, ou não muito mais que isto.
Aristóteles distingue seis elementos formativos ou partes qualitativas da obra dramática (tragédia): (1) enredo, (2) personagens, (3) o pensamento das personagens, (4) dicção ou estilo, (5) música, e (6) espetáculo (produção, cenário, trajes, etc).
O enredo unificado deve ter começo (exposição necessária para entender a narrativa), meio (a complicação, catalisador que dá início ao conflito maior – ação ascendente) e fim (solução ou conjunto de eventos que levam ao desfecho). Nos melhores enredos o clímax é marcado por uma reversão (peripeteia – a sorte do herói muda subitamente de boa para ruim) ou reconhecimento (anagnorisis – o herói passa de um estado de ignorância para um de iluminação). Os melhores casos de reconhecimento são acompanhados de uma reversão (e.g. Édipo).
Aristóteles critica o uso de deus ex machina como sendo uma solução artificial e forçada para um enredo – este deve ser o suficientemente coerente para resolver-se em conformidade com a necessidade, probabilidade e inevitabilidade.
Aristóteles considerava o enredo como o fim e a alma da tragédia. Mas modernamente tende-se a colocar as personagens no centro do drama.
As personagens devem ser mais acabadas e belas que na realidade. O herói trágico deve ser um bom homem (nem imortal, nem vicioso), com um carácter apropriado à idade e comportamento humano (herói humano). Suas atitudes devem ser consistentes, inclusive em suas inconsistências. E deve ser descendente de uma das grandes famílias trágicas gregas (não é uma pessoa do povo) – Édipo preenche todas estas características.
O herói trágico deve apresentar uma falha-erro (hamartia) que o leva ao desfecho trágico. A hamartia de Édipo (pés inchados – alma inchada) é a húbris. A hamartia leva o bom homem da boa fortuna à má fortuna, provocando compaixão (sofrimento imerecido de um bom homem) e medo (perceber que isso pode acontecer com você), gerando a catarse (a compaixão nos aproxima do herói e o medo nos afasta de seu erro). Caso fosse o destino de um homem mau caindo na má fortuna somente provocaria satisfação na audiência, ou geraria desgosto se este homem mau tivesse sorte.
Do segundo capítulo da Poética se extrai uma classificação da obra ficcional conforme a força de ação do herói (Teoria dos Modos) em relação a nós:
(1) O herói pode ser um ser divino, superior em condição e ao meio dos outros homens, e a narrativa será mítica, no sentido comum de uma história sobre um deus. Tais narrativas ocupam um lugar importante em literatura, mas como regra situam-se fora das categorias literárias normais.
(2) O herói lendário caracteriza-se pela superioridade em grau aos outros homens e seus meios. Ele é capaz de atos maravilhosos (há uma suspensão das leis comuns da natureza), mas ainda é identificado como um ser humano. Passa-se do mito para a lenda, o folclore e seus derivados literários, incluindo as narrativas romanescas como a cavalaria e paladinar, ou religiosas devotadas as lendas de santos.
(3) O herói imitativo alto é superior em grau aos outros homens, mas não extrapola seu meio natural. Tem autoridade, paixões e poderes de expressão muito maiores do que os nossos, mas o que ele faz sujeita-se tanto à crítica social como à ordem da natureza. É comum encontrá-lo nas epopeias e tragédias (é fundamentalmente a espécie de herói que Aristóteles tinha em mente). É típico da literatura renascentista de culto do príncipe e do cortesão.
(4) Não sendo superior aos outros homens e seu meio, o herói é imitativo baixo, ele é um de nós. Reagimos a sua humanidade comum, e esperamos os mesmos cânones de probabilidade que notamos em nossa experiência comum. É a personagem típica da comédia e da ficção realista, e da cultura de classe média.
(5) E, finalmente, se inferior em poder e inteligência a nós mesmos, o herói pertence ao modo irônico. O leitor pode até sentir que podia estar na mesma situação da personagem, mas tem a sensação de olhar de cima uma cena de escravidão, malogro ou absurdez. A criança é personagem paradigmática deste modo, mas um homem excelente também pode ser apresentado em uma situação irônica (e.g. Sócrates na Apologia). Durante o último século a ficção mais séria tendeu a ser deste modo irônico.
Nota-se aqui que a partir do modernismo e, principalmente, do pós-modernismo, a literatura desceu seu centro de gravidade ladeira abaixo. A literatura ocidental é uma decadência de Aquiles e Heitor (Ilíada) para Gogo e Didi (Esperando Godot) – um processo de regressão ontológica.
Também observa-seque a Teoria dos Modos apresenta o potencial de todo um sistema de ensino moral, demonstrando diante de situações específicas qual seria a atitude de cada um dos heróis acima, indicandoassim às crianças o comportamento mais adequado – ensinar as crianças (personagem irônica) como se comportam os modelos superiores.
O pensamento e as qualidades naturais das personagens, diz Aristóteles, são as causas naturais da ação ou do enredo. Pensamento e ação revelam a personagem. Pensamento expresso em linguagem é aquela parte da poética que é comum tanto à lógica quanto a retórica, pois as personagens empregam estas artes para aprovar ou desaprovar, para suscitar emoções, ou para maximizar ou minimizar eventos e questões.
São particularmente importantes os pensamentos expressos em ditos sentenciosos comunicando uma visão universal, um juízo ou uma filosofia de vida. Exemplo: “… os bons quando louvados ficam um tanto repugnados, como se o elogio fosse ao excesso.”a – Eurípides, Ifigênia em Áulis.
Aristóteles usa o termo dicção como comunicação por meio da linguagem – modernamente o termo restringe-se as palavras que o autor usa, ou seja, como um elemento de estilo. Os principais elementos do estilo são: (a) tom, postura do autor quanto ao assunto tratado na obra (pode ser sério, severo, realista, romântico, satírico, etc); (b) dicção, linguagem utilizada pelo escritor (pode ser pedante ou coloquial, abstrata ou concreta, simples ou poética, etc) – a maioria das obras usam uma gama de dicções como escolhas intencionais para melhor comunicar as personagens, as ações e o tom; e (c) sintaxe, a estrutura da frase (pode ser simples, complexa, composta, etc).
A música era vista pelo Estagirita como “o maior dos embelezamentos”, capaz de produzir os “mais vivos prazeres”. Modernamente, no drama, a música perdeu sua importância em contraste com as canções do coro do teatro grego, mas é dominante na ópera.
O espetáculo é essencial à produção de teatro, incluindo trajes e cenários. Já na narrativa escrita, os detalhes de ambiente (tempo e lugar da narrativa) desempenham um papel acentuado – o ambiente cria a atmosfera, podendo ter forte impacto sobre o desenvolvimento das personagens e ação (no naturalismo chegasse ao limite do ambiente afetar diretamente o enredo, e.g. personagem como vítima de seu meio).
Além de sua visão sobre o enredo, as personagens e a catarse, Aristóteles deixou uma série de outras diretrizes que formaram a base teórica da crítica: (a) estabelece o conceito de que o critico pode inspirar a grande arte (estabelecendo os elementos que fazem a grande arte e, assim, ensinando e inspirando outros artistas – bem como apurar o senso artístico e crítico do público); (b) cria o conceito de gêneros literários e seus estudos; e (c) inventa a teoria orgânica da poesia (trata a tragédia como um organismo vivo que deve aderir a suas próprias regras e leis) – a teoria da crítica não seria a mesma sem Aristóteles e sua Poética.
Retórica Aristóteles diz que nada criou sobre a retórica, pois esta ciência já fora desenvolvida por Tísias, Trasímaco, Teodoro e outros. Porém estes autores permaneciam encerrados no particular, e apenas com Aristóteles advém a ideia de uma retórica científica – determinando uma relação estreita entre retórica e lógica (graças às suas teorias lógicas o Estagirita encontra na dialética, distinta da apodíctica, o fundamento da retórica).
A retórica é a aplicação da dialética a certos fins práticos. A dialética é logicamente anterior à retórica (ela é o todo do qual a retórica é parte), mas cronologicamente a retórica é anterior a dialética. Ambas lidam com a opinião, com probabilidade e não com certezas absolutas (são as únicas artes capazes de sustentar dois ou mais lados de uma mesma questão) – sendo que a retórica sustenta apenas um lado de uma questão (a retórica é a contraparte da dialética, e o entimema retórico a contraparte do silogismo dialético).
A retórica lida com questões particulares ou específicas, e procede por discurso ininterrupto, usualmente empregando linguagem não-técnica, dirigida a uma audiência de leigos ou popular. A retórica é útil, pois sem ela a verdade pode ser derrotada num debate.
A retórica é a arte de descobrir, em qualquer assunto dado, os meios de persuasão disponíveis; e ensina a persuadir por razões verossímeis, logo sua essência está na doutrina dos meios oratórios, ou seja: (a) os relacionados ao assunto (lógica do assunto), (b) os relacionados ao orador (seu caráter), e (c) os relacionados ao ouvinte (suas emoções) – pois é preciso saber o que dizer, como dizer eficazmente e o melhor modo de tratar o assunto.
Meios oratórios relacionados ao assunto: fazer parecer verdadeiras as afirmações através de provas (prova é o elemento principal da retórica – ao contrário dos sofistas, a verdadeira retórica funda-se em provas). A retórica prova por (1) entimema (demonstração imperfeita, silogismo com premissa implícita, e.g. “Onde há fumaça, há fogo!” – prova dedutiva), (2) por exemplo ou indução imperfeita (argumentação indutiva como forma de argumentação secundária) – não há nenhum tipo de prova retórica que não se resuma a esses dois elementos.
O entimema é um silogismo que se raciocina consoante verossimilhança ou sinais. O exemplo, como a indução, consiste em julgar algo por outro algo semelhante (o exemplo não vai da parte ao todo, mas da parte à parte). A retórica determina os pontos de vista de que se extraem os entimemas e os exemplos: essa determinação é o objeto da tópica oratória (topói (topos no singular) são os “lugares” ou pontos de vista – uma questão em discussão sugere inúmeros argumentos pró ou contra as respostas oferecidas / termo também usado para designar a dialética, indicando a mesma operação para classificar os pontos de vista, sendo na retórica com o objetivo de persuasão e na dialética visando o avanço ao conhecimento efetivo). Passa-se da premissa maior (um topos – um lugar comum que todos opinam como válido) para a conclusão (não há premissa maior).
Aristóteles distingue três gêneros de discurso: (1) deliberativo ou político (útil/inútil – vantagens e desvantagens de uma ação – futuro), (b) judiciário ou forense (justo/injusto – acusação e defesa – passado), e (c) epidíctico ou demonstrativo (belo/feio, virtude/vício – louvar ou censurar algo).
Meios oratórios relacionados ao orador: fazer com que o ouvinte o considere dotado de (a) inteligência, (b) probidade e (c) benevolência – o meio de persuasão é a emoção e caráter do orador. Se o sofista estimula as emoções para desviar os ouvintes da deliberação racional, o orador aristotélico controla as paixões pelo raciocínio que desenvolve com os seus ouvintes.
O objetivo é predispor a audiência com relação ao orador – os fatos não se apresentam sob o mesmo prisma a quem se ama ou a quem se odeia, nem são iguais para o homem que está calmo ou irado.
As emoções (paixões) afetam o juízo humano na medida em que comportam dor e prazer. O manejo das emoções exige conhecer (a) o estado de espírito em que se acham os ouvintes quanto a emoção em questão, (b) pró ou contra de quem costuma sentir tal emoção, e (c) em que circunstâncias ela aflora. Aristóteles discute como nascem e se dissolvem, e de como extrairá entimemas relacionados as seguintes emoções: (a) ira/calma, (b) amizade/inimizade, (c) temor/confiança, (d) vergonha/desvergonha, (e) amabilidade/indelicadeza, e (f) inveja/emulação.
Meios oratórios relacionados ao ouvinte: saber exitar e aplacar as paixões – o orador deve conhecer a emoção do ouvinte para adaptar a ele o seu caráter. Aristóteles desenvolve aguda psicologia no estudo da influência das idades (juventude, maturidade e velhice) e situações (nobres, ricos e poderosos) sobre o caráter e as disposições.
A aplicação dos três meios acima implica na persuasão através do logos (pensamento – convencer a mente alheia dando provas da veracidade), do ethos (caráter do orador – inspirar confiança mediante cortesia e outras qualidades), e do pathos (dispor a mente alheia de forma favorável trabalhando suas emoções).
O estilo é necessário, mas deve funcionar mais como auxiliar de argumentação do que simples técnica de ornamentação. As seguintes características do estilo são discutidas:
(a) Qualidade da expressão (clareza) como a principal virtude do estilo em prosa, a expressão deve-se adequar ao assunto. Frivolidades a serem evitadas: palavras compostas, palavras estranhas e obsoletas, epítetos longos e numerosos, e metáforas fora de contexto.
(b) Correção gramatical com (1) emprego correto das partículas, (2) rigor no uso das palavras, (3) omissão de termos ambíguos, (4) uso correto do gênero, e (5) uso correto do número – sempre visando a clareza da linguagem e a reta observância das regras gramaticais e convenções da língua.
(c) Solenidade da expressão visando a amplificação do discurso através do (1) uso de uma definição em vez de uma palavra, (2) recurso a metáfora e epítetos, (3) uso do plural pelo singular, (4) uso do artigo, (5) recurso a estruturas conjuncionais em vez de frases concretas, e (6) uso da descrição.
(d) Adequação da expressão ao assunto – qual a expressão mais adequada, e.g. patético, ético e proporcionado.
(e) Ritmo, a prosa deve ser rítmica sem ser métrica. O discurso rítmico é mais agradável pois organiza as palavras de acordo a uma estrutura – cada gênero literário tem o seu ritmo próprio.
(f) Construção da frase (estilo periódico, período como um todo estruturado (em que a tensão gerada ao princípio se resolve no fim), com princípio e fim em si mesmo, com uma extensão adaptada a capacidade respiratória – discurso mais inteligível e agradável aos ouvidos.
E, finalmente, a organização, vista também como função auxiliar, relaciona-se a ordem das quatro partes do discurso: (1) introdução (proêmio), (2) declaração, (3) prova, e (4) conclusão (epílogo). Os cinco componentes tradicionais da retórica eram (a) invenção (descobrir argumentos para a persuasão), (b) organização das partes de uma composição, (c) estilo, (d) memorização do discurso, e (e) uso adequado da voz e gestos ao proferi-lo.
Tópicos e Elencos Sofísticos (Dialética) Os Tópicos são dedicados ao exame do silogismo dialético cujas premissas são apenas prováveis (raciocínio a partir de matéria verossímil, de opiniões geralmente aceitas) – Aristóteles arrola todos os procedimentos que possibilitam convencer, sem se preocupar com o valor de verdade no discurso. O Estagirita buscava um método que permitisse deduzir uma conclusão a partir de certas premissas apenas verossímeis.
Para tanto era necessário especificar o que é um raciocínio dedutivo (i.e. silogismo), e em quantas espécies se subdivide.
Silogismo é um enunciado em que, dadas certas premissas, destas decorre necessariamente uma proposição diferente das primeiras pelo facto de estas serem como são.” As premissas (ou proposições) verossímeis são aquelas que ocorrem em situações correntes na vida quotidiana, por oposição às que surgem da discussão (ou da investigação) científica, abrangendo um grande variedade de casos, desde o debate dialéctico até as discussões na Assembleia ou nos tribunais. O estudo destas proposições, das suas combinações e das conclusões que delas pode-se tirar tem, segundo Aristóteles, grande interesse de natureza prática – o estudo da dialética e dos topóis é útil para (a) o exercício mental, (b) nos debates públicos, e (c) no processo de descobrir a verdade filosófica.
O debate dialético pressupõe dois interlocutores, um tema em discussão, e, implicitamente, um grupo de ouvintes acompanhando a discussão. Um dos interlocutores (proponente – interrogado – comprovador) propõe um tema na forma de uma tese, uma definição, a solução de um problema, etc (sempre articulada com sujeito e predicado). O segundo dialogante (questionador – refutador) contestará a proposta com uma série de perguntas e refutações (elenchos socrático) as quais o outro deverá responder na tentativa de comprovar sua tese. Por mais que as refutações e comprovações refinem a proposição original, é comum que o diálogo termine em aporia (impossibilidade de uma definição ou solução univoca).
A dialética tem como objetivo raciocinar sobre qualquer questão que seja proposta, e as questões não podem ser apresentadas senão sob a forma de uma estrutura linguística a que chamamos “frase” (com sujeito e predicado). Uma questão pode ser posta como pergunta simples (“Acaso animal terrestre bípede é definição de homem?” – proposição) ou pergunta alternativa (“Animal terrestre bípede é, ou não é, a definição de homem?” – problema) – o propósito último é responder à questão (socrática) “O que é o homem?”
Aristóteles define quatro modos pelos quais os atributos de um sujeito podem ser predicados: (a) definição como enunciado que explicita o que cada coisa é; (b) propriedade que não explicita a essência da coisa mas lhe pertence em exclusivo; (c) gênero como referência à categoria da essência a propósito de um grande número de coisas que diferem entre si pela respectiva espécie; e (d) acidente como distinto dos anteriores predicáveis, e que pode aplicar-se ou não à mesma coisa, e.g. “estar sentado”.
No século II d.C., Porfírio – comentador de Aristóteles – destaca a espécie do gênero e define como cinco os predicáveis conforme tabela abaixo (por indução ou dedução observa-se que os argumentos são construídos com base nos predicáveis, por intermédio deles e em relação a eles):
São questões preliminares à abordagem do estudo dos topóis:
(a) Problema da identidade, distinção entre todos os sentidos do termo idêntico: (1) relativo ao número quando existem várias palavras para designar um único objeto (e.g. “o mesmo”); (2) relativo à espécie quando existem muitas coisas diferentes mas que não se distinguem pela espécie a que pertencem (e.g. “este homem” e “aquele homem” – idênticos relativamente à espécie); e (3) relativo ao gênero, tal qual a identidade relativa a espécie.
(b) Realizar a conversão do predicado é inverter a posição do sujeito e do predicado dentro da proposição (S é P / P é S). Tudo quanto é predicado de alguma coisa pode ou não ser objeto de conversão. Em caso positivo trata-se de definição ou propriedade, senão (a) trata-se de gênero ou diferença específica quando os termos fazem parte da definição, ou (b) será acidente quando não fizer parte da definição.
(c) Quanto a relação das categorias e com os predicáveis, cada predicado, quer afirme algo da coisa em si mesma, quer refira-se ao gênero/espécie na qual se insere, indica uma essência/substância, e quando afirma algo em relação a outro objeto qualquer indica uma quantidade, qualidade ou alguma das restantes categorias.
(d) Nem todas as proposições e problemas podem ser apresentados de forma dialética. Uma proposição precisa ter crédito e um problema não deve versar sobre coisa óbvia. São proposições dialéticas as que se assemelham ou são refutações que resultam de conhecimentos técnicos adquiridos. Já o problema dialético é uma tomada de posição que leva a decidir entre escolha e rejeição, ou entre verdade e conhecimento, tomada quer por si mesma, quer como auxiliar na procura da solução de outras questões similares; trata-se de questões acerca das quais as pessoas, ou não têm opinião definida, ou pensam de formas opostas. Por outro lado, a tese é uma suposição paradoxal proposta por algum filósofo famoso, e.g. “tudo está em movimento” de Heráclito (a tese também é um problema, mas nem todo problema é uma tese).
(e) Dedução é raciocínio que partindo de certas premissas chega-se a uma conclusão diferente dessas premissas, mas nelas fundamentada; e indução é o método de raciocínio que parte de um conjunto de coisas individuais para concluir acerca da totalidade.
Aristóteles também passa em revista o que ele chama de “instrumentos da dialética” utilizados para construção da argumentação. São eles:
(a) modo de estabelecimento das proposições ou premissas: devem ser selecionadas entre aquelas que são opiniões de todos, da maioria, dos sábios, ou que não aparentam serem contrárias a opinião geral; interessam também as opiniões conformes a um ramo específico de conhecimento. Há que formular também proposições contraditórias daquelas contrárias à opinião geral. Proposições que parecem verificarem-se em todos devem ser tomadas como princípios. Proposições são buscadas nos textos, elaborando listas de hipóteses sobre cada assunto (e.g. sobre o “bem” ou sobre o “ser vivo” – definir a essência e verificar todas as espécies de “bem” ou “ser vivo”), registrando as opiniões de cada pensador individual.
As proposições podem ser de natureza (1) ética (e.g. saber se devemos obedecer aos pais ou as leis em caso de discrepância), (2) física (e.g. saber se o mundo é ou não eterno), (3) lógica (e.g. saber se é ou não a mesma ciência que se ocupa dos contrários).
(b) determinação dos vários sentidos possíveis de um dado termo: verificar a conotação do termo em diferentes contextos, entendo a sua justificativa.
(c) determinação das diferenças: diferenças que distinguem umas coisas das outras devem ser tomadas em consideração dentro dos próprios gêneros (e.g. distinção entre “justiça” e “coragem”, ou entre “sensatez” e “moderação”, pois todas estas coisas pertencem ao mesmo gênero), ou mesmo de gênero para outro gênero, desde que estes não sejam demasiadamente discrepantes um do outro (e.g. distinção entre “sensação” e “conhecimento”). Quando se trata de gêneros muito divergentes uns dos outros, as diferenças são perceptíveis com toda a facilidade.
(d) determinação das semelhanças: verificar as semelhanças existentes entre coisas que pertencem a gêneros diferentes (A está para B na mesma relação que X está para Y – e.g. a relação entre “conhecimento” e “coisa conhecida” é semelhante à que existe entre “sensação” e “objeto da sensação”. Assim como uma coisa está noutra diferente, também uma outra coisa se encontra ainda em outra coisa mais, por (e.g. “vista” reside nos “olhos” como “entendimento” reside na “alma”). A prática da análise de termos muito diferenciados permite detectar nos outros as semelhanças com maior facilidade. É preciso observar ainda, a respeito das coisas incluídas no mesmo gênero, se há algum atributo idêntico em todas elas, por exemplo, num homem, num cavalo e num cão, pois a semelhança entre estes entes consiste precisamente naquilo que é idêntico em todos.
Aristóteles exemplifica os diferentes topóis: no sentido lógico-retórico o topói representa quadros ideais nos quais entram – e dos quais se extraem – as argumentações, como uma espécie de fichário no qual estão contido um repertório de argumentações. Os topóis servem fundamentalmente para detectar e, na medida do possível, eliminar todo e qualquer erro de categorização – sendo apresentados em quatro classes distintas: (a) Topóis relativos ao predicável acidente (P (predicado/atributo) é acidente de S (sujeito)); (b) Topóis relativos ao predicável gênero (P é gênero de S); (c) Topóis relativos ao predicável próprio (P é próprio de S); e (d) Topóis relativos ao predicável espécie (P é espécie de S).
Aristóteles dedica o último livro do Tópicos à prática da dialética apresentando uma série de regras para uso dos praticantes, tanto no papel de questionador quanto de interrogado.
Refutações Sofísticas, por fim, são dirigidas contra os sofistas, examinando e refutando seus argumentos (silogismo erístico ou investigação das argumentações capciosas). A refutação correta é um silogismo cuja conclusão contradiz a do adversário; as refutações dos sofistas, pelo contrário (e, em geral, as suas argumentações), apenas pareciam corretas, sem o serem, e serviam-se de uma série de truques para enganar os inexperientes – parecem ser refutações (contestações), mas são realmente falácias.RefutaçõesSofísticas estuda todos estes possíveis sofismas, analisando os paralogismos (raciocínios falsos) mais característicos que deles se derivam.
Há dois modos de refutação, um que tem a ver com a linguagem empregada, e o outro independe da linguagem usada. Seguem suas diferentes formas de uso:
Analíticos Anteriores e Analíticos Posteriores (Analítico) A analítica (ou lógica) não se enquadra na sistematização das ciências aristotélicas, pois não tem por objeto nem a produção de algo (ciência poiética), nem a ação moral (ciência prática), e nem determinada realidade distinta (ciência teórica) – ela considera a forma que deve ter qualquer tipo de raciocínio que pretende demonstrar algo que, em geral, procura-se provar (é uma propedêutica). A lógica mostra (a) como procede o conhecimento quando pensa, (b) qual a estrutura do raciocínio, (c) quais os elementos do raciocínio, (d) como proporcionar demonstrações, (e) que tipos e modos de demonstrações existem, (f) sobre o que versam as demonstrações, e (g) quando as demonstrações são possíveis.
A analítica (analysis – resolução) explica o método com que, partido de uma conclusão dada, esta se resolve partido dos elementos (premissas que constituem seu fundamento e a justificam) que a derivam – basicamente é a doutrina do silogismo.
A analítica é a apresentada em dois textos: (a) analíticos anteriores que estuda formalmente (1) a estrutura do silogismo em geral, (2) suas diversas figuras, e (3) e seus diversos modos, prescindindo de seu valor de verdade (preocupa-se apenas com a coerência formal do raciocínio); e (b) analíticos posteriores que além de formalmente correto deve ser também verdadeiro (silogismo científico – verdadeira e genuína demonstração), e, além das premissas, ocupa-se também da maneira como elas chegam a conhecer-se e dos problemas relativos a definição.
Raciocinamos quando articulamos proposições com certos nexos, sendo umas (antecedentes) causas das outras (consequentes) – não há raciocínio sem tal nexo (não há consequente). Silogismo é o raciocínio perfeito, onde a conclusão é consequência que brota necessariamente do antecedente. No geral, deve haver três proposições num silogismo: duas antecedentes (premissas – premissa maior e premissa menor pela ordem na proposição) e uma consequente (conclusão). No silogismo intervem sempre três termos: (a) extremo menor (sujeito da conclusão), (b) extremo maior (predicado da conclusão), e (c) termo médio (funciona como gonzo unindo os outros dois – é um catalisador que desaparece na conclusão). As premissas silogísticas têm valor de hipótese e devem estar precedidas da conjunção “se”.
Estrutura do Silogismo: “Se todos os homens são mortais e se Sócrates é homem, então Sócrates é mortal.” (1) todos os homens são mortais: premissa maior (2) Sócrates é mortal: premissa menor (3) então Sócrates é homem: conclusão (4) Sócrates: extremo menor (5) mortal: extremo maior (6) homem: termo médio
Os modos de silogismo (figuras) variam conforme a posição do termo médio. No silogismo acima (a) o termo médio é sujeito da premissa maior e predicado da premissa menor – é considerado o silogismo por excelência pois é mais natural, mais claro. Mas o termo médio também (b) pode ser predicado das duas premissas (e.g. “Se um morcego é um mamífero e se nenhum pássaro é mamífero, então nenhum morcego é pássaro.”), ou (c) ser sujeito de ambas premissas (e.g. “Se nenhum mamífero é pássaro e se algum mamífero é animal que voa, então algum animal que voa não é pássaro.”)
O valor de uma proposição pode ser (a) verdadeiro se a relação que descreve é como é, ou (b) falso se a relação descrita não é como é.
As premissas também podem variar no tocante a (a) quantidade (universal/geral ou particular/empírico) e (b) qualidade (afirmativas ou negativas):
As variações de quantidade e qualidade aplicam-se a cada um dos modos de silogismo (figuras) conforme a posição do termo médio, e Aristóteles, estudando cada uma das múltiplas combinações, concluindo haverem quatro combinações possíveis na primeira figura, quatro da segunda, e seis da terceira (ver anotações de O Trivium de Irmã Miriam Joseph para mais detalhes).
Aristóteles ainda faz distinção entre diferentes silogismos quanto a (a) serem perfeitos ou imperfeitos (e da maneira de reduzir os segundos aos primeiros), (b) maneira de reduzir os silogismos das outras figuras à figura por excelência, (c) à conversão das proposições para ajustá-las a estas diferentes transformações, e (d) à silogística modal sobre a existência, necessidade e possibilidade das premissas (ver O Trivium). Esta é a parte mais problemática e criticada da silogística aristotélica, o Estagirita também não tratou das proposições hipotéticas e disjuntivas (ver O Trivium).
O silogismo baseia-se na coerência do raciocínio devendo ficar fora de toda a dúvida do conteúdo da verdade (silogismo formal – foco na forma) e é tratado, como dito acima, no Analíticos Anteriores. O livro Tópicos trata dos silogismos dialéticos, onde as premissas são prováveis, isto é, fundadas na opinião (foco no conteúdo), e o livro Refutações Sofísticas versa sobre os silogismos erísticos, fundamentados em premissas que parecem fundadas em opiniões, mas na verdade não são, ou fundadas em paralogismos (foco no conteúdo). E finalmente o silogismo científico que, além da correção formal da inferência, considera também o valor da verdade das premissas (fundado em axiomas) é abordado no Analíticos Posteriores – o silogismo científico é próprio da ciência, chama-se demonstração.
No Analíticos Posteriores, Aristóteles afirma termos ciência de alguma coisa quando julgamos conhecer indubitavelmente a causa em virtude da qual a coisa é, e tal conhecimento pode ser alcançado por duas vias: (a) mediante a demonstração (silogismo científico), e (b) intuição.
Para Aristóteles ciência corresponde a um processo discursivo que tende a determinar as quatro causas, sobretudo a causa formal (essência ou eidos – o “médio” em virtude do qual estabelece-se a vinculação necessária de certas propriedades a um sujeito dado). O eidos constituí o centro da física, da metafísica e da ciência (i.e. de todo o sistema aristotélico). Assim a demonstração científica está ligada quase inteiramente à concepção metafísica da substância – a ciência aristotélica investiga acerca da substância e todos seus nexos (na ciência moderna adotaram ponto de vista distinto do aristotélico).
O eidos é a forma ontológica que converte-se em espécie lógica – universalidade apreendida pelo pensamento, convertida em conceito e capaz de referir-se a muitas coisas.
Além de verdadeiras, as premissas do silogismo científico devem recorrer para demonstrações ulteriores (mais conhecidas e anteriores), inteligíveis em sim, claras e mais universais do que as conclusões (causa destas e contendo a sua razão). Eis o ponto crucial da ciência aristotélica: como conhecemos as premissas sem cair num procedimento infinito? O silogismo é um processo dedutivo, obtendo verdades particulares a partir das universais. E as verdades universais são alcançadas através da (a) indução e (b) intuição (procedimentos pressuposto do silogismo apesar de algo opostos a ele) – as premissas são obtidas por indução e intuição.
A indução (epagogê) é o processo abstrativo pelo qual se obtém o universal a partir do particular – não é um raciocínio, mas uma “condução” do particular ao universal em virtude de uma espécie de apreensão imediata (intuição).
A intuição (nous – ver Ética a Nicômaco) é a apreensão pura e simples dos primeiros princípios. Para Aristóteles nenhum outro conhecimento é mais exato, pois não haveria conhecimento científico sem os princípios, e estes não podem ser obtido por demonstração. Assim, a intuição é o princípio da ciência – o conhecimento discursivo supõe um conhecimento não discursivo, a possibilidade do conhecimento mediato supõe necessariamente um conhecimento imediato.
Cada ciência assume premissas e princípios próprios, peculiares só a ela: (a) presumir a existência de um sujeito (gênero-sujeito) sobre o qual versarão todas as suas determinações (e.g. a aritmética assume a existência da unidade e do número – cada ciência caracteriza seu objeto por meio da definição), (b) definir o significado de uma série de termos que lhe pertencem (e.g. a aritmética define o significado de mensurável e incomensurável), demonstrando cabalmente que se tratam de características que correspondem a seu objeto, (c) recorrer a certos axiomas (proposições verdadeiras e intuitivas), graças aos quais se efetua a demonstração e.g. “se de coisas iguais se tiram partes iguais, aquelas permanecerão iguais”.
Os axiomas podem ser (a) comuns a várias ciências, ou (b) próprios de todas as ciências sem exceção (e.g. princípios da não contradição, de identidade, e do terceiro excluído – princípios transcendentais/primeiros (ver Metafísica)). Assim, as ciências têm (a) princípios próprios, (b) princípios comuns a algumas, e (c) princípios comum a todas; que são apreensíveis por indução ou por intuição e determináveis por definição – sendo estas as condições da mediação silogística.
As operações mentais na análise das espécies leva-nos as possibilidades estruturais de as incluir em gêneros (representando universais mais amplos), estes gêneros ampliam-se no sentido da universalidade até chegar às categorias (gêneros supremos). E mais além destas o pensamento descobre um mais universal que já não é gênero, mas uma relação analógica: este universal é o ser e o uno.
Notas
Aristóteles (384-322 a.C.) nasceu em Estagira (daí a alcunha de Estagirita) na Macedônia. Filho de médico, de quem provavelmente herdou o interesse pelas ciências naturais.
Ingressou na Academia de Platão aos 18 anos, nela permanecendo até a morte do mestre (348-347). Retira-se da Academia desgostoso com os rumos ditados pelo sucessor de Platão (seu sobrinho Spêusipos) em transformar a filosofia em matemática.
Apelidado por Platão como “o ledor”. Pregava a necessidade de conhecer toda a discussão anterior antes de avançar sobre uma questão ou problema (status quaestionis).
Em 342 a.C. é convidado por Felipe da Macedônia para educar seu filho Alexandre (futuramente, o Grande). Seu aluno fará grandes contribuições ao Liceu.
Em 335 a.C. regressa a Atenas e funda o Liceu.
A obra de Aristóteles é a maior contribuição individual na formação cultural do mundo. Apenas suas obras esotéricas nos chegaram, basicamente anotações de aulas feitas por seus alunos. Principais títulos (nomeado por seus comentadores): A Política, Ética a Nicômaco, Física, Metafísica, Da Alma, Poética, Retórica, e Órganon.
Platão era fundamentalmente Dedutivo (do geral para o particular), ao passo que Aristóteles era Indutivo (do particular ao geral) – duas naturezas complementares. Aristóteles parte da minuciosa análise dos fatos concretos para alçar pensamentos mais abstratos.
A Introdução à Teoria dos Quatro Discursos foi desenvolvida por Olavo de Carvalho e publicada em 1996.
Aristóteles fala da Música em uma passagem na Política, fazendo distinção entre melodias e harmonias que (a) têm conteúdo moral, (b) estimulam a ação, e (c) suscitam o entusiasmo. A música não se pratica para alcançar um único objetivo, mas múltiplos, pois pode servir para a educação, facultar a catarse, repouso e elevação da alma, e supressão das fadigas.
A classificação da obra ficcional conforme a força de ação do herói (Teoria dos Modos) foi desenvolvida por Northrop Frye e apresentada em ensaio publicado na Anatomy of Criticism em 1957.
Spinoza (1632-1677) foi o protótipo do racionalista puro ao acreditar que poderia atingir as mais altas verdades operando apenas segundo suas próprias leis e independentemente de dados externos (da experiência só obter-se-ia conhecimentos incertos e acidentais). Seu oposto simétrico foi John Locke (1632-1704), apóstolo do empirismo radical, para quem o homem nasce como uma folha em branco na qual as sucessivas experiências vão construindo sua “razão”. Para Aristóteles, razão e experiência são funções interligadas e complementares.
Cícero sobre os topóis (locus em latim): “Assim como se torna fácil encontrar coisas escondidas quando se indica e assinala o lugar delas, assim também, quando queremos analisar um argumento qualquer, devemos conhecer os ‘lugares’ deles, pois é este o nome que Aristóteles dá àquela espécie de ‘esconderijos’ donde são extraídos os argumentos.”
Aristóteles é descobridor do silogismo e o fundador da lógica.
O silogismo, mesmo que perfeito, demanda a capacidade de identificar e agrupar as substâncias (e.g. que “mortal” é, neste caso, gênero, que “homem” é espécie e “Sócrates” indivíduo. E esta capacidade exige o princípio de identidade (“O que é, é; o que não é, não é.”) e de não-contradição (“O contrário do verdadeiro é falso.”) – atividades desempenhadas pelo nous (conhecimentos intuídos).
Discurso lógico trabalha com premissa maior, premissa menor e conclusão. O dialético com o embate de tese e antítese para chegar à síntese. E, finalmente, o retórico opera por etinema onde passamos da premissa maior para uma conclusão, ou seja, a premissa maior é um lugar-comum (crença, opinião, doxa), um topos, alguma coisa que todos afirmam opinativamente como válida – não há premissa menor.
O domínio e manipulação da narrativa pública visa a criação de topóis que serão eristicamente utilizados na persuasão e convencimento com fins políticos. Não há possibilidade de alcançar o bem comum onde a mídia e o sistema de ensino sejam corrompidos por alguma ideologia.