“When a man stops believing in God, he doesn't then believe in nothing, he believes anything.” – G. K. Chesterton
Grande argumentação apologética do cristianismo, onde o autor explica que toda a vez que tentou mudar para uma opção heterodoxa, acabou voltando à ortodoxia católica. E observou que quanto mais as novas filosofias tentavam explicar o mundo, mais percebemos que os antigos filósofos estavam certos. Sua tese central é como o catolicismo nos permite viver confortavelmente num mundo de mistérios insondáveis – a grande diferença do catolicismo é a manutenção dos mistérios – como o Sol que tudo ilumina mas que não podemos olhar diretamente. O catolicismo é uma combinação entre os mistérios e a bondade.
A perda da capacidade de vislumbrar os mistérios, de querer desconsiderá-los, é a grande perda intelectual do nosso tempo. A falsa crença de que entendemos tudo e de que não há mais mistérios é a demonstração da soberba que assola o mundo. É a rebelião da criatura, é uma afirmação de autoconfiança cujo extremo patológico é a húbris.
O homem foi concebido para duvidar de si mesmo, mas não duvidar da verdade, e isso foi exatamente invertido. A antiga humildade fazia o homem duvidar dos seus esforços, o que possivelmente o levava a trabalhar com mais afinco. Mas a nova falsa humildade o faz duvidar dos seus objetivos, e isso o fará parar de trabalhar.
O homem moderno esqueceu quem ele é, e olvidou o quão maravilhosa é a vida. Ao acreditar-se mais do que é, reduziu o mundo ao seu redor. O homem esqueceu-se de Deus quando deixou de admirar a normalidade.
A razão é enlouquecedora ao querer atravessar o mar infinito tornando-o finito – pretensão de querer controlar tudo. Já a poesia, a imaginação, flutua neste mar infinito. Louco é o sujeito que quer explicar tudo. A garantia da sanidade é a capacidade de por a cabeça nos céus – o louco quer colocar o mundo na sua própria cabeça. O homem precisa saber como viver sob sua tensão inerente. A razão deve estar subordinada aos mistérios.
A mente não tem autonomia confiável, acredita-se prometeica – a palavra mentira vem de mente (capaz de construir pensamentos lógicos totalmente equivocados). Acreditar que tudo é cognoscível é enlouquecedor. O problema central é abandonar o noûs e apostar tudo na epistême, afastando-nos da sophia – o noûs é que nos dá a intuição da verdade e não a razão. “O louco é um homem que perdeu tudo exceto a razão.”
Quando você escolhe uma opção você abandona uma série de alternativas. Dizem que é liberdade de escolha, porém há algo de escravidão na escolha – a escolha como forma de perda da liberdade. Querem explicar tudo eliminando aquilo que não entendem. Pretender conhecer tudo é tão nocivo quanto acreditar que não é possível conhecer nada, que tudo é relativo e que não existe verdade.
A objetividade pode levar a perda das proporções – como preocupar-se com a discussão na câmara dos vereadores diante do Armagedom (batalha entre Cristo e o anticristo)? A objetividade excessiva nos afasta do que realmente importa, dos grandes temas, dos grandes mistérios.
Há mais valor nos princípios compartidos pelos homens ordinários no que escrevem malucos como Nietsche. Os intelectuais seriam mais sujeito a loucura do que as pessoas ordinárias. Qualquer pai ou mãe sabe mais sobre o sexo das crianças do que insanos como Jean-Paul Sartre e Simone de Bouvoir que nem filhos tiveram.
A estrutura da realidade está nos contos de fadas e não no positivismo, evolucionismo e outras teorias reducionistas. Os contos de fadas ensinam a normalidade mantendo suas potencialidades, não reduzindo o mundo. Os contos de fadas entende que a natureza não tem regras, mas sim hábitos, estranhas repetições (ver as teses de Rupert Sheldrake). A grande discussão sobre a ciência é se podemos matematizar a natureza. A resposta é não. A matemática não faz parte da natureza, não está sujeita ao devir como a natureza.
A sanidade é colocar-nos no lugar de criatura, abrindo-nos para a estrutura da realidade admirando todos os seus mistérios. É preciso resgatar os mistérios: por que os pássaros nascem em ovos? Por que as árvores dão frutas? Por que o sol nasce todos os dias (será que nascerá amanhã – é preciso reaprender a exultar na monotonia/repetição, como as crianças)? A resposta é simples: mágica! Mas o homem esqueceu-se disto, esqueceu-se de quem ele é. O mundo do conto de fadas nos mostra como pessoas normais vivem num mundo fantástico, daí seu poder educador, pois vivemos num mundo de mistérios e assombro.
Esta percepção do mundo é muito frágil. Assim como a cultura ou a felicidade pode quebrar se não for tratada com carinho. E muitos a estão atacando. O homem pode destruir a normalidade e enlouquecer a ele e aos demais.
Olhar para o mundo como algo banal é perder a capacidade de conhecer. A água tem uma infinidade de significados e conotações simbólicas, mas o homem moderno só entende como H2O. Esquecemos Deus quando deixamos de admirar as maravilhas “normais” do mundo. O cientificismo nos engana dizendo que tudo é como sempre deve ter sido (apesar de a própria física quântica afirmar que há apenas probabilidades e não certezas – algo que Aristóteles já sabia).
Apenas o sobrenatural pode assumir uma visão sadia da natureza. A essência de todo o panteísmo, evolucionismo e religião cósmica moderna é considerar a natureza como nossa mãe. Mas ela tão somente nossa irmã. Para São Francisco de Assis a natureza é irmã, até mesmo uma irmã menor: uma irmãzinha que dança, de quem se ri e a quem se ama.
Você não escolhe em que mundo nascer. Não há opção. Você não pode ser otimista ou pessimista quanto a ele, mas sim ter um dever de lealdade para com ele.
Progresso é uma metáfora para um simples caminhar ao longo de uma estrada, significa que devemos sempre estar mudando o mundo para adaptá-lo a visão. Mas o fracasso e grande disparate do nosso tempo é considerar progresso a constante mudança da visão. A visão deveria ser a Nova Jerusalém, mas esta cada vez se afasta mais. Estamos alterando o ideal: é mais fácil. Temos que amar a antiguidade e nos revoltar com a novidade.
O homem não veio ao mundo para ter “qualidade de vida”, isto é uma circunstância. Esta é uma ideia sub-humana, rebaixa o homem ao nível animal. Mas num mundo onde predominam os valores da quarta casta este se torna o principal objetivo humano. Saúde deve ser desfrutada e não adorada. Devemos amar o mundo sem ser mundano – sem deixar-se seduzir pelas coisas do mundo.
Não somos deste mundo, mas estamos neste mundo – o catolicismo é o oposto do panteísmo. O otimismo cristão baseia-se no fato de não nos encaixarmos no mudo. A ortodoxia não é apenas a única salvaguarda da moralidade e da ordem, mas também o único guardião lógico da liberdade, da inovação e do avanço.
Notas
G. K. Chesterton (1874-1936), jornalista, biógrafo e polemista inglês, publicou Ortodoxia em 1909. Também escreveu poemas e romances.
Escreveu Ortodoxia como respostas aos críticos do seu livro Heréticos, que lhe cobravam uma alternativa as cosmovisões que atacava. São seus títulos mais importantes numa obra de uma centena de livros.
Travou grandes debates com intelectuais do entorno ateísta no qual vivia.
Chesterton é um escritor de grande ironia. Ortodoxia está repleto de ironias.
A palavra ortodoxia aqui deve ser entendida como o Credo dos Apóstolos.
Segundo São Agostinho, maior artífice da doutrina católica, as coisas são criadas de três formas: (a) geração, e.g. pais geram filhos; (b) transformação, e.g. barro transformado em pote; e (c) criação do nada (ex nihilo), como Deus criou o mundo.
O tempo é apenas uma construção humana, para Deus não há tempo – tudo acontece agora. Para Agostinho existe (a) presente/passado – uma lembrança; (b) presente/presente – uma intuição; e (c) presente/futuro – uma expectativa. “Tempo é aquilo que eu sei o que é apenas quando não penso nele”.
As religiosidades protestantes abandonaram os mistérios, transformando a religião católica num “balcão de trocas”. Um empobrecimento absoluto.
Conceito de ciclos cósmicos é como uma ampulheta. O Ato de criação gera Potências que se esgotam, até um novo Ato.
Símbolo = “pegar tudo junto” – a capacidade de conhecer demanda a captação de todos os sentidos. E pode haver símbolos conflitantes, e.g. a serpente pode ser negativa e positiva.
Hebert Spencer quer trocar a caridade por altruísmo, mas o altruísmo não existe pois fazer o bem ao outro faz um bem imenso a si mesmo (assim como não podemos fazer mal aos outros sem nos prejudicarmos). Richard Dawkins cria a ridícula teoria de que o altruísmo da mãe para com o filho se dá em função dos genes (dela) que este carrega. Assim o altruísmo diminuiria conforme os laços familiares diminuem.
Solidariedade é outro termo que tentam nos impor no lugar da caridade cristã – mas basta lembrar que existe muita solidariedade dentro da máfia.
Para o crítico inglês Matthew Arnold (1822-1888) a função do crítico de arte é a de educar o leitor.
Gustavo Corção foi o Chesterton brasileiro.
O símbolo oriental Ouroboros (serpente que se autodevora) representa o eterno retorno – uma nulidade para Chesterton. O círculo é o símbolo da razão e da loucura. Perfeito e infinito na sua natureza, porém fechado e limitado. O círculo é centrípeto, diferente da cruz centrífuga. A cruz pode estender seus braços infinitamente sem perder a forma. Por ser um paradoxo no seu centro, pode crescer sem mudar.
Para Sócrates honestidade é não afirmar aquilo que não sabe e não negar aquilo que sabe.
Chesterton: “Em resumo, a fé democrática é esta: as coisas mais tremendamente importantes devem ser deixadas para os próprios homens ordinários – a união dos sexos, a criação dos filhos, as leis do estado. Isso é democracia.”
Cinderela nos ensina que os humildes receberão a glória.
A Bela e a Fera nos dizem que uma criatura precisa ser amada antes de ser amável.
A Bela Adormecida ensina como escolher o marido, o sono simboliza a espera. E também que a criatura humana nasce abençoada por muitos dons mas amaldiçoada com a morte (que pode ser suavizada em sono).