Personagens Principais Harry Heller – protagonista, recluso homem de meia idade Hermine – jovem hedonista e cortesã
Personagens Secundárias Marias – amante de Harry Pablo – músico voltado aos prazeres Editor – sobrinho da senhoria de Harry
Interpretação O livro nos apresenta uma crise na vida tensional do ser humano entre os polos apolínio e dionisíaco. Harry Heller se via dividido entre o Homem e o Lobo dentro de si, com o primeiro em busca de ordem e perfeição formal inspiradas em Apolo, e o segundo apresentando a ideia de desregramento, volúpia sem limites e seguimento apenas dos desejos preconizado por Dionísio.
Este é mesmo tema abordado por Thomas Mann em Morte em Veneza (1912). Mas diferentemente do fim trágico de Gustav von Aschenbach (herói de Morte em Veneza) e apesar do clima pesado de O Lobo da Estepe, gosto de pensar que a mensagem final deste último deixa uma atmosfera de otimismo. Harry Heller teria aprendido a conviver melhor com a sua natureza tensional, encontrando equilíbrio na prática da vida racional e satisfação dos desejos legítimos (sancionados pelos céus e relacionados à vida viável) dentro das realidades que a vida impõe sobre o homem. Pois a vida totalmente apolínia não é possível, ela acaba esgarçando e pode uma hora arrebentar com violência e de forma desastrosa, como em Morte em Veneza.
Mas esta legitimidade dos desejos no equilíbrio proposto no livro pode ser questionada. Tanto que o maléfico movimento de contracultura dos anos sessenta vai adotar Hermann Hesse como um de seus arautos e ver no Lobo da Estepe uma apologia ao sexo livre (eufemismo para devassidão) e consumo de drogas. As posições pacifistas e esquerdistas de Harry também não atraem simpatia para o herói. Porém nada na vida do autor aponta para tais condutas, particulares ou políticas.
Vale notar que muito dos pontos direta ou indiretamente debatidos no livro são frutos de sua época. E vários elementos do pensamento alemão daquele conturbado período, também evidenciados em Os Sonâmbulos de Hermann Broch, estão aqui presentes: (a) intransigência com a vida “burguesa”, i.e. questionamento dos valores tradicionais vigentes, (b) a vida como um espetáculo na busca de uma existência titânica e superior aos demais, e (c) a salvação no simbolismo de vida e morte onde o importante é a ação.
Os extremos experimentados nas alucinações de Harry podem ser resultado do seu profundo contato com a psicologia de Jung. Parece evidente que Harry representa o ego, a parte racional e consciente do indivíduo, e Hermine a anima, personificação das tendências femininas na psique do homem que estabelece a relação com seu inconsciente. Não pode ser coincidência que, em alemão, Hermine é o correspondente feminino do nome Harry. Segundo a psicologia junguiana um aspecto positivo da anima é servir como uma espécie de guia ou mediador entre o mundo interior e o self (a totalidade absoluta e núcleo da psique). E é exatamente este o papel que Hermine desempenha para Harry, fazendo com que ele assimile aspectos da personalidade que o ego não reconhece, chamados de sombras, e representados por Pablo e Maria, visando uma maior integração entre seus aspectos inconscientes e conscientes, curando-o de sua enfermidade anímica. O ápice do processo acontece nas várias cenas vividas no teatro onde os diferentes aspectos da sua vida integram-se para uma melhor unidade de Harry.
Assim os excessos praticados pelo herói em seu processo de autoconhecimento não são explícitos (não passam de fantasias), mas sim um enfretamento mental com as sombras para domá-las, transformando a interpretação adotada pela geração dos anos sessenta em apenas um equívoco forçado.
Pessoalmente prefiro entender o roteiro junguiano apresentado por Hesse como uma alegoria do amadurecimento do individuo ajustando o domínio de sua alma racional sobre a sensitiva, abrindo espaços para desejos legítimos antes reprimidos pelo protagonista.
Notas
Hermann Hesse (1877-1962) nasceu em Calw, Alemanha.
Rebelde, desde jovem mostrou-se contrário às instituições e a autoridade. Era um crítico do mundo moderno, mas o foi de forma compassiva, e não destrutiva como comumente observamos na rebeldia.
Hesse buscava um sincretismo simbólico entre o ocidente e o oriente, promovendo a filosofia de vida deste último. Suas obras sempre falam da peregrinação do individuo em sua própria alma. E se Demian (1919), Siddharta (1922) e O Lobo da Estepe dialogam bem com os jovens, a obra O Jogo das Contas de Vidro dialoga com o homem adulto. É o livro da maturidade de Hesse (publicado em 1943), onde ele se reconciliará com o Cristianismo. Esta obra encerrou sua vida literária: a morte de Servo (personagem principal de O Jogo das Contas de Vidro) foi a morte literária de Hesse.
O Lobo da Estepe foi publicado em 1927 e apresenta aspectos da vida pessoal do autor. O antagonismo aos nacionalistas, o conflito com outros intelectuais, a separação da esposa esquizofrênica, a idade (50 anos) e o suicídio foram temas comuns entre o personagem Harry Heller e o autor. Não por acaso as iniciais de ambos coincidem. Para a interpretação desta obra é também importante ter em conta que Hesse, em um momento de crise, tratou-se com a psicologia de Jung, a quem chegou a conhecer pessoalmente.
Jung identificava uma série de arquétipos que os seres humanos teriam em comum entre si. Mas erra ao definir sua origem na vida animal, perdendo o contato com o divino.