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O Idiota de Fiódor Dostoiévski


Personagens Principais Liev Nikoláievitch Míchkin – príncipe epilético de 26 anos Parfen Semeónitch Rogójin – jovem herdeiro impetuoso, sem escrúpulos, 27 anos Nastácia Filíppovna Barachkova – moça nobre de pai falido. 25 anos, “protegida” por Totski Gavrila (Gánia) Ívolguin – filho de Ardalion e Nina, 27 anos, secretário de Totski Aglaia Iepántchina – filha de Ivan e Ielisavieta, muito bonita, 20 anos Lúkia Timofêievitch Liédediev – pequeno oficial, 40 anos Afanássi Ivánovitch Totski – “protetor” de Nastácia, rico, 55 anos

Personagens Secundárias Nikolai Andrêievitch Pavlischov – amigo do pai de Míchkin e benfeitor deste Ielisavieta (lisavieta) Iepántchina – generala da estirpe “Míchkin”, 56 anos Ivan Prokófievna Iepántchina – general reformado, 56 anos, bem de vida Alieksandra e Adelaida Iepántchina – filhas de Ivan e Ielisavieta, irmãs de Aglaia Dária Alieksêievna – amiga de Nastácia Semeon Semeónitch (Sienka) Rogójin – irmão mais velho de Parfen, viúvo Hippolit – jovem tuberculoso, 18 anos Zaliójev – amigo de Parfen Príncipe Sch. – engenheiro, 35 anos, interessado em Adelaida Ievguiêni Pávlovitch Radomski – ex-oficial rico, interessado em Aglaia, 28 anos

Interpretação "O homem é grande, demasiadamente grande, eu o encolherei.” – Fiódor Dostoiévski

Míchkin é extremamente generoso, ingênuo (e.g. sem experiência sexual) e fisicamente débil (epilepsia), evocando a figura de Dom Quixote – personagem boa, nobre e, sincronicamente, ridícula. Como Quixote, Míchkin está correto em relação ao Céu, mas errado em relação à Terra. Ele não tem ideia da vida concreta e prática (sai distribuindo sua herança – incapaz de viver no mundo porque representa o componente espiritual puro) e vem da Suíça (alto da montanha – do céu) entrando na narrativa como um deus ex machina.

Juntamente com Míchkin surge Rogójin. Ambos têm a mesma idade, uma herança a receber e disputarão a mesma mulher. Porém o segundo estava escondido e enfermo (inferno) e parece em tudo mais o oposto do príncipe: depravado, violento e maligno. Roubou o pai por desejos por uma mulher – escravo dos desejos enquanto Míchkin tem total controle sobre os seus.

Os dois representam os polos internos da alma humana – representam uma só pessoa (terminam abraçados) em sua potência celestial (desejos legítimos – Míchkin) e material (desejos ilegítimos – Rógojin). A condição humana se compõe desta tensão existencial.

Rógojin mata Anastácia por não suportar que a caridade vença o desejo – rebelião do desejo contra a ligação espiritual, do ilegítimo contra o legítimo. A incapacidade de aceitar o poder do espírito sobre a nossa vida é a destruição da possibilidade da própria existência humana.

No final, Míchkin volta para a Suiça (céu) e Rógojin é sentenciado para a Sibéria (inferno). Não houve o casamento entre o Céu e a Terra (Urano e Gaia), e quando a terra vence o céu temos o empobrecimento existencial humano. Não há salvação sem a legitimidade do desejo. Dostoiévski acredita que só a mortificação da carne (ir para a Sibéria) vai produzir a possibilidade do desejo terrestre legitimo – saindo do mundo do prazer e indo para o mundo da dor é que você consegue perceber qual é o desejo terrestre legitimo

Gánia (pobreza), Anastácia (rebaixada a amante) e Aglaia (sente-se desprezada pelo homem que quer) têm em comum o fato de terem seu orgulho ferido – são os humilhados e ofendidos de Dostoiévski que passam a vida sendo humilhados por si próprios – eles não tem a capacidade de ser humilde (ausência de húbris) como Míchkin. Aquele que passa por uma situação potencialmente humilhante tem (1) a opção de olhar a situação desde o alto (como Míshkin) ou (2) ofender-se e buscar uma compensação. Machado de Assis e Lima Barreto, cujos antecessores estiveram na humilhante situação de escravos, fizeram a primeira opção e foram os maiores escritores do Brasil. Míshkin encara a maldade com nobreza ao passo que os outros a enfrentam buscando revanche – quem passa a vida sem reclamar dos próprios problemas é capaz de ver algo muito maior que ele próprio, enquanto os ofendidos serão os potenciais revolucionários de esquerda (escravos da húbris).


 

Notas

  • Fiódor Dostoiévski (1821-1881) nasceu em Moscou, Rússia. Estreia literariamente em 1846 com Gente Pobre e O Duplo.

  • Principais obras: Crime e Castigo (1866), O Idiota (1868), Os Demônios (1871), Irmãos Karamazov (1878) e Memórias do Subsolo (1864). Outras boas obras de Dostoiévski não incluídas nas Expedições Pelo Mundo da Cultura: Humilhados e Ofendidos (1861) e Recordação da Casa dos Mortos (1855).

  • Memórias do Subsolo é o único livro do autor com conotações filosóficas. A personagem principal é figura típica do autor e chave para interpretação geral da sua obra.

  • Joseph Frank é o maior biógrafo de Dostoiévski (obra em cinco volumes – editados pela EDUSP no Brasil). O Diário de um Escritor, do autor, também é boa fonte para entendê-lo.

  • Segundo Otto Maria Carpeaux “existem poucos escritores cuja obra tenha sido tão tenazmente mal compreendida como a de Dostoiévski”.

  • Dostoiévski escreveu uma grande interpretação da psicologia humana, associando-a aos movimentos políticos da época e profetizando a evolução do mundo moderno.

  • Segundo sua correspondência Dostoiévski procurava representar um homem de natureza bela no príncipe Míchkin. O fato de ele ser também um idiota apenas demonstra a habilidade de Dostoiévski em construir personagens profundas e ricas – em nada rasas ou panfletárias.

  • Míchkin enxerga a alma das pessoas – interpretou a alma de suas primas no primeiro encontro.

  • Em seus ataques epiléticos Míchkin parece ter uma visão da estrutura do universo. A epilepsia simbolizaria uma marca do céu - para ver um pedaço do céu é preciso perder um pedaço da terra, uma compensação da terra por aquilo que ele obtém do céu.

  • Rógojin é um duplo de Míchkin (doppelgänger). Dostoiévski e, principalmente, Kafka fazem muito uso da figura do duplo em sua obra.

  • A maldade de Rógojin é matéria para recuperação – ele apresenta o potencial de ser bom.

  • O projeto cristão é a destruição da vaidade humana – da húbris.

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