“Colocado entre ambos (deuses e mortais), ele (Eros) preenche este intervalo, permitindo que o Todo se ligue a si mesmo.” – Diotima ensina a Sócrates a natureza de Eros (202e)
Personagens Principais Sócrates – filósofo Aristófanes – eminente poeta cômico Agatão – jovem poeta trágico, recém premiando em concurso Fedro – jovem aristocrata Pausânias – sofista, pederasta Erixímaco – médico Alcibíades – general, eminente político
Personagens Secundárias Diotina – sacerdotisa (não presente, referida por Sócrates) Apolodoro, Companheiro de Apolodoro, Glauco e Aristodemo
Reunidos na casa de Agastão para celebrar sua vitória no festival de Leneana (416 a.C.) os convidados selecionam como tema de discussão Eros ou o Amor, devendo os convidados discursar em favor do deus.
Cinco discursos se sucedem antes de Sócrates: (1) Fedro, discurso retórico e mítico – relaciona o amor a beleza; (2) Pausânias, discurso sofístico – como Fedro faz proselitismo da pederastia para justificar sua própria imoralidade; (3) Erixímaco, discurso filosófico, porém precário – introduz o conceito de que tudo vem em opostos que será utilizado por Sócrates em seu discurso; (4) Aristófanes, discurso cômico – introduz o sentido de reunião rumo à unidade que Sócrates também utilizará, porém o discurso traz conotação ideológica por defender uma posição de poder; e, finalmente, (5) Agatão, discurso poético – Eros é um deus amante das coisas Belas.
Estes discursos funcionam como socalcos para Sócrates que inicia sua fala lembrando que é filósofo e não retórico, e questiona seus antecessores por falarem apena do ente (Eros) e não da coisa (Amor). O elóquio refere-se aos ensinamentos que Sócrates teria recebido de sua mentora nas questões do Amor, Diotima de Mantineia (sacerdotisa em honra a Zeus).
Após narrar a origem de Eros (ver notas), Diotima afirma que ele seria um daimon, um ser intermediário entre a ignorância e o conhecimento, entre o mundo sensível e o mundo divino, agindo como interprete entre os homens e os deuses. Platão faz aqui um paralelo com o filósofo que ajuda aos homens ignorantes (que acreditam tudo saber) a aproximarem-se dos deuses (estão na posse de toda sabedoria) – filósofo na posição intermediária entre a ignorância e a sabedoria. E alude a diferença entre o Mundo Sensível (das cópias imperfeitas) e o Mundo das Ideias (das formas primárias perfeitas) – constituindo a primeira navegação, seguida nos ensinamentos esotéricos da segunda navegação que levaria ao Mundo dos Princípios (ler Para Uma Nova Interpretação de Platão de Giovanni Reale).
De sua posição entre a tensão dos extremos, combinando o desejo daquilo que não se tem (mãe Pobreza) com a capacidade de conquista-lo (pai Expediente), Eros dá estabilidade existencial para o ser, propiciando a possibilidade da união das separações, da síntese que eleva o homem na busca do eterno.
Na ética platônica o homem nunca pode desejar aquilo que não considerar seu bem. Eros (ou o filósofo) ajuda a dirigir a vontade humana em direção ao Belo, que para os gregos não é apenas um raio de luz isolado que incide sobre algum ponto do mundo sensível e o transfigura, mas sim a aspiração ao Bom e ao Perfeito que tudo governa – Belo e Bom eram praticamente sinônimo para os gregos.
O conceito de Eros platônico torna-se assim a suma e compêndio da aspiração humana ao Bem – concebido como amor pelo Bem, Eros é o impulso para a verdadeira realização essencial da vida humana, modelando dentro do homem o verdadeiro Homem – seu impulso inato que o leva à expansão do seu mais elevado Eu.
Impulso à escalada na busca da Beleza-Bem partindo da beleza mais material até alcançar patamares espirituais mais elevados – como uma escada de cinco degraus que o homem avança da materialidade a espiritualidade (hierarquia do Amor):
1) Eros como o encontro de belos corpos (atração física pela beleza do outro) 2) como amor a Beleza em geral (a Beleza reconhecida per si) 3) como amor a beleza da alma (apreço pela Beleza espiritual do outro) 4) como amor ao conhecimento (busca da Beleza das ciências e do conhecimento) 5) e, finalmente, amor ao Belo (de onde nascem todos os belos – Mundo da Ideas)
Platão lança uma audaciosa ponte sobre o abismo que separa o apolíneo do dionisíaco. Sem o impulso das forças irracionais do homem, jamais será possível atingir a transfiguração espiritual suprema na contemplação da Ideia do Belo – a união do Eros e Paidéia como ideia central de O Banquete.
O homem busca a imortalidade no impulso físico da conservação da própria espécie (filhos), e Platão quer que o homem também a busque em sua natureza espiritual alcançando a Glória – seja nos grandes feitos, seja na plena realização de sua areté. O amor humano deve refletir a estrutura da realidade – desejo do bom eterno, busca da imortalidade. O Banquete é um libelo contra o amor carnal (amor platônico é desvinculado do sexo / amor sem corporeidade), pois o objetivo do Amor é o conhecimento transcendental.
Só é digna de se viver uma vida que decorra na constante contemplação desta Beleza-Bem eterna. Nada poderia ser mais cristão. O paganismo platônico se transfaz em cristianismo com o simples imaginar que o Mundo das Ideias está na mente de Deus.
Notas
Platão (427-348 a.C.) nasceu em Atenas ou Egina.
Filho de Ariston, descendente do rei Codro, e Perictíone, e de um irmão de Sólon do lado materno. Ainda na juventude, recebe o apelido de Platão (“largo”) por razões incertas, mas provavelmente ligadas ao seu tipo físico. Seu nome era Arístocles.
Aos 19 anos torna-se discípulo de Sócrates. Sua obra escrita nos chegou aparentemente completa (26 diálogos são considerados legítimos).
Segundo o matemático e filósofo Alfred North Whitehead (1861-1947), “A mais segura caracterização da tradição filosófica europeia é que esta se constitui de uma série de notas de rodapé a Platão.”
O Banquete é consensualmente legítimo, do período mediano – fase de ascensão de Platão. É o mais literário dos diálogos platônicos. O evento ocorrido em 416 a,C. é narrado em retrospectiva um ano antes da morte de Sócrates.
A leitura de O Banquete é particularmente importante dada a destruição do conceito de Amor nos nossos dias. O niilismo reduziu o amor a um embate de poder entre os seres, onde ser amado por alguém seria uma conquista de poder sobre esta pessoa. Onde o sexo acaba assumindo o papel de alívio das angústias, mas que no fim apenas as exacerba. Pois o angustiante vazio existencial não será preenchido com sexo. Sexo como substituto do amor, reduzido ao seu aspecto físico, é decadência e impossibilidade da escalada platônica.
Era procedimento natural nestes eventos a seleção de um tema sobre o qual os convidados discursavam. Os gregos já tiravam ao piso o começo da bebida dedicando-o aos deuses (como hoje alguns o dedicam ao santo).
Há dois Eros: (1) o de Hesíodo (mais antigo) – reflete o amor primitivo, sem o qual nada acontece (seria como o amor de Deus para criar o mundo). Ele é abstrato, sem materialidade, seria o desejo de existência – a força criadora no conceito judaico-cristão – vontade/desejo de coesão dentro do caos; e (2) o segundo Eros tem conotação erótica, é sobre este Eros que os convidados concordam em discursar.
Na divertida história de Aristófanes havia antes homens, mulheres e andróginos. Todos foram divididos em dois. Os que eram homens ou mulheres hoje buscam o mesmo sexo e os andróginos buscam o sexo oposto.
Beleza apolínea (remete a Apolo) – beleza máscula. Já a Adônis remete a beleza de traços femininos.
O homem só é livre quando vence a si mesmo, vence suas paixões e seus vícios. Este homem nunca será escravo de seus desejos, escravo das opinião dos outros, escravo de ninguém.
A Opinião (doxa) encontra-se entre o Conhecimento (episteme) e a Ignorância.
Militante = desonesto intelectual, pega um acidente (aristotélico) e extrapola para o todo, uma simplificação equivocada e proposital para defender uma posição política. Exemplo: uranismo – homens (ou mulheres) na privação em cárcere tendem às relações homossexuais. Mas isso não é uma situação normal. Conjunto de circunstâncias na qual o fenômeno é distorcido. A prisão é acidente e não essência na questão.
Para Sócrates filosofia é olhar e ver o que é – descobrir o que a coisa é.
Eros é filho de Expediente/Providência com Pobreza/Desejo (concebido no dia do nascimento de Afrodite/Beleza). Ele é miserável, mas astuto para conseguir aquilo que não tem. (definição de Diotima).
A entrada de Alcibíades ao final apenas demonstra que Sócrates praticava o que dizia.
Julius Evola em A Metafísica do Sexo argumenta que o sexo é um ato de recuperação da unidade perdida – não relacionado com reprodução ou prazer – ele não admite o homossexualismo.
A Sabedoria das Leis Eternas de Mário Ferreira dos Santos é grande referência ao mundo dos princípios platônico.
Definições de Amor nos diferentes discursos durante o banquete: