“Se não existisse nada de eterno, também não poderia existir o devir.” – Aristóteles (999b 5-6)
“Se além das coisas sensíveis não existisse nada, nem sequer haveria um princípio, nem ordem, nem geração, nem movimentos dos céus, mas deveria haver um princípio do princípio...” – Aristóteles (1075b 24-26)
Aristóteles parte do axioma de que todos os seres humanos desejam naturalmente o conhecimento. O conhecimento teórico, conhecer a causa das coisas, é superior ao conhecimento prático, baseado na experiência (ciência-epistême-sophia superior à arte-téchne) – o universal é superior ao particular (sem demérito deste último). Hierarquia do conhecimento humano: sensitivo >>> prático-phrônesis >>> poiético-artesão-téchne >>> teórico-filósofo-sophia – o ápice da sabedoria (sophia – sapiência) é o conhecimento dos princípios e das causas (esta hierarquia reflete-se nas quatro castas humanas). Sensações e o saber por indução, sem compreensão das causas, é um conhecimento muito precário.
As ciências para Aristóteles são três (classificação das ciências – diferenças entre as ciências teóricas – Livro VI):
(1) Teoréticas: tratam o saber pelo saber, i.e. metafísica, matemática e física (para Aristóteles – atualmente toda filosofia e ciências). Não exige uma aplicação. (2) Práticas: aquelas que têm início e fim no próprio sujeito que age (e.g. ações morais). Ações que organizam o comportamento humano na sociedade (ações pessoais e políticas) (3) Poiéticas: ações produtivas externas ao indivíduo que produz (e.g. médico, poeta, carpinteiro).
Aristóteles não considera Lógica ou Retórica como ciência, mas sim instrumentos (copiladas no Órganon).
Objetivo final de cada ciência:
Teorética >>> Verdade Prática >>> Bem – Bom Poética >>> Belo
Belo, Bom e Verdadeiro são todos objetivos finais desejáveis, daí os gregos antigos os considerem como sendo a mesma coisa.
Entre as ciências teoréticas há as seguintes diferenças:
Metafísica: estudo das coisas que existem separadamente e que não têm materialidade (não faz parte da natureza). É a mais importante, pois lida com as coisas eternas. Matemática: estudo daquilo que é imóvel (não faz parte da natureza) – 2 + 2 = 4 sempre, inclusive para Deus. Física: estudo das coisas que existem separadamente, sujeitas a geração e corrupção (tem movimento – modificam-se).
É impossível aprender o método e a ciência ao mesmo tempo – os quatro discursos aristotélicos (poético – retórico – dialético – analítico (lógico), correspondendo aos diferentes graus de verossimilhança do que é dito, é uma adequação do discurso a diferentes forma mentis dos possíveis ouvintes.
A precisão matemática não deve ser exigida em tudo, mas apenas nas coisas que não contém matéria – a física quântica confirmou esta informação mais de vinte séculos depois (a natureza contém incerteza). Francis Bacon (1561-1626) e Galileu Galilei (1564-1642) vieram com o experimento matematizado (guardar o experimento em uma fórmula matemática), mas estavam equivocados. Félix Ravaisson (1813-1900) e Rupert Sheldrake (1942- ) alinham-se a Aristóteles ao afirmarem que a natureza não tem leis, mas apenas hábitos – só Deus sabe como este mundo acaba.
A investigação visando o conhecimento demanda o prévio levantamento dos problemas que se quer resolver, os nós que nos amarram naquela questão, começando pelo estudo daqueles que já encararam o problema (status quaestionis).
Nenhuma pessoa pode apreender toda a verdade, pois a própria realidade não se mostra em sua plenitude simultaneamente. Mas também não é possível que algo exista sem se fazer conhecer (mesmo que incapaz de mostrar todos seus aspectos simultaneamente) – tensão ontológica. Alguns homens têm dificuldade de ver o óbvio – como o morcego diante da luz ou o homem no mito da caverna – daí a importância do filósofo. O exercício do status quaestionis (doxografia), na busca do conhecimento, enriquece-se até de equívocos passados.
O termo metafísica não é aristotélico, sendo criado pelos peripatéticos na altura da edição da obra do mestre empreendida por Andronico de Rodes (século I a.C.). Foi atribuída em contraste com a Física. Aristóteles designava o tema como “filosofia primeira” ou “teologia”.
Para Aristóteles o ofício da metafísica compreende quatro passos harmônicos e encadeados entre si (conceitos de metafísica de Aristóteles):
(1) Indagar as causas (fundamentos – doutrina das causas) e os princípios primeiros da coisa – o que fundamenta as coisas. Não basta saber algo apenas como intuição, pois intuição não é conhecimento, intuição não é passível de ser ensinada.
(2) Indagar o que é o ser enquanto ser, o que é ser em si. Conhecer a essência da coisa, não apenas seus acidentes.
(3) Indagar sobre a substância (ousia), conhecer o que ela é, se existe no modo sensível, se também existe no modo suprassensível.
(4) Indagar sobre Deus e as substâncias suprassensíveis (poderia haver substância sensível sem haver as suprassensíveis?). Questão nuclear da Metafísica.
O conhecimento das primeiras causas (metafísica): são as mais básicas e precisas, condição para que as outras coisas possam existir, tratam dos bens gerais e não particulares (o genérico é mais preciso do que o específico). Filosofia é a investigação das primeiras causas – metafísica é a pesquisa das causas primeiras, caminho para conhecer o bem (telos) supremo no conjunto da natureza. O conhecimento da causa primeira é condição para reivindicarmos conhecer cada coisa particular. “Consequentemente, ainda que todas as demais ciências sejam mais necessárias do que esta ciência (metafísica), nenhuma é melhor que ela.” A Física – a natureza – é móvel, sujeita ao devir, logo imprevisível, somente o conhecimento metafísico, daquilo que não está na natureza, é seguro – esta posição aproxima Aristóteles de Platão.
A metafísica é a busca das causas primeiras, e causa é tudo que concorre para a existência de algo, tudo tem quatro causas próximas (doutrina das causas – também estudadas na Física):
Causa Formal (Causa Formalis – forma ou essência-eidos): O que faz? Que transformação sofre? Exemplo: uma xícara , um movimento
Causa Material (Causa Materialis – matéria, substrato): Do que é? Exemplo: argila
Causa Eficiente (Causa Efficiens – motor, causa motora): Quem fez? Exemplo: o artista
Causa Final (Causa Finalis – telos): Para que faz? Qual é o bem-telos da coisa? Exemplo: beber chá
Formal e Material são causas do ser estático, e Eficiente e Forma causas do ser dinâmico. As causas formal e material são intrínsecas à coisa da qual são causa, enquanto a eficiente e final são externas. Também são externos (a) os movimentos do sol e dos céus (causas motoras e eficientes universais), assim como (b) Deus ou Movente Imóvel (causa eficiente-final).
Não podemos conhecer a verdade independentemente da causa – a verdade das coisas é a sua causa (principal ensinamento do livro).
Os pré-socráticos tentaram definir a origem da natureza apontando os quatro elementos (cientificamente equivocado, simbolicamente correto), causas materiais – porém não apontavam nenhuma causa eficiente. O objetivo (telos) final da vida-mundo é o bem e a natureza provoca toda sorte de desastres e morte, logo a natureza não é o objetivo final. Os pré-socráticos (físicos) só apontavam as causas material e formal, não consideraram as causas eficiente e final (transcendentes) – estas causas estariam na mente de Deus (neste sentido os pré-socráticos eram panteístas – entendiam que a causa do mundo estava no próprio mundo).
Aristóteles considera três modos como algo provém de outra coisa:
Evolução de algo anterior, pode ser por inspiração ou referência, e.g. os Jogos Olímpicos provem dos Jogos Ístmicos, automóvel provem da carroça. Não há mudança de natureza, um não se transforma no outro – a referência pode ou não desaparecer.
Transformação de um estado menos realizado para um mais realizado, e.g. criança transforma-se em adulto. A mesma entidade transforma-se, processo irreversível. Os temos intermediários tem que atingir um final.
Passagem de um elemento em outro elemento, e.g. ar e água. Um vira o outro, um desaparece para o outro surgir – a corrupção de um é a geração do outro.
As “causas” são do tipo transformação, precisam ter um fim, a possibilidade de identificar a causa final de sua existência – a causa final de todas as coisas é o Bem (bom – belo – verdadeiro). As séries causais não podem ser infinitas. O infinito não existe no mundo sensível, sendo no máximo indefinido (e.g. número de grãos de areia no mundo).
Aristóteles também define a metafísica como a doutrina “do ser” – “do ser enquanto ser” (ontologia). Discordando de eleatas (“o ser é único”) e platônicos (“o ser é uma realidade transcendente”), ele define o ser como um múltiplo encabeçado estruturalmente pela substância – a substância é a unificadora dos diferentes significados do ser. Logo, a pesquisa ontológica configura-se, em primeiro lugar, como estudo da substância ou ousia (usiologia), fundamento de todos os outros seres. Se houvesse apenas coisas sensíveis a metafísica, como tal, não subsistiria, pois se reduziria a mera física. Portanto a essência de uma ontologia e seu estudo só é possível na medida em se abre em sentido teológico.
O número de modalidades dos significados do ser são quatro (modalidades do ser):
Acidente: é o que acontece com a coisa, não pertence a sua essência. Situação casual, afecção fortuita. Pode ser próprio da coisa, porém não necessariamente (e.g. carro ‘branco’) ou necessário-propriedade (e.g. os ângulos de um triângulo equivalem a dois retos). Os acidentes podem ser vários, mas nenhum altera sua essência. Secundário, quase um não-ser. Porém o acidente per si não é acidente.
Verdadeiro: coincide com aquilo que de fato é. É uma modalidade mental, pois verdade e falsidade não estão presentes nas coisas, apenas no discurso humano (abstração mental). Resultado da confrontação entre o discurso (debate da predicação de um substantivo) e o fato. Avaliação formal sobre o discurso confrontado com o fato. Para isso é preciso partir do reconhecimento da objetividade do mundo concreto (A é igual a A) – este conceito está em Da Interpretação (Órganon).
Categoria: ser como categoria, independente dos seus acidentes. Coisas (predicados) sobre as quais podemos nos referir a outras coisas (substâncias). A categoria em si não é um acidente, e.g. o homem tem que estar em uma posição (ele tem que ter qualidade) – substância não pode existir fora da categoria. A categoria faz parte da substância – a substância é a primeira categoria (substantivo). Só se é em função das categorias – aquilo que se pode dizer da substância. Ver categorias de Aristóteles (praedicamenta) em Categorias (parte do Órganon).
Ato e Potência: As coisas existem em ato e potência. Só pode existir em ato aquilo que antes existiu como potência, porém a anterioridade ontológica é superior à cronológica. Algo é anterior ao outro nos seguintes sentidos: (a) pela noção, só sabemos se algo é potencia quando sabemos o ato ao qual ele tende, e.g. só sei o que é um girino quando conheço um sapo; (b) pelo tempo, preciso ter o ato para criar a potência, e.g. só o homem pode gerar a criança (sendo que a criança é o homem em potência); (c) pela substância, o ato (forma) é regra, princípio e condição da potência (matéria), a matéria (potência) precisa subordinar-se a forma (ato) para transformar-se; e (d) o ato pode existir sozinho nos seres eternos, Deus só é ato, não tem potência (se tivessem potência não seriam eternos, pois ter a potência de algo implica ter também a do seu contrário, e alguém teria que ter-lhes dado aquela potência). (Conceito de Ato e Potência – capítulo 8 – livro IX – tema também tratado na Física).
A potência é matéria e o ato é forma. O ato subordina a potência assim como a forma subordina a matéria. O ato é ativo e a potência é passiva (mesmo conceito de atividade e passividade que Purusha e Prakriti do hinduísmo, e de Yin e Yang chinês) como pares complementares (onde sempre haverá um ativo e outro passivo, que sob certos aspectos podem inverter suas posições).
E os significados do não-ser são três:
(1) não-ser como falso,; (2) não-ser segundo as diferentes figuras das categorias; (3) não-ser como potência (i.e. não-ser-em-ato).
O ser de verdade só o é como substância – ter uma existência individual. Ousia corresponde ao sínolo (hilê + eidos – ver quadro das Características Definidoras da Substância). A substância é debilmente a matéria (hilê), plenamente o sínolo, e por excelência a forma (eidos) – crescente da matéria para nenhuma matéria.
Características definidoras da substância são três: matéria, forma e sínolo – o universal (no conceito platônico) não é substância.
Os universais não são substância, sendo apenas registros mentais genéricos, abstrações da mente para denominar coletivamente coisas com características comuns. Platão argumentaria que há algo em cada coisa que a unifica com os seus semelhantes, e.g. todo cachorro, independente da raça, apresenta o elemento “cachorridade” (do ideal) que os unifica. (Ambos, Platão e Aristóteles, têm razão).
Os modos de unidade na metafísica:
Unidade por Acidente: fundada sobre uma conjunção de fatos e não sobre natureza essencial do que constitui a unidade. Coisas unidas sem necessidade vital, e.g. Corisco músico. Os componentes não são obrigatórios. Lembrar que o acidente (per si) é obrigatório mas seu modo não, e.g. preciso estar obrigatoriamente numa posição, mas esta pode ser de pé, sentado, deitado, etc.
Unidade por Essência: verdadeira unidade, unidade em si. São unidades (a) os contínuos naturais ou artificiais, aqueles que parecem uma coisa só; (b) quando há identidade de espécie no substrato, (c) quando é idêntico o seu gênero, compartilham o mesmo gênero; e (d) quando a definição é idêntica mesmo que defiram por seus aspectos acidentais, é unidade aquilo que é captado como tal pela intelecção.
Precisa haver uma ciência que investiga o ser como ser (a substância) e as propriedades que lhe são inerentes por sua própria natureza – a metafísica (ousiologia, a busca da substância / ontologia – estudo do ser enquanto ser). A metafísica, a primeira filosofia, é a mais importante ciência, pois lida com todas as substâncias (com suas causas, incluindo as primeiras), ao passo que as outras ciências lidam apenas com aspectos das substâncias. O filósofo primeiro define qual é a substância para depois qualifica-la – o geômetra estudo o triângulo partindo de sua existência, sem discutir suas causas primeiras.
Em sua investigação Aristóteles parte dos princípios fundamentais da demonstração lógica (Livro IV), aqueles a partir dos quais tudo começa:
Princípio da identidade: ‘A’ é igual a ‘A’. Nenhum conhecimento é possível sem partir desta ideia.
Princípio da não-contradição: ‘A’ não pode ser ‘não-A’ ao mesmo tempo. Gerado a partir do princípio de identidade. Nada pode ser e não-ser simultaneamente sob o mesmo aspecto.
Princípio do terceiro-escolhido: (a) Se ‘A’ é ‘B’, ‘A’ não pode ser ‘não-B’. (b) Se ‘A’ não é ‘B’, ‘A’ não pode ser ‘B’.
Estes princípios são intuídos, e não demonstráveis (axiomas) – o abandono destes princípios leva a raciocínios e ideias estapafúrdias. Qualquer estudo deve partir da certeza (daquilo que é mais certo), i.e. 'A’ é igual a ‘A’ (absoluto em si próprio, não dependente de qualquer outra coisa).
A tentativa de demonstração de um axioma cai em petição de princípio (provar algo baseado numa premissa inventada arbitrariamente – uma falha de raciocínio). O axioma só pode ser provado por refutação, contrapondo ideias contrárias ao axioma.
Defesas refutatórias do princípio da não-contradição: (a) negar o princípio de não-contradição implica em sermos incapazes de nomear as coisas, inviabilizando a comunicação humana; (b) quem nega o princípio da não-contradição suprime a substância, a essência, reduzindo tudo a acidente; (c) se admite-se que as contraditórias existem num mesmo sujeito e podem ser predicadas junto, deriva daí a conclusão que todas as coisas reduzem-se a uma só e todas são confusas e misturadas, e.g. Sócrates é um navio e um não navio ao mesmo tempo (só em potência pode haver contradição); (d) a negação do princípio da não-contradição obriga a negação do princípio do terceiro excluído, nada poderia ser afirmado; (e) se tudo pode ser afirmado e negado sobre tudo, nada poderia ser distinguido entre verdadeiro e falso – leva a incapacidade de distinguir entre realidade e imaginário-desejo; (f) não se pode afirmar ao mesmo tempo ‘se é não é’, pois se verdadeira a afirmação falsa será sua contradição (apenas confirmação do segundo princípio); e (g) se os contraditórios fossem verdadeiros juntos as coisas não poderia ter a sua natureza, e.g. um fogo quente e frio ao mesmo tempo.
Há três tipos de substância num crescendo da matéria corruptível, para matéria incorruptível, e nenhuma matéria – bela definição da Divindade (Aristóteles aqui finalmente aproxima-se de Platão):
(1) Mundo sublunar (lua como separação entre o Céu e a Terra – mundo sensível): Sujeita a geração e corrupção – nasce e morre, passa do não-ser para o ser e do ser para o não-ser (e.g. o homem quando morre (o cadáver) perde sua essência). Compostas de matéria corruptível (constituído dos quatro elementos), sujeitas a todos os contrários (e.g. vida e morte), capaz de todos os tipos de mudança.
De acordo com Aristóteles há quatro tipos de movimento (ver Física – estudo do mundo sensível, corresponde as ciências modernas): (a) Geração e Corrupção: Nascer, ganhar e perder a substância, ganhar e perder a essência. Quando nascemos nos tornamos humanos e quando morremos não somos mais nada. O primeiro tipo de movimento que pode existir é a geração e a corrupção. Tudo do mundo físico, da natureza, está sujeito à geração e corrupção, é feito de matéria corruptível. (b) Alteração: É o esquema associado à qualidade. Você pinta o automóvel de verde e amarelo. A qualidade gera um tipo de mudança que é a alteração. (c) Aumento e Diminuição: É a mudança associada à quantidade. (d) Translação: É a mudança associada ao movimento. É sair de São Paulo e ir para o Rio de Janeiro. (b-c-d são transformações da substância)
Só há esses quatro tipos possíveis para Aristóteles. A matéria de todas as coisas (substância) é sujeita a pior das mudanças: a corrupção, o apodrecimento, a destruição física. Há algo de sinistro na matéria, está associada à natureza de aspecto abismal da existência, da manifestação.
A matéria fica de uma forma que não a forma anterior. A matéria irá se transformar. Você não tem garantias para dizer que ela não vai sumir, pois do mesmo modo que ela apareceu, ela pode desaparecer. Ela, em si, não é obrigatoriamente eterna. Ela pode também desaparecer. Pense que um monte de ferrugem não é mais um automóvel.
(2) Éter (Quintessência): São o céu, planeta e estrelas que seriam de material incorruptível, apesar de movimentarem-se. São sensíveis por serem visíveis, mas não estão sujeitos a corrupção por não serem constituídos dos quatro elementos (são eternos). Errado no aspecto físico, mas significativo simbolicamente. (Quinta com relação à Terra, Água, Ar e Fogo) – associado a astrologia (interpretação dos sinais dos céus).
(3) Eterna, Imóvel e Transcendente: Deus, o motor imóvel, que move os céus – potências angélicas para os escolásticos. Entidades sem matéria – primeiro motor / ato puro, privado de potencia / forma pura, privado de matéria. – este é o assunto da Metafísica – teologia.
Aristóteles assim separa o objeto de estudo da Física e da Metafísica – criando no processo todas as ciências (Física é uma metodologia geral das ciências).
Descrição da substância suprassensível (Deus – telos): como há coisas que são eternas, como o tempo e o movimento, sua causa ou princípio deve ter as seguintes características (a) o princípio deve ser imóvel (livro VIII da Física), tudo que é móvel foi movido por outra coisa (um motor, um movente), mas ninguém moveu Deus (o primeiro motor – tem que ser imóvel); e mesmo imóvel é capaz de mover como o objeto de amor atrai o amante, o Belo e o Bom atraem a vontade do homem de moverem-se, o inteligível move a inteligência sem mover-se. Deus não move nada, atrai tudo a Ele (exerce movimento de atração) – Deus é a causa final do mundo (Deus nos fez para admirar sua obra). (b) Se eterno é o movimento, eterna deve também ser sua causa – logo não há causa eficiente do mundo, ele também seria eterno (Deus não seria causa eficiente do Mundo – aporia). (c) O princípio de potencialidade deve ser provado, i.e. deve ser ato puro (não pode ter potência do seu contrário).
As leis metafísicas aristotélicas coincidem com o Mundo dos Princípios platônico (ver Para Uma Nova Interpretação de Platão de Giovanni Reale (o princípio aristotélico do primeiro motor levou Giovanni Reale a deduzir os ensinamentos orais (esotéricos) platônicos relacionados ao Mundo dos Princípios como necessário para unificar o as formas do Mundo das Ideias – comentário 1051b1 35 na Metafísica), e A Sabedoria das Leis Eternas de Mário Ferreira dos Santos), resultando em unidade entre o discípulo com o antigo mestre. (Para Platão o Mundo Sensível é causado pelo Mundo das Formas-Ideias e este causado pelo Mundo dos Princípios – também num escala crescente do sensível para o suprassensível).
Enquanto Platão, por dedução, descobre a causa eficiente global (o Demiurgo – Deus), Aristóteles, por indução, descobre a causa final (admirar a obra de Deus) – nada poderia ser mais similar ao Cristianismo.
A descoberta da filosofia é a descoberta do Logos, a descoberta de Deus. Todo ser humano tende ao saber, o homem tende a Deus.
Estrutura Geral da Metafísica (resumo da localização das principais ideias):
Livro I: “Todos os homens tende ao saber.” – axioma sobre a natureza humana sem o qual a Filosofia não existiria. Saber alguma coisa é conhecer as suas causas – doutrina das causas. A Metafísica é primeira filosofia porque trata das causas primeiras (aquilo que deu origem a todas as coisas) – é menos necessária do que qualquer outra ciência, mas superior a todas elas (vale por si e para si). O livro é um exemplo de doxografia (doxo – opinião / grafos – escrever – relatar as opiniões alheias).
Livro II: Adendo do primeiro. A pesquisa da verdade é fácil (impossível não saber algo verdadeiro) e difícil simultaneamente (os homens são como morcegos não conseguem ver quando a luz é mais forte – as verdades mais óbvias passam despercebidas). Metafísicas é a busca da verdade, e para isso é preciso que as causas sejam finitas tanto em número quanto em série (sequência – precisa ter um fim / o infinito não é do mundo sensível) – é colocado como axioma.
Livro III: Lista das dificuldades (15 aporias) na busca das causas primeiras – aparentes contradições. Tanto mais adequada a solução de um problema quanto maior a consciência dele (importância de conhecer todos os elementos de um problema para sua melhor solução). As aporias opõe as ideias de naturalistas e de Platão – Aristóteles busca um ponto mais elevado que possa sintetizar o melhor destas duas linhas de pensamento.
Livro IV: Entra no conceito de ser e a ciência do estudo do ser enquanto ser (metafísica – ontologia – filosofia primeira). Ser e Um é o mesmo – o ser tem que existir individualmente, destacado das demais, só existe como unidade (axioma). As várias maneiras de ser unificam-se na substância (ousia). Princípios fundamentais da demonstração lógica.
Livro V: Léxico de trinta termos aristotélicos.
Livro VI: A metafísica também é uma teologia pois existem substâncias suprassensíveis que seriam objeto de seu estudo – conteúdo teológico da metafísica (Aristóteles não desenvolve o estudo da teologia além da Metafísica). Modalidades do ser.
Livro VII: O sentido mais adequado de ser é a substância. Categorias definidoras da substância.
Livro VIII: Aprofunda e esclarece conceitos do livro anterior, principalmente sobre a substância enquanto sensível e em função dos conceitos de ato e potência.
Livro IX: Descreve os conceitos de ato e potência com relação ao movimento e à substância, concluindo a exposição dos significados do ser. Estabelece a prioridade do ato sobre a potência, levando à necessidade de um ato puro (suprassensível).
Livro X: Examina a quarta aporia, respondendo-a afirmativamente.
Livro XI: Apresenta um panorama sintético dos temas abordados nos livros I, III, IV e VI, e regata a questão do ser como potência e ato sobretudo com relação ao movimento. Preparação para entrar enfrentar a questão do suprassensível.
Livro XII: Apresenta os três tipos de substância num crescendo da matéria corruptível, para matéria incorruptível, e nenhuma matéria. Trata da substância sensível e seus princípios. Demonstra a existência e natureza do suprassensível. Resolve aporias sobre a natureza do pensamento divino.
Livro XIII: Critica o platonismo (Mundo das Ideias e os entes matemáticos), desconsiderando suas propostas do que seria suprassensível.
Livro XIV: Continua a discussão do livro anterior.
Aristóteles lista quinze aporias (Livro III) que devem ser enfrentadas por quem quiser estudar a metafísica e que são tratadas ao longo da Metafísica:
1. Pertence a uma só ou a várias ciências o estudo de todos os tipos de causas?(Cap. 1 995b4-6; Cap. 2 996a18-b26).
Comentário: solução aristotélica no Livro IV – Cap. 1. A metafísica (filosofia primeira) é a que estuda o ser como ser, buscando os primeiros princípios e as causas supremas.
2. Pertence a uma mesma ciência estudar os primeiros princípios da demonstração (princípio de identidade, de não-contradição, e terceiro-excluído) e da substância? Caso sejam ciências diferentes, qual delas será filosofia primeira? (Cap. 1 995b6-10; Cap. 2 996b26-997a15).
Comentário: Impossível estudar as substâncias sem o uso da metodologia lógica. Nem tudo é demonstrável, alguns princípios são autoevidentes (axiomáticos – ‘A’ é igual a ‘A’) e outros escapam a capacidade humana (pertencem a esfera do Divino). Estes princípios não são alvos de uma ciência.
3. Existe uma ciência única que trata de todas as substâncias ou mais de uma? E, se há várias, de qual substância trata a ciência buscada? (Cap. 1 995b10-13; Cap. 2 997a15-25)
4. A ciência buscada deve tratar somente das substâncias ou também dos seus acidentes próprios? Tal ciência deve tratar dos pares de opostos mesmo-outro, semelhante-dessemelhante, anterior-posterior? (Cap. 1 995b18-20; Cap. 2 997a25-34)
5. Existem substâncias suprassensíveis? Em caso afirmativo, existe mais de uma espécie delas, tal como aquelas sustentadas pelos postuladores das Formas e dos seres intermediários? (Cap. 1 995b13-17; Cap. 2 997a34-998a19)
6. Os primeiros princípios das coisas são gêneros ou partes intrinsecamente constituintes dessas coisas? (Cap. 1 995b27-29; Cap. 3 998a20-b13)
7. Caso os primeiros princípios sejam classes, eles serão as espécies ínfimas ou os gêneros supremos? (Cap. 1 995b29-31; Cap. 3 998b14-999a23)
8. Existe alguma outra coisa além dos seres particulares materiais? (Cap. 1 995b31-36; Cap. 4 999a24-b24)
9. Os primeiros princípios possuem unidade numérica ou específica? (Cap. 1 996a1-2; Cap. 4 999b24-1000a4)
10. Os princípios das coisas corruptíveis são os mesmos que os das incorruptíveis? Se são diferentes, os princípios das coisas corruptíveis são eles próprios corruptíveis? (Cap. 1 996a2-4; Cap. 4 1000a5-1001a3)
11. O ser e o um são ou não substâncias das coisas? (Cap. 1 996a4-9; Cap. 4 1001a4-b25)
12. Os números, os corpos, as superfícies e os pontos são substâncias ou não? (Cap. 1 996a12-15; Cap. 5 1001b26-1002b10)
13. Por que devemos procurar outras realidades (as Ideias) fora das coisas e dos seres matemáticos intermediários? (Aporia não mencionada em Cap. 1; Cap. 6 1002b12-32)
14. Os princípios são em ato ou em potência? A resposta a essa questão envolve a noção de movimento? (Cap. 1 996a11; Cap. 6 1002b32-1003a5)
15. Os princípios são universais ou são semelhantes àquilo que nós denominamos indivíduos? (Cap. 1 996a9-10; Cap. 6 1003a5-17)
Léxico de termos aristotélicos (Livro V).
Princípio (arkhê): o primeiro ponto a partir do qual uma coisa ou é, ou vem a ser ou torna-se conhecida, pode ser imanente (e.g. causas material e formal) ou transcendente (e.g. causas eficiente e final) às coisas. As ‘causas’ (ver acima) são princípios.
Causa (aition): doutrina das causas listadas acima. As causas são sujeitas a interpretações, tal como se a causa é genérica ou específica (e.g. causa eficiente da estátua pode ser o escultor-genérico ou Fídias-específico) – polêmica dos universais. A causa material é a potência e a causa formal é ato.
Elemento (stoikheion): são os componentes-partes de alguma outra coisa. Quanto mais simples o elemento, mais próximo estará do genérico universal – daí os pitagóricos colocarem o número e formas geométricas na formação de tudo (tudo pode ser reduzido ao número, ponto-reta). É algo que constitui com outra coisa, é algo primeiro (noção de primariedade) e é imanente, intrínseco a coisa – e.g. o carbono é constitutivo do ser humano.
Natureza (physis): tudo que está sujeito à geração e corrupção – sujeito a regra da mudança-mobilidade. As matérias providenciadas pela natureza apresentam diferentes graus: matéria distante e matéria próxima (materia prima e seconda para os escolásticos) conforme a proximidade como objeto que são (que tem essência verdadeira). Conjunto das coisas das quais tudo deriva – natureza é a potência geral das coisas.
Necessário (anagkaion): aquilo sem o que a vida é impossível, as condições nas quais o Bem não pode ser ou vir a ser, o coercitivo, inexorável (contraria o movimento), simples (não pode ser em mais que uma condição).
Um: pode ser uno por sua natureza ou por acidente. A essência do um consiste em ser um
princípio numérico ou a medida primeira de um gênero. O que é indivisível em todos os sentidos segundo a quantidade. Múltiplas são ditas as coisas nos sentidos opostos àqueles nos quais se entende a unidade essencial.
Ser (to on): entendido em quatro grupos de significados: (a) como acidente, (b) como verdadeiro, (c) por si mesmo segundo as categoria, e (d) como ato e potência.
Substância (ousia): o ser enquanto ser, aquilo que existe, conjugação da matéria (hilê) com a forma (eidos) (nem toda substância é concreta – é aquilo que vira substantivo). Daquilo que se diz alguma coisa (predicamento).
Idêntico (tauta): aborda as definições de idêntico (acidentalmente idêntico, e.g. homem músico e branco ou o homem é músico e o músico é homem – essencialmente idêntico quando as coisas têm (a) matéria especificamente una, (b) numericamente una, ou (c) unidade de essência), diverso (oposto ao idêntico), diferente (coisas diversas mas que têm alguma identidade por espécie, gênero ou analogia), semelhante (coisas que têm todas, ou a maioria, das afecções idênticas), e dessemelhante (coisas em todos os sentidos opostas).
Oposto (antikeimena): são opostos: (a) os contraditórios, (b) os contrários, (c) os relativos, (d) posse e privação, (e) os extremos da geração e da corrupção, (f) os atributos que não podem se encontrar juntos num mesmo sujeito (que, contudo, pode acolhê-los separadamente). E são contrários: (a) os atributos de gênero diverso, que não podem se encontrar juntos no mesmo objeto, (b) os atributos que mais diferem, no âmbito do mesmo gênero, (c) os atributos que mais diferem, no âmbito do mesmo sujeito que os acolhe, (d) as coisas que mais diferem, no âmbito da mesma faculdade cognoscitiva, (e) as coisas que apresentam a máxima diferença ou absolutamente, ou segundo o gênero, ou segundo a espécie.
Anterior e Posterior (protera kai üstera): relativos às coisas no espaço, tempo, movimento e intensidade, ordenação. Como princípio ou premissa. A anterioridade em potência é distinta daquela em ato.
Potência (dünamis): tem os seguintes significados: (a) princípio de mudança e de movimento existente em algo diferente da coisa que é movida, ou na própria coisa enquanto outra; (b) princípio pelo qual a coisa é mudada ou movida por outra, ou por si enquanto outra (seja em geral, seja para melhor); (c) a capacidade de conduzir uma coisa a bom termo ou como se deveria; (d) a capacidade que a coisa tem de ser mudada (por outra ou por si mesma enquanto outra); (e) o estado em virtude do qual as coisas são imutáveis ou dificilmente mutáveis para pior.
Quantidade (poson): é o que é divisível em partes a ele internas, sendo cada uma delas algo uno e determinado.
Qualidade (poion): tem os seguintes significados: (a) em primeiro lugar, entende-se por qualidade a diferença da substância ou da essência de uma coisa; (b) em segundo lugar entende-se o que pertence à essência do número fora da quantidade; (c) por qualidades se entendem também as afecções das substâncias sujeitas à mudança, segundo as quais se diz justamente que as substâncias mudam, (d) enfim, se dizem qualidades também a virtude e o vício, o bem e o mal. Aristóteles conclui dizendo que o primeiro significado é o principal e que, nele, pode-se incluir também o segundo, enquanto o quarto pode ser reconduzido ao terceiro, de modo que os quatro significados se reduzem substancialmente a dois.
Relativo (pros ti): se dizem as coisas que estão entre si (a) como o que excede relativamente ao que é excedido, (b) como o agente relativamente ao paciente, (c) como o mensurável relativamente à medida.
Completo (teleion – perfeito): é dito: (a) o que tem todas as partes que deve ter; (b) o que não é superado por outro na habilidade que lhe é própria e peculiar (no sentido, digamos, em que se fala de médico perfeito, flautista perfeito etc.); (c) o que possui ou conseguiu o fim que lhe convém.
Limite (peras): se diz: (a) o termo extremo de cada coisa, (b) a forma de uma grandeza ou do que tem grandeza, (c) o fim de cada coisa e o ponto de chegada do movimento e das ações, (d) a substância ou essência das coisas. Limite tem tantos sentidos quanto os tem princípio e ainda mais: de fato, todo princípio pode ser dito limite, mas não vice-versa.
Aquilo em função de que (to kath o): pode ter os seguintes significados: (a) a forma ou essência de cada coisa, (b) o substrato no qual um atributo se encontra ou se gera pela sua natureza, isto é, a matéria, (c) o escopo ou a causa final, (d) a causa eficiente, (e) a posição. - Também a expressão o que é por si (to kath auto) pode ter muitos significados, precisamente pode significar: (a) a essência, (b) as notas contidas na essência, (c) as propriedades originárias de uma coisa ou das partes dessa coisa, (d) o que não tem outra causa além de si mesmo, (5) o que pertence a um só tipo de sujeito, pela sua natureza.
Disposição (diathesis): a ordenação daquilo que possui partes – pelo lugar, pela capacidade, ou pela forma. De fato, deve haver alguma posição, como inclusive mostra o nome “disposição”.
Posse (exis): hábito, posse, estado significa: (a) a atividade do que possui e do que é possuído; (b) a disposição em virtude da qual uma coisa é bem ou mal disposta, seja por si seja em relação a outra; (c) o que é parte de uma disposição do tipo acima mencionado.
Paixão (pathos): paixão, afecção tem os seguintes significados: (a) uma qualidade segundo a qual uma coisa pode se alterar; (b) as alterações já em ato; (c) as alterações e as mudanças danosas; (d) as grandes desventuras e as grandes dores.
Privação (sterêsis): tem-se privação nos seguintes casos: (a) quando uma coisa não tem alguma das características que, pela natureza delas, poderia ter (mas que pela sua natureza não pode ter); (b) quando uma coisa não tem alguma característica que ela mesma ou o seu gênero deveriam, pela sua natureza, ter; (c) quando uma coisa não tem alguma característica num determinado tempo no qual pela sua natureza deveria ter; (d) quando se tem violenta subtração de alguma coisa; (e) nos casos em que se usa o alfa privativo; (f) quando há escassez de alguma coisa; (g) quando alguma coisa não é fácil de se fazer nem de se obter ; (h) quando há falta absoluta de uma coisa.
Ter (to ekhein): ter, possuir tem os seguintes significados: (a) ter ou conduzir como próprio, (b) o fato de ter, por parte do receptáculo, o que está no receptáculo, (c) o ato de ter do continente relativamente ao conteúdo, (d) ter algo de modo a impedi-lo de mover-se ou agir segundo a inclinação que lhe é própria. Ser em alguma coisa tem significados correspondentes ao de ter.
Provir de alguma coisa: derivar de algo tem os seguintes significados: (a) o derivar do próprio substrato material (entendido tanto em sentido genérico como em sentido específico); (b) o derivar da causa eficiente ou princípio de movimento; (c) o derivar do conjunto de matéria e forma, assim como as partes derivam do todo; (d) o derivar da forma dos elementos formais que a constituem; (e) o derivar de uma parte das coisas acima indicadas; (f) o derivar de um evento de outro em sucessão temporal.
Parte (meros): pode significar: (a) aquilo em que a quantidade pode ser dividida; (b) aquilo em que a forma pode ser dividida; (c) aquilo em que o todo pode ser dividido (quer se entenda por todo o conjunto de matéria e forma, quer se entenda o todo formal); (d) os elementos de que é constituída a definição.
Todo (olon): inteiro ou todo significa: (a) o que não carece de nenhuma das partes que deve naturalmente ter para ser tal; (b) o que contém as coisas que contém, de tal modo que estas constituem uma unidade. (c) No âmbito da quantidade tem-se um conjunto quanto as partes da quantidade podem mudar de posição sem produzir diferença; tem-se um inteiro ou um todo, quanto as partes da quantidade não podem mudar de posição sem produzir diferença; enfim, podem ser chamados tanto um conjunto como um todo aquelas quantidades nas quais se podem verificar ambos os casos.
Mutilação: não distingue os diversos significados de mutilado, mas analisa as notas gerais do conceito de mutilado, ou melhor, as condições e os requisitos que devem ocorrer para que algo seja mutilado. E eis aqui os requisitos. (a) A coisa deve ser, antes de tudo, uma quantidade de modo a constituir um todo ou um inteiro (portanto, as coisas que não são um todo, mas um conjunto, com base na distinção do capítulo precedente, não podem ser mutiladas); (b) deve ser contínua; (c) deve ser privada de uma parte não essencial, não de qualquer lugar mas só das extremidades e não capaz de reproduzir-se (quando se trata de seres vivos).
Gênero (genos): pode ter os seguintes significados: (a) a geração contínua de seres da mesma espécie; (2) a estirpe dos descendentes de um único tronco; (c) o substrato das diferenças; (d) o constitutivo primeiro das noções ou definições (que constam, justamente, de gênero mais diferença específica). Dizem-se diferentes por gênero (a) as coisas cujo substrato próximo é diferente, que não são redutíveis a algo comum, e (b) as coisas que pertencem a diferentes categorias.
Falso (pseudos): só pode-se falar de falso para termos compostos, e.g. a ‘nuvem’ não pode ser falso, mas a afirmação ‘a nuvem está carregada’ pose sê-lo. Verificar a verdade em termos compostos consiste na operação mental de juntar ou separar a as noções das coisas que são realmente unidas ou separadas – é falso são a coisas separadas. Verdade e falsidade estão na mente humana e não nas coisas fora de nós.
Acidente (sümbebêkos): é o que não pertence à essência, próprios de um sujeito (mas não necessariamente, e.g. homem branco), Não se dá o acidente sem a substância, o acidente é da substância, e dela não pode ser fisicamente separada. (ver os predicados (praedicamenta) da substância em Categorias – parte do Órganon)
Notas Aristóteles (384-322 a.C.) nasceu em Estagira (daí a alcunha de Estagirita) na Macedônia. Filho de médico, de quem provavelmente herdou o interesse pelas ciências naturais.
Ingressou na Academia de Platão aos 18 anos, nela permanecendo até a morte do mestre (348-347). Retira-se da Academia desgostoso com os rumos ditados pelo sucessor de Platão (seu sobrinho Spêusipos) em transformar a filosofia em matemática.
Apelidado por Platão como “o ledor”. Pregava a necessidade de conhecer toda a discussão anterior antes de avançar sobre uma questão ou problema (status quaestionis - doxografia).
Em 342 é convidado por Felipe da Macedônia para educar seu filho Alexandre (futuramente, o Grande). Seu aluno fará grandes contribuições ao Liceu.
Em 335 regressa a Atenas e funda o Liceu.
A obra de Aristóteles é a maior contribuição individual na formação cultural do mundo. Apenas suas obras esotéricas nos chegaram, basicamente anotações de aulas feitas por seus alunos. Principais títulos (nomeado por seus comentadores): A Política, Ética a Nicômaco, Física, Metafísica, Da Alma, Poética, e Órganon.
Platão era fundamentalmente Dedutivo (do geral para o particular), ao passo que Aristóteles era Indutivo (do particular ao geral) – duas naturezas complementares. Aristóteles parte da minuciosa análise dos fatos concretos para alçar pensamentos mais abstratos.
Em Aristóteles as palavras têm sempre uma grande polivalência de sentidos, e.g. a palavra ‘ser’. Eduard Zeller e Werner Jaeger erroneamente consideravam esta variedade de sentidos como sinal de uma mudança no pensamento de Aristóteles ao longo dos anos. Mas a variedade dá-se em função dos escritos aristotélicos que nos chegaram serem anotações de aulas.
Aristóteles elege a visão como o principal sentido (que permite o conhecer) – os gregos eram eminentemente estéticos. Os judeus preferem a audição.
Telos = finalidade – razão de existência
“Aquele que se admira e está perplexo sente que é ignorante, logo o amante dos mitos é um amante da sabedoria (filósofo), uma vez que os mitos são compostos de espantos admiráveis.” – a filosofia nasce do espanto.
Santo Agostinho: Deus criou o mundo ex nihilo (do anda) pois as outras formas de criação são (a) transformação e (b) geração, ambas demandando a pré-existência de algo, logo incapazes de responder a questão.
Dada a incertezas da natureza é perigoso partir do conhecimento científico (não metafísico) para suportar medidas legislativas que gerem regras e fatos consumados, pois a natureza é móvel, sujeita ao devir. Além disto, a classe científica é naturalmente permeada por todas as falhas humanas, sendo atualmente, em grande medida, ideológica, política e corrupta (e.g. o embuste do aquecimento global). Cientistas não dizem verdades, expressam apenas possibilidades.
Forma mentis: latim, reflete o “habito do ouvinte”, seu grau de conhecimento, modo de pensar – a comunicação é impossível quando a forma mentis do ouvinte é incapaz de entender aquilo que é comunicado (modo como a mente lida com o que está sendo comunicado).
Pode-se dizer que a hierarquia dos quatro discursos corresponde às quatro castas como audiência (i.e. o discurso poético é o mais adequado para comunicar-se com os sudras, etc.).
Os pré-socráticos (os físicos) limitavam o estudo das causas à matéria, dai a implicância de Aristóteles com eles.
Predicado: característica inerente a um ser; atributo, propriedade, o que se afirma ou se nega a respeito do sujeito da oração (gramática).
Aporia: eu preciso de algo para ter-entender algo (e.g. quem veio primeiro o ovo ou a galinha).
Inteligência (intelligent – entendimento, conhecimento) e filosofia é a “capacidade de olhar e ver o que é” (Sócrates).
Os irmãos Wachowski contradizem o princípio de não-contradição no filme Matrix, baseando-se nas ideias amalucadas de contradição da “verdade absoluta” do “filósofo” francês Jean Baudrillard. Porém o francês não gostou do filme: "Os diretores se basearam em meu livro (Simulacros e Simulação), mas não o entenderam".
O princípio alquímico da transformação parte da unidade de essência entre aquilo que é transformado e sua nova forma. Daí falarmos na necessidade alquímica de transformar a inveja exagerada do brasileiro em ambição, pois ambas compartem uma mesma essência.
Alquimia (dissolver e re-coagular) refere-se ao ato e potencia – o ato alquímico dá certa forma àquilo que tem potencia. A alquimia tem origem na física de Aristóteles.
A mente humana tem grande potencial de engano (falsidade é um produto mental – mentira e mente têm a mesma raiz mentis). As ciência humanas (objeto de estudo é o homem) são potencialmente danosas pois afetam vidas com suas afirmações equivocadas, ao passo que um erro de interpretação relacionada, por exemplo, a uma pedra não afetará as pedras.
Obter a verdade para ente simples (não composto) passa pela intuição ou captação pelo nôus, não captá-lo é não conhecê-lo – base da fenomenologia de Edmund Husserl.
Nenhum conhecimento sobre o mundo físico é certo (assegurado), pois a natureza está sujeita ao devir. A trajetória de Aristóteles para os primeiros princípios e, consequentemente a metafísica, é a busca daqueles elementos eternos que não podem ser encontrados no mundo sensível.
A hierarquia de necessidades de Maslow vai de encontro à natureza humana expressa nas Quatro Castas. Maslow parte de uma anterioridade cronológica, mas o homem opera numa anterioridade ontológica. Maslow não explica o ser humano.
A ideia dos mundos ilusório e ideal platônicos coincide com o pensamento cristão do “vale de lágrimas” – “não somos deste mundo”, e ainda o Samsara budista (movimento contínuo de nascimento e morte do qual se escapa através da iluminação) e Maya hindu (mundo ilusório).
Para Heráclito “tudo é movimento”, tudo muda e nada permanece como antes, e.g. “você não põe o pé no mesmo rio duas vezes”. Contrapuseram-se a esta ideia Parmênides e seu discípulo Zenão de Eleia, dizendo não ser possível nenhum movimento, e.g. “a lebre não alcança uma tartaruga que está em sua dianteira, pois cada vez que ela chega ao ponto onde estava a tartaruga esta já avançou mais terreno” (sofisma que confunde incontável com infinito). O conceito de ato e potência como movimento aristotélico elimina esta questão (ver esta concepção cinética do ato e potência na Física).