“Ora, se a verdade das coisas existe sempre em nossa alma, então é que a alma é imortal; por isso, precisas não desanimar, sempre que ignorares alguma coisa, isto é, quando não te lembrares de determinada coisa, para procurá-la e te recordares dela.” – Sócrates diz que a verdade resida na alma (86b)
Personagens Principais Sócrates – filósofo
Personagens Secundárias Menão – tressaliense, aluno do sofista Górgias Menino – escravo de Menão Ânito – político ateniense, anfitrião de Menão
Em diferentes diálogos Platão tenta chegar ao conhecimento da virtude (arete) por distintos caminhos – valentia, prudência, piedade e justiça seriam partes de uma “virtude total”, da essência de virtude que por si só seria um saber (o problema do saber é repetidamente abordado por Platão e nunca abandonado). Menão é o primeiro diálogo no qual este saber-virtude é investigado.
A questão posta por Menão de se a virtude pode ser ensinada, adquirida na prática ou é inata no homem é a formulação tradicional deste problema desde Hesíodo. Mas Sócrates antes quer definir o que é a virtude e, mesmo sem nunca dar uma resposta à pergunta de Menão (o diálogo é aporético), vai introduzir a teoria da reminiscência e matizar o juízo expresso em Górgias a respeito dos políticos (Ânito será um dos acusadores no julgamento de Sócrates) e dos sofistas (Menão é um arrogante aprendiz de retórica).
A busca do que é a virtude em si, Sócrates procura dirigir a multiplicidade de respostas de Menão a um conceito único que abrangeria todas aquelas virtudes – um ato de intuição espiritual que capta o uno no múltiplo, o eidos (forma) ou idea de virtude (forma esta que interpretada como real gerará o “problema dos universais” entre Platão e Aristóteles). Platão quer saber qual é a unidade central das diferentes virtudes. O “que é” explicado como ideia e não uma definição – a ideia é a meta para qual tende o movimento dialético do pensamento platônico.
Abordando a questão quanto à forma de transmissão da virtude, Sócrates proporciona o mais interessante momento do diálogo ao fazer um jovem escravo de Menão descobrir por si só (mediante as perguntas apropriadas) a regra do quadrado da hipotenusa. Neste processo Sócrates primeiro (a) faz o jovem entender que está errado em pensar que sabia a resposta, depois (b) demonstra como a aporia é necessária para a iluminação, e, finalmente, (c) o guia para a solução – desperta sua recordação (intuição das ideias). Assim Platão apresenta a teoria das reminiscências, sendo o saber de certo modo inato na alma do homem que recorda o vislumbrado no Mundo das Ideias.
Destaca-se também o papel da aporia como fonte do conhecimento e da compreensão – sua fecundidade educadora, cabendo à experiência sensível o papel de despertar na alma a recordação da essência das coisas. A aspiração à verdade não é outra coisa senão a expansão da alma e do conteúdo que por natureza ela contém. E que aprender é uma procura esforçada, somente possível com a participação espontânea de quem quer aprender, auxiliado por que quer realmente ensinar (libertar o aluno de sua ignorância) – a aspiração científica fortalece o caráter.
Platão deu uma direção ao entendimento do saber-virtude assentando-o no conhecimento inabalável daquelas ideias e arquétipos primitivos dos supremos valores que a alma descobre dentro de si própria quando medita sobre a essência do bom, do justo e do verdadeiro, e tem força bastante para determinar e orientar a vontade.
Mas Platão encerra o diálogo com uma aporia socrática: se a virtude é um saber, por que os virtuosos (e.g. Péricles) não conseguem transmiti-lo aos concidadãos? É introduzida a “opinião acertada” (insuflada pela moira divina) que fica entre a ignorância e o conhecimento. E a opinião (doxa) só se transforma em conhecimento (episteme) quando fixadas no homem pelo conhecimento de causa.
A maiêutica nos diálogos platônicos ocorre em três estágios: (1) o condutor do exame destrói as ilusões de conhecimento do interlocutor (elimina o autoengano), (2) reformula o problema, descrevendo-o com todos os detalhes, e identifica a tensão inerente à questão (aporia), e (3) procura uma nova resposta (se possível). São classificados como (a) diálogos socráticos aqueles que ficam apenas no primeiro estágio, (b) platônicos-socráticos os que avançam no segundo e, por vezes, terceiro estágios, e (c) platônicos os que completam os três estágios.
Platão precisa avançar na direção de uma proposta, pois, diferentemente de Sócrates que desejava restabelecer a identidade da coisa com o logos, Platão quer reestabelecer a identidade do cosmos com a pólis.
Notas
Platão (427-348 a.C.) nasceu em Atenas ou na próxima Egina.
Filho de Ariston, descendente do rei Codro, Perictíone e de um irmão de Sólon do lado materno. Ainda na juventude, recebe o apelido de Platão (“largo”) por razões incertas, mas provavelmente ligadas ao seu tipo físico. Seu nome era Arístocles.
Aos 19 anos torna-se discípulo de Sócrates. Sua obra escrita nos chegou aparentemente completa (26 diálogos são considerados legítimos).
Segundo o matemático e filósofo Alfred North Whitehead (1861-1947), “A mais segura caracterização da tradição filosófica europeia é que esta se constitui de uma série de notas de rodapé a Platão.”
Os subnomes dos diálogos, e.g. Fedro, sobre o Belo, foram dados por Trasilo no século I, na Biblioteca de Alexandria que então comandava.
Medão, sobre a virtude é diálogo legítimo (gênero probatório), provavelmente escrito no período mediano, fase de ascensão, do autor.
Platão pode ser considerado é utópico, mas nunca messiânico.
A metafísica estuda o mundo (cosmologia) e o ser (ontologia).
O tema do conhecimento não necessariamente passar pela razão (processo/percepção automático, de lembrança) será retomado por Edmund Husserl na Fenomenologia.