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Kenji Mizoguchi (1898-1956)

Foi só quando passei dos 40 anos que entendi as verdades humanas que quero expressar nos meus filmes.” – Kenji Mizoguchi


Kenji Mizoguchi faz uso de longas e elegantes tomadas meticulosamente encenadas para narrar suas histórias – seu movimento de câmera desenvolvem-se como os pergaminhos de pintura japoneses (emakimono) existentes desde o século VI –, e da profundidade de campo para apresentar duas cenas simultaneamente.


Seu tema principal era a condição social da mulher japonesa e seu papel numa sociedade polarizada entre forças tradicionais e modernizadoras. Seu interesse e profundo conhecimento da psicologia feminina são características consistentes em seus filmes, tendo construído personagens femininas transcendentais como Otuko (The Story of the Last Chrysanthemums) e Anju (Sansho the Bailiff). Mizoguchi se destacou em filmes de época, mas estava igualmente interessado em histórias modernas.


A maioria de seus 85 filmes, realizados ao longo de uma carreira de mais de três décadas, se perdeu. Entre os remanescentes se destacam os seguintes:


The Story of the Last Chrysanthemums (1939): O filho adotivo de um ator lendário, e ele próprio um aspirante a estrela, recorre à ama de leite de seu irmãozinho em busca de apoio e carinho – apenas para ela desistir de tudo pela glória de seu amado. Cativante história que aborda a meritocracia, o dano dos falsos elogios, a necessidade do homem em ter uma mulher que o ampare, e um exemplo de amor incondicional. A personagem Otuko emblema o potencial feminino no seu máximo esplendor. Tecnicamente o filme sintetiza a estética do diretor de cenas em uma única longa tomada. E ainda apresenta uma interessante visão do Japão no crepúsculo do século XIX e do clássico teatro japonês (Kabuki).


The 47 Ronin (1941): Lendários 47 ronins conspiram para vingar a morte de seu senhor forçado a cometer seppuku (harakiri). Bem pesquisado e historicamente preciso relato da famosa Vingança Ako que aconteceu em 1702 – fascinante exibição do cerimonial e da estética tradicional japonesa. O filme foi encomendado pelo governo japonês para elevar a moral do povo nos preâmbulos da II GG. Longo (3 horas e 42 minutos) e lento, mas hipnotizante pela riqueza cultural e valores exibidos: honra e devoção.


The Life of Oharu (1952): A luta e a sobrevivência de uma mulher em meio às vicissitudes da vida e à crueldade coletiva. O eterno conflito entre a individualidade e o coletivo social produz a triste história da heroína que enfrenta as normas sociais ao ceder aos impulsos concupiscentes, mesmo sabendo que, se descoberta, arruinaria a todos ao seu redor. Mizoguchi consegue narrar um drama pungente sem ser melodramático. Oharu desmaia três vezes ao longo do filme. Cada desmaio representa uma perda: primeiro a das barreiras sociais e morais, segundo a do seu filho e, finalmente, a perda da esperança. Oharu pode ser a história mais dramática e memorável de uma mulher no cinema.


Ugetsu (1953): História de ambição, família, amor e guerra ambientada no meio das Guerras Civis Japonesas do século XVI. Transcendente história de fantasmas derivada de escritos de Akinari Ueda (1734-1809) e Guy de Maupassant (1850-1893). Narrativa milenar de como a ambição desregrada na busca de fortuna e glória como bens finais não traz a felicidade – recordando a busca da eudaimonia aristotélica (ver Ética a Nicômaco). Demonstra que apesar das diferenças culturais entre oriente e ocidente, a essência humana, obviamente, é a mesma. Ao final os dois protagonistas aprendem a dura lição, mas com sequelas terríveis. A cena no lago, cenografada por Kazuo Miyagawa, merece destaque. É o melhor filme de Mizoguchi.


A Story from Chikamatsu (1954): Ishun, mestre gráfico rico e antipático, acusa injustamente sua esposa e seu melhor funcionário de serem amantes. Para escapar da punição, os acusados ​​fogem, e Ishun ficará arruinado se a notícia se espalhar. Baseado em uma peça do clássico autor japonês Monzaemon Chikamatsu (1653-1725). O filme apresenta um clima noir de fatalismo cruel e absurdo, com uma série de pequenos passos em falso, mentiras inocentes e identidades trocadas desencadeando o trágico desfecho – “Nada é mais imprevisível do que o destino de uma pessoa. Em apenas um dia, tudo isso aconteceu conosco.” – diz a protagonista ao seu companheiro de martírio.

Destaque para a cena no lago quando o amor irrompe dos corações do casal à beira do suicídio numa escolha feita não em desafio, mas na aceitação da morte inevitável, uma escolha feita pela compreensão de que a liberdade é uma ilusão.


Sansho the Bailiff (1954): No Japão feudal do século XI, um governador compassivo é enviado para o exílio. A esposa e os filhos tentam juntar-se a ele, mas são separados e os filhos crescem no meio do sofrimento e da opressão. Baseado em um conto de Ogai Mori (1862-1922) derivado de uma narrativa folclórica da tradição oral. Pungente história de redenção com a batalha entre o Bem e o Mal sendo travada dentro da alma individual para então transbordar no devir. A personagem Suzhio honra a memória do pai seguindo seu ensinamento: “Sem misericórdia, o homem é como um animal. Mesmo que você seja duro consigo mesmo, seja misericordioso com os outros. Os homens são criados iguais. Todos têm direito à sua felicidade” (lembrando a Declaração de Independência americana). Mas a grande personagem é sua irmã Anju e seu sacrifício por amor fraternal. A cena final entre mãe e filho reforça o amor como a mais poderosa força, que pode não conquistar o mundo, mas que seguramente o transcende. O filme arrebatou o terceiro consecutivo Leão de Ouro do Festival de Veneza após as premiações de The Life of Oharu e Ugetsu. Imperdível.


Street of Shame (1956): As histórias pessoais de cinco prostitutas que trabalham num bordel. Baseado em um conto de Shibaki Yoshiko (1914-1991). Mizoguchi realiza este poderoso drama contemporâneo sobre o flagelo da prostituição em meio à discussão legislativa sobre a proibição dos prostíbulos no Japão. Meses depois a proibição é aprovada e o filme considerado um catalisador do processo. Destaque para a potente cena final. Último filme do diretor que morreria cinco meses após sua estreia.

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