Apesar de possuir talentos limitados, o americano Jules Dassin legou alguns filmes interessantes. Sua reputação repousa em cinco thrillers policiais, três dos quais foram feitos em Hollywood antes de ele fugir dos Estados Unidos ao ser, com justeza, desmascarado como agente de influência soviético.
Depois de Rififi, seu melhor trabalho, Dassin limitou-se a filmes menores, imergindo no ostracismo.
Seguem comentários sobre aqueles cinco thrillers:
Brute Force (1947): Numa penitenciária, um prisioneiro (interpretado por Burt Lancaster) planeja rebelar-se contra o chefe da guarda obcecado pelo poder. Poderia ser um excelente thriller de filme sobre presidiários não fosse seu caráter panfletário, ou seja, insinuar uma sociedade cruel que tortura seus detentos. Apresentar autoridades moralmente corruptas e violentas sempre foi uma das estratégias dos roteiristas liberais para atacar o status quo. Aqui exageraram em demasia: mostram presidiários cujos crimes forma praticados por amor, um chefe da guarda com complexo de Hitler e a gerência do presídio obcecada por lucro. Stalin alegremente endossaria esta narrativa. A presença de Burt Lancaster e as cenas de ação ao final salvam o filme da politicagem do roteiro.
The Naked City (1948): O detalhado processo de investigação de um assassinato decorre nas ruas de Nova York. Um bom filme policial que simultaneamente apresenta um retrato semidocumental da cidade e seu povo – a maioria das cenas de rua (o filme fez história pelo uso de mais de 100 locações externas) foram filmadas sem o conhecimento do público. Esta revolucionária união de atores e pessoas reais, em ruas reais, inspirou inúmeros filmes desde então. A equipe de filmagem trabalhou dentro de uma van equipada com espelho unidirecional, o que lhes permitiu filmar a cidade enquanto permaneciam invisíveis para os transeuntes – a cidade e seus habitantes são a grande atração do filme. Nos anos após a II GG, houve uma onda de filmes que procuravam mostrar o crime de forma realista e em termos documentais, The Naked City é característico desse período. Um thriller policial de primeira linha com policiais glamorizados vencendo a batalha contra o Mal; e como brinde a possibilidade de observar algo da New York de meados do século passado.
Thieve's Highway (1949): Veterano de guerra tenta vingar seu pai roubado e paralítico pelas mãos de um comerciante de produtos agrícolas inescrupuloso. Baseado no romance Thieves’ Market do escritor e ex-motorista de caminhão A. I. “Buzz” Bezzerides, retratando a vida dos caminhoneiros de longa jornada. Filme interessante para observar a estrutura narrativa orientada pelo Cominform (Information Bureau of the Communist and Workers' Parties) aos seus agentes de influencia: apresentar uma classe de trabalhadores (neste caso caminhoneiros) vitimizada pelo capitalismo (observar como tudo no filme gira em torno do dinheiro), tendo um herói positivo (trabalhador idealizado, Nick Garcos) contrastando com um herói negativo (burguês caricato, Mike Figlia) – modelo do realismo socialista adotado no Brasil por stalinistas como Jorge Amado (1912-2001), Nelson Werneck Sodré (1911-1999), Nelson Pereira dos Santos (1928-2018), Astrojildo Pereira (1890-1965) e muitos outros. Não foi à toa que Dassin teve que fugir dos EUA.
Night and the City (1950): Vigarista e agenciador de boate aproveita algumas circunstâncias fortuitas para subir de patamar como promotor de luta livre. Baseado no romance homônimo de Gerald Kersh. O gênero noir abrange a tradição de apresentar o cenário urbano como um domínio de sombras e corrupção, e nenhuma cidade foi apresentada de forma tão infernal e imbuída do fedor da mortalidade como a Londres retratada em Night and the City. Clássico noir com o destino (merecidamente negro) fechando-se sobre um protagonista em crescente estado de histeria.
Rififi (1955): Quatro homens planejam um crime tecnicamente perfeito, mas a debilidade humana intervém. Rififi (gíria do submundo para um entrevero violento) é um dos grandes precursores dos filmes de assalto: a detalhada sequência de meia-hora do assalto, sem diálogos e trilha sonora, é marcante e seminal (muito copiada mas nunca superada). Depois de retratar New York e Londres, Dassin apresenta uma cinzenta Paris, carregada de uma atmosfera pessimista, como cenário desta narrativa fatalista – o final letífero pode ser antevisto desde as primeiras cenas. A tosse forte e o semblante carregado de melancolia existencial prenunciam que o protagonista está marcado para o exício, o melhor que ele pode esperar é uma boa morte, de acordo com seu rígido e destorcido código de honra. O filme supera, em muito, o romance homônimo de Auguste Le Breton, levando François Truffaut a notar que “out of the worst crime novel I have ever read, Jules Dassin has made the best film noir I have ever seen.”