“I should like to make films that are not lowering to the spirit. A new building can be very harrowing, I should like to give people a chance to whistle.” – Jacques Tati
O francês Jacques Tati alcançou novos patamares expressivos na arte do enquadramento – de selecionar fronteiras e brincar com os limites da imagem. Tati restaurou a arte da comédia visual, trazendo à tona uma nova densidade e brilho de detalhes, uma nova clareza de composição. Ele é um dos poucos diretores de cinema que transformaram o meio de comunicação, encontrando uma nova e estilizada forma de ver.
“A comédia é o ápice da lógica”, pronunciou Jacques Tati, um paradoxo que só aparece quando se experimenta seu corpo singular de obra, onde coexistem o pastelão e o cerebral. A sátira da frieza e despersonalização da tecnologia permeia toda sua obra, tendo a divertida personagem M. Hulot como principal mensageira. Contrapondo a modernidade, Tati apresenta o lado mais elevado do ser humano, sua capacidade de amar o próximo. As comédias de Tati não forma feitas para rir (apesar de rirmos muito), mas para encantar e refletir.
Jacques Tati escreveu, dirigiu e interpretou todos os cinco filmes que produziu para o cinema, todos meritórios. Seguem comentários sobre eles:
Jour de Féte (1948): Carteiro de uma idílica aldeia no interior da França é perturbado por um curta-metragem sobre a velocidade e eficiência do correio americano e as divertidas provocações do povo da aldeia. Já em seu primeiro longa-metragem, Tati brinca brilhantemente com os dispositivos (piadas visuais silenciosas, efeitos sonoros mínimos, mas habilmente implementados) e explora o tema (o absurdo da nossa crescente dependência da tecnologia) que definiria o seu cinema.
Monsieur Hulot's Holiday (1953): Monsieur Hulot chega a um hotel à beira-mar para passar férias e, acidentalmente, causa inúmeros estragos. Deliciosa comédia de situações humanas vistas com um olhar compassivo, daí sua graça. Uma obra-prima de pastelão suave com uma série de gags bem coreografadas envolvendo cães, barcos e fogos de artifício; foi a primeira aparição da personagem Hulot e o filme que lançou seu criador ao estrelato internacional. Impossível não ver o carro de M. Hulot sem entendê-lo como precursor do carro de Mr. Beans.
Mon oncle (1958): Monsieur Hulot visita o mundo tecnológico de sua irmã, cunhado e sobrinho, mas não consegue se adaptar ao ambiente. O primeiro filme colorido de Tati, uma sátira da vida mecanizada e da sociedade de consumo que rendeu ao diretor o Oscar de melhor filme em língua estrangeira.
Playtime (1967): Monsieur Hulot vagueia curiosamente por uma Paris de alta tecnologia, paralelamente a um grupo de turistas americanas. Comédia gloriosamente coreografada e quase sem palavras sobre a confusão gerada pela alta tecnologia. Obra-prima do diretor que revitaliza o ato de olhar o mundo. PlayTime é um registro duradouro de como a era moderna caminha à beira do precipício.
Trafic (1971): Em sua última aparição, Hulot dirige um veículo recreativo de Paris a Amsterdã em seu habitual estilo cômico e desastrado. Magistral demonstração de timing e talento para gags visuais neste último olhar sobre o contraste entre nossa humanidade e a tecnologia.