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História de Herôdotos


"…para que a memória dos acontecimentos não se apaguem entre os homens com o passar do tempo e para que os feitos maravilhosos e admiráveis dos helenos e dos bárbaros não deixem de ser lembrados, inclusive as razões pelas quais eles se guerrearam. – Herôdotos abre a narrativa explicando a razão de suas investigações

Herôdotos escreve principalmente sobre as Guerras Médicas (relativo ao povo Medo) entre gregos e bárbaros (medos ou persas) de 490 e 480-79 a.C., com gregos sendo um conjunto de cidades-estados independentes (pólis) que compartiam o mesmo idioma e costumes, e adoravam os mesmos deuses – apesar da grande rivalidade entre si, várias pólis se uniram contra o inimigo comum.


A primeira invasão persa ocorreu em 490 a.C. e encerra-se com a vitória ateniense na Batalha de Maratona. A segunda invasão (480-479 a.C.) também termina, principalmente, com as vitórias ateniense em Salamina e espartana em Platéia. A narrativa sobre as Guerras Médica e suas causas, é complementada com uma série de relatos etnográficos e geográficos sobre outros impérios e povos que suportam o entendimento do conflito e suas razões.


Herôdotos coletou informação oralmente (akoê), por observação pessoal (opsis), e limitadamente através de documentos. A dependência na transmissão oral leva a inclusão de mitos e folclore na narrativa, não havendo uma clara distinção entre fatos e fábulas. Porém Herôdotos faz clara distinção cronológica entre o passado recente (passível de verificação – “three-generations reachback”) e o passado remoto (Idade Heroica – não verificável). E também pondera sobre a possibilidade e credibilidade dos relatos não verificáveis.


A obra é dividida em nove livros (ou rolos de papiro):


Livro I: apresenta os elementos que deram início ao conflito Leste(Europa)-Oeste(Ásia) desde suas origens até a Guerra de Troia e, mais historicamente recente, a conquista da Iônia por Croisos, Rei da Lídia. Segue a ascensão de Ciros e do Império Persa.


Herôdotos relata, conforme narrativas de sábios persas, a origem da inimizade Leste-Oeste como uma sucessão de raptos. Inicia-se com o rapto de Io de Argos por navegantes fenícios (que negam alegando que Io seguiu livremente com seu capitão). Alguns gregos, presumidamente cretenses, retaliaram raptando Europa de Tiro (na Fenícia). Posteriormente, nova ofensa grega com o rapto de Medéia, filha do rei de Colquis. E, finalmente, Paris revida com o rapto de Helena. Os sábios persas consideravam toda Ásia como território persa, logo os gregos seriam os agressores por levantarem um exército contra Troia (logo Pérsia) por apenas uma mulher.


Estas versões persas diferem totalmente dos mitos gregos (ausência da ação divina ou heroica, e encurtamento cronológico), sem que Herôdotos expresse concordância ou não com elas. Possivelmente Herôdotos quis comunicar o quanto a visão de mundo entre gregos e persas diferia.


Após não emitir julgamento sobre os relatos persas, Herôdotos evidencia que apenas pode verificar a agressão de Croisos, Rei da Lídia, como a primeira ação que redundaria nas Guerras Médicas.


Croisos é descendente de Giges que tomou o poder na Lídia matando o rei legítimo (Caudales, descendente do herói Héracles) e esposando a rainha (Caudales orgulhoso da beleza de sua esposa a exibe a Giges, seu guarda-costas, esta, revoltada, demanda que Giges escolha entre a morte e o assassinato do rei seguido com casamento com ela). Assim a família de Croisos ascende ao trono através de traição, sendo destinada a perdê-lo – o oráculo de Delfos prevê que os heráclidas teriam sua vingança em cinco gerações.


Croisos ascende ao trono em 560 a.C. E quase que imediatamente conquista as cidades gregas da Iônia. No ápice do seu poder recebe a visita de Sôlon (que deixara Atenas por dez anos após estabelecer suas leis). Este encontro é cronologicamente impossível (há ao menos duas décadas de diferença – uma das limitações da tradição oral é a precisão cronológica), mas serve para confrontar a riqueza magnificente do Leste com a sabedoria ática – Sôlon não figura aqui como um legislador, mas como um dos Sete Sábios.


Orgulhoso de seu poder e riqueza, Crosios indaga Sôlon quem seria o homem mais venturoso (olbios) que ele conheceu em suas viagens. Sôlon o surpreende respondendo que o mais venturoso seria o ateniense Telos, pois foi cidadão de uma boa cidade, era remediadamente rico, seus filhos viveram para dar-lhe netos (algo não necessariamente normal na época), morreu defendendo a cidade e teve o sepultamento pago pelo erário. Desgostoso com a resposta Croisos pergunta quem então seria o segundo mais afortunado dos homens. E Sôlon responde que considera serem os irmãos argivos Clôbis e Bíton, ambos vencedores de competições atléticas, que diante da imprescindível necessidade de sua mão ser levada por uma parelha de bois a uma festa consagrada a Hera, e vendo-se sem bois, atrelaram-se ao jugo e a puxaram até o templo por cerca de oito quilômetros. Honrada desta forma, a mãe pede à deusa que seus filhos tivessem a maior ventura possível para os homens. E, depois oferecerem os sacrifícios e banquetearem, os irmãos adormecem para nunca mais despertarem – indicado que é melhor para o homem estar morto que vivo.


Irritado com o que considera uma desconsideração a sua fortuna, Croisos ouve de Sôlon a moral dos exemplos dados: (a) A roda da fortuna gira (“o homem é apenas incertezas”), e ninguém pode assegurar que a fortuna (felicidade) presente pode perdurar. Logo, só podemos afirmar se alguém foi afortunado (olbios) após sua morte – é preciso “olhar para o termo de cada coisa, e ver como ela findará” (enquanto vivo, o máximo que um homem pode dizer é que tem sorte (eutuchea)). Incapaz de entender a sabedoria das palavras de Sôlon, Croisos o mandou embora.


Croisos violou duas das mais importantes máximas da vida grega: nada em excesso (medenagan) e conheça a si mesmo (gnothiseauton), e aretribuição divina (nêmesis) virá com a perda de seu filho (Átis) e de seu reino. Croisos sonha com a morte de Átis perfurado por uma lança, a partir de que proibi o filho de expor-se a tal perigo. Porém, cede ao pedido do filho de caçar um enorme javalis que aterrorizava a região, e Átis morre acidentalmente atingido pela lança de Ádrastos (nota: o nome Átis indica cegueira, Ádrastos indica “aquele que não pode escapar”, e o javali é a imagem do espiritual perseguido pelo temporal). Croisos, em sua arrogância, cometeu duas presunções fatais: que pode entender o significado dos sonhos e controlar o destino.


Após dois anos de luto pela morte do filho, Croisos faz perguntar ao oráculo de Delfos sobre seu intento de invadir o território de Ciros, Rei da Pérsia, obtendo como resposta que se ataca-se os persas ele, Croisos, destruiria um grande império. A arrogância de Croisos novamente o impede de entender a ambiguidade da resposta, ele ataca a Pérsia e é derrotado. Ciros ordena que Croisos seja queimado vivo, já na pira ele clama três vezes por Sôlon. Ciros questiona quem é Sôlon e ouve de Croisos sobre o sábio conselho que recebeu do ateniense. Ciros manda apagarem o fogo, mas este só expira com a chuva enviada por Apolo ao ouvir os apelos de Croisos. Questionado por que mentira para ele, o deus responde a Croisos que este deveria ter questionado qual império seria destruído, e recorda-o que paga pela transgressão do seu ancestral Giges.


A narrativa da queda de Croisos guarda grande semelhança com a temática e estrutura da tragédia grega: (a) Croisos cai de uma posição de alta eminência para a miséria, (b) Croisos não faz o mal intencionalmente mas comete erros de julgamento (harmartia aristotélica) – Croisos esquece sua condição humana e acredita-se acima do destino (húbris).


Como o mais rico dos reis do leste, Croisos é o perfeito representante da opulência da região e seu contraste com austeridade cultural grega. Herôtodos também aproveita para recordar aos leitores que riqueza não é garantia de felicidade para pessoas ou cidades, que os excessos humanos podem ter consequências graves, e articula temas que reverberam ao logo da História (a incerteza inerente a condição humana, a inveja dos deuses (resposta a húbris humana), e a incerteza da felicidade).


Ciros foi o primeiro governante persa a conquistar outras nações e dar início a construção de um império – antes dele os persas eram subordinados aos medos (medos e persas são etnicamente relacionados aos povos iranianos – os gregos denominavam estes povos como medos). Ciros torna-se rei da Ansã, principal cidade de Pérsia, em 559 a.C. e em 550 a.C. destrona Astiages e subjuga os medos. Seguem-se as conquistas da Lídia de Croisos em 547-546 a.C. e da Babilônia em 539 a.C. (Herôdotos não menciona a crítica liberação dos judeus para retornarem a Jerusalém em 538 a.C.).


Herôdotos empresta a Ciros (o primeiro rei arquêmenida – ancestrais do lendário Aquêmenes) uma origem repleta de elementos mitológicos similares aos heróis gregos (e.g. Odisseu, Jasão, Agamêmnon e Héracles) – tais origens são típicas da tradição oral. Como primeiro rei da Pérsia, Ciros assim ganha uma imagem larger-than-life, reforçando a ideia de que indivíduos são a força motriz dos grandes eventos.


Ciros morre em 530 a.C., sendo sucedido por seu filho Cambises que reinará até 522 a.C.. Herôdotos é a principal fonte de informações sobre o seu reinado, pintando-lhe uma imagem de louco. Porém Cambises governou a Babilônia antes e depois da morte de Ciros, invadiu o Egito (526 a.C.), foi coroado faraó (525 a.C.) e lá ficou pelos próximos três anos para consolidar seu governo.


Livro II: Continua a descrição do Império Persa e suas conquistas com foco Egito (anexado ao império por Cambises, filho de Ciros).


Herôdotos versa sobre o Egito em sua mais longa digressão etnográfica na História, justificando-a pela quantidade de maravilhas (thômasia – naturais e antrópicas) do país. Refletindo também a reverência grega a idade e sabedoria que reconheciam no Egito – paradoxalmente muitos dos costumes, crenças e práticas egípcias funcionavam de forma invertida na Grécia.


Entre as maravilhas naturais destaca-se o Nilo, e animais reais (crocodilo e hipopótamo – com muitos dados incorretos) e míticos (fênix e cobras aladas). Naturalmente as pirâmides sobressaem-se entre as atrações antrópicas – ele estima seus tamanhos corretamente, mas erra por 2 mil anos sua idade. Os informantes passaram a Herôdotos interpretações totalmente inexatas sobre os hieróglifos, provavelmente porque os seus significados já estavam perdidos aos egípcios.


Quanto aos costumes Herôdotos enfatiza aqueles que diametralmente opostos aos gregos e nos que foram adotados na Grécia. Entre os opostos destacam-se: (a) no Egito são as mulheres que trabalham fora e os homens ficam em casa tecendo, (b) as egípcias urinam de pé e os homens sentados, e (c) os egípcios deixam o cabelo crescer quando em luto. Herôdotos considera o modo grego normal e o egípcio invertido.


Os egípcios afirmam terem descoberto ou inventado o ano dividido em doze meses, altares, imagens, templos, e esculturas. Também descobriram os nomes (epônumias) dos deuses, provavelmente referindo-se aos seus atributos essenciais, já que os nomes dos deuses eram diferentes. Herôdotos acredita que os egípcios eram o povo mais antigo por terem memórias mais antigas que os outros povos (não considera eventual não-tradição oral, ou perda de registros), e que as culturas antigas ensinam as novas (não imaginava as culturas desenvolvendo-se independentemente, nem na mútua influência cultural). Logo, para ele, soaria natural que os egípcios tivessem “descoberto” os deuses antes dos gregos.


Isto ajuda a explicar porque Herôdotos adota a versão egípcia da história de Helena (que nunca estivera em Troia mas sim no Egito). Sua metodologia baseada no arrazoado e probabilidades também substanciam esta postura (afastamento da tradição mitopoética).


Após estimar a antiguidade do Egito listando 330 reis entre aproximadamente 3000-700 a.C., Herôdotos aborda os eventos da dinastia Saite (da cidade de Sais – 26ª dinastia – 664–525 a.C.), período em que havia interação entre gregos e egípcios, encerrando os relatos sobre reis egípcios com a expedição de Cambises para conquistar o Egito.


Livro III: Segue com o Império Persa, concentrado na ascensão e governo de Dareios (Dario), sucessor de Cambises.


Após conquistar o Egito, Cambises quase imediatamente inicia uma expedição para a Etiópia, porém não providenciou a necessária logística alimentar e a expedição foi um desastre (historiadores modernos acreditam que as informações sobre o insucesso da expedição são exageradas). Os egípcios celebravam a aparição de um bezerro Ápis (divindade egípcia), Cambises crê estarem comemorando seu fracasso na Etiópia e fere mortalmente Ápis.


Herôdotos acredita que Cambises enlouquecera, realizando diversos atentados contra a norma e a moral: (a) ordena a morte de seu irmão Smêrdis após sonhar que este tomaria seu trono, (b) casa-se com duas irmãs e mata uma delas, (c) comete inúmeros atos de crueldade contra os persas, e (d) manda matar Croisos quando este sugere-lhe moderação.


Voltando para Pérsia, onde dois magos (sacerdotes zoroastristas) organizavam um levante usando um impostor posando de Smêrdis, Cambises fere-se mortalmente ao subir seu cavalo (sua espada penetra o mesmo local – coxa – onde ferira o Ápis). Recordando um sonho premonitório de sua morte, Cambises reconhece que “nenhuma força da natureza dada pelo homem pode ter a pretensão de mudar o curso do destino” – Cambises (522 a.C.) morre sem deixar herdeiro.


Nobres persas descobrem a verdadeira identidade daquele que se passava por Smêrdis (filho de Ciros) e matam os dois magos usurpadores. Estes nobres então discutem qual forma de governo deveria ser implementada (Debate Constitucional – considerado impossível pelos historiadores tanto na forma do debate quando na defesa da democracia, a isonomia, expressa no texto, só seria implementada por Clístenes em Atenas após uma década):


(a) Otanes pleiteou entregar o governo ao povo. Inicia apontado defeitos da monarquia – causadora de inveja (phthonosnos governados) e húbris (do rei) – e afirma que o “governo por muitos” (ele não usa a palavra democracia) carrega o mais belo dos nomes: isonomia (igualdade perante a lei). Os governantes seriam apontados por sorteio, considerados responsáveis por seus atos, e suas políticas apresentadas para debate em assembleias populares.


(b) Megábizos propõe uma oligarquia. Ele concorda com os problemas apontados da monarquia, mas considera a democracia igualmente ruim, porque a multidão é insensata e insolente. E recomenda entregar o poder para uns poucos escolhidos entre os melhores homens.


(c) Finalmente, Dareios recomenda manter a monarquia. Concorda com Megábizos sobre os problemas da “democracia”, mas vê problemas similares na oligarquia que leva a formação de feudos (e a democracia ao facciosismo) com a consequente guerra civil e retorno da monarquia.


Os sete nobres decidem pela monarquia e concordam em se encontrarem, montados em seus cavalos, ao raiar do sol. Aquele cujo cavalo relinchasse primeiro seria rei. Dareios não quis correr riscos e com a ajuda de seu cavalariço trapaceia (uns dizem que fez seu cavalo cobrir uma égua no local na noite anterior para que ele relinchasse lá chegando novamente na manhã seguinte, outros que ele passou secreções de uma égua na mão e esfrego-a nas narinas do cavalo), mas neste momento também deu-se um trovão e raio no céu claro como aprovação dos deuses para o reinado de Dareios (reinado 521-486 a.C.) apesar da trapaça.


Herôdotos afirma que Dareios não encontrou resistência na sua ascensão, mas registros persas falam de revolta em vários reinos, com a consolidação do poder no final de 521 a.C. – estudiosos consideram a consolidação de poder de Dareios como a real criação do Império Persa.


Dareios organizou o reino de forma complexa e sofisticada, administrada desde quatro cidades reais (Susa, Ecbátana, Pasárgadas e Persépolis) e organizada em províncias (satrapias). O comando (sátrapa – normalmente um parente do rei) de cada satrapia(vinte no total) era apontado pelo rei, que podia trocá-lo quando bem entendesse. O sátrapa era monitorado por oficiais conhecidos como “ouvidos e olhos do rei”, e as satrapias deviam um tributo fixo anual. A administração do império dependia do famoso sistema de estradas reais que permitia, entre outras coisas, um eficiente sistema de correio.

Uma vez organizado seu império, Dareios voltou-se para sua expansão.


Livro IV: Examina as campanhas de Dareios na Cítia e Líbia, apresentando dados etnográficos de ambas nações.


A expansão territorial persa alcança a Índia por volta de 518 a.C., e em 513 a.C. Dareios marcha em direção ao noroeste contra a Trácia e a Cítia, e sudoeste contra a Líbia. Dareios junta sua frota das ilhas egeias e cidades iônicas que já estavam sob domínio persa. Para cruzar o Bósforo constrói uma ponte flutuante com 200 barcos (o trecho mais curto do estreito tem 500m), enquanto a frota alcança o rio Danúbio onde constrói outra ponte – demostrando confiança na conquista na região. Porém os citas eram nômades (não tinham cidades ou lavoura para defender) e triunfaram na estratégia de atrair os persas cada vez mais para o interior através de sucessivas retiradas até que os persas ficassem sem suprimentos e se retirassem, encerrando a expedição cita.


Esta teria sido a primeira tentativa de um monarca da Ásia em conquistar parte da Europa, e também o primeiro fracasso. Aparentemente Herôdotos traça um paralelo dos problemas enfrentados por Cambises no Egito e, principalmente, Dareios na Cítia com o futuro insucesso das tentativas persas de invasão da Grécia.


Em muitos sentidos os costumes dos citas são apresentados por Herôdotos como uma antítese dos egípcios, e em outros como um paralelo destes. Ambas sendo retratadas como os limites norte e sul das estranhezas do mundo conhecido.


Livro V: Aproxima a narrativa das Guerras Médicas descrevendo a revolta dos iônicos contra o governo persa (499-494 a.C.). A ajuda ateniense aos iônicos atrai a atenção e inimizade de Dareios com Atenas.


Em 499 a.C. várias pólis gregas da Iônia se rebelam contra o domínio persa. Segundo Herôdotos a revolta inicia-se quando Aristagoras (temporariamente tirano de Miletos na posição de Histíaios) busca ajudar ricos gregos de Naxos (que haviam sido expulsos de lá) enviando uma frota para atacar a cidade. A expedição é um fracasso e, temendo perder sua posição em Miletos, Aristagoras (com o incentivo de Histíaios) volta-se contra os persas, iniciando a rebelião que logo se espalha pela Iônia.


Aristagoras solicita ajuda aos espartanos e atenienses, sendo que os últimos respondem favoravelmente (os atenienses enviam vinte barcos e Erétria, pólis vizinha de Atenas, envia mais cinco embarcações). Desembarcam em Efêsos e marcham até Sárdis que saqueiam e incendeiam – é a única participação ateniense no conflito. Os persas reagem e retomam controle da região após a Batalha de Lade em 494 a.C., Aristagoras foge para Trácia, onde morre, e Miletos é saqueada. A versão de Herôdotos é contestada, e historiadores modernos atribuem a revolta ao pesado jugo persa (incluindo taxação abusiva) sobre os iônios.


Enviados atenienses, em busca de uma aliança, teriam prometido “terra e água” – simbolizando vassalagem – a Dareios em 507 a.C., o que tornaria a intervenção ateniense na Iônia um ato de rebelião contra os persas. O incêndio de Sárdis enfureceu Dareios que jura vingança contra Atenas.


Livro VI: Começa a narrativa da guerra com a invasão persa em 490 a.C. e a derrota de Dareios na Batalha de Maratona.


O desejo de vingança de Dareios culmina com a primeira invasão da Grécia em 490 a.C. Antes Dareios havia enviado seu genro atacar a Macedônia e na ilha de Tasos, porém uma tempestade destruiu a frota, encerrando a expedição.


A nova expedição, comandada por Datis e Artafernes, era composta de não mais que 20 mil homens – demonstrando que os persas provavelmente não esperavam grande resistência (Dareios esperava instaurar Hípias como tirano de Atenas e contava com algumas pólis que aceitaram o jogo persa e outros simpatizantes de sua causa – chamados de mendizers).


Os atenienses, reforçados com guerreiros de Plataea (somando 10 mil homens), surpreendem os persas na planície de Maratona e, em grande parte graças a disciplina de suas falanges de hoplitas impõem grande derrota ao invasor – 6.400 persas morreram, contra apenas 192 atenienses. Os persas fogem para seus barcos e navegam em direção a Atenas, mas o exército ateniense regressa a tempo de inibir o ataque persa (Herôdotos não cita o feito do guerreiro Fidípides que correu os 42 quilômetros de volta a Atenas para anunciar a vitória).


A vitória em Maratona mudará o destino de Atenas. Os Marathônomachai (os lutadores de Maratona) assumem status lendário – os veteranos de Maratona serão mais tarde citados como exemplos dos “valores dos velhos bons tempos” (era um orgulho ter um veterano na família). Atenas começa a considerar-se salvadora de Grécia.


Livro VII: Detalha a preparação de Xerxes, filho e sucessor de Dareios, e sua jornada à Grécia, incluindo a Batalha de Termópilas e o início da Batalha de Artemísion.


Após a derrota em Maratona, Dareios começa a planejar uma segunda expedição a Grécia, mas, em 486 a.C. morre antes de completar o intento. Seu filho Xerxes assume o trono e volta sua atenção às revoltas no Egito e Babilônia, retardando os planos de retornar à Grécia.


Após alguma hesitação a decisão de atacar a Grécia vem a Xerxes num sonho. A ideia é invadir a Grécia em duas frentes: mar e terra. Herôdotos fala em uma força de 2.641.610 homens, mas tudo indica ser uma confusão entre os nomes de comandos de 1.000 e de 10.000 homens – a força de ataque seria composta de 264.000 homens (recrutados ao longo de todo Império Persa, incluindo 10.000 Imortais, guarda pessoa de Xerxes). A frota era formada de 600 a 800 naus.Seria a maior força armada até então, superior a qualquer exército de todas as guerras anteriores.


Além da fantástica força invasora, Herôdotos também realça a arrogância e crueldade de Xerxes para denotar o grande perigo com o qual a Grécia se deparava: (a) constrói uma ponte flutuante de barcos atados no estreito de Helesponto (atual Dardanelos), provavelmente no ponto mais estreito (1,2 quilômetro); (b) manda matar os engenheiros que construíram a primeira ponte ao ver esta destruída por uma tempestade; (c) imediatamente manda matar o filho de um rico lídio quando este pede para não recrutá-lo, sendo que os outros quatro de seus cinco filhos já estavam no exército de Xerxes.


Em 481 a.C. enviados persas haviam assegurado a lealdade de várias pólis gregas, sendo que nunca fizeram tal oferta para Atenas e Esparta – indicando que não teria piedade para com ambas. Em face ao perigo, Esparta inicia a formação de uma Liga Helênica de resistência. As pólis envolvidas acordam o enceramento temporário das animosidades entre elas e declaram guerra aos persas – várias pólis antes leais a Pérsia rompem com esta e juntam-se a Liga.


A segunda Guerra Médica eclode com duas batalhas cruciais: Termópilas (terra) e Artemísion (mar). Ambas ocorrem nos mesmos dias e em localidades próximas, assim escolhidas para facilitar a comunicação.


As tropas espartanas, comandadas pelo rei Leônidas, escolhe os Portões de Termópilas para reter os persas por ser uma passagem estreita (pouco mais de 18 metros) entre montanhas íngremes e um declive acentuado para o mar. Os gregos a fortificaram com uma muro. Herôdotos reporta um total combatentes e não-combatentes de 5.283.220 homens no exército de Xerxes (sabemos que o número é superestimado), enquanto os gregos contariam um total de 6.000 a 7.000 homens, liderados pelos 300 hoplitas espartanos. Antes da batalha as tropas gregas têm uma crise de confiança: os peloponenses querem recuar até o istmo de Corinto, o que é veementemente rechaçado por fócios e locrians – Leônidas decide ficar e envia pedidopor reforços. As forças gregas desconheciam o caminho através das montanhas que circundava os Portões de Termópolis, e provavelmente esperavam resistir até a chegada dos reforços.


Xerxes espera quatro dias na expectativa que os gregos recuassem. No quinto dia ataca, sem conseguir quebrar a defesa helena nos primeiros dois dias – os gregos impuseram tamanhas perdas aos persas que Xerxes, que assistia o embate, saltou três vezes de seu assento em terror – os gregos deixam claro que os persas tinham muitos homens mas poucos guerreiros.


Mas no terceiro dia o traidor grego Epialtes indica aos persas o caminho entre as montanhas, acabando com as esperanças gregas. Leônidas dispensa a maior parte de suas forças tão logo entende a situação – permanecem apenas os 300 espartanos, 900 helots (hilotas)e 700 téspios (não mais que 1.900 guerreiros). Os gregos são dizimados após defenderem-se com suas espadas mãos e dentes (os persas preferiram atirar flechas de longe), impondo numerosa baixa ao inimigo, incluindo dois irmãos de Xerxes.


Herôdoto evoca os mitos homéricos (a busca de kleos, e luta pelo corpo do rei e posterior profanação do mesmo) e de Héracles (descendência) no tratamento dispensado a Leônidas. A falta de testemunhas helenas indica que o autor aqui comporta-se mais como um aedo do que um historiador (efeito do que chama-se “interesse nacional”).


Os mortos helenos foram enterrados no campo de batalha, epitáfios foram-lhes dedicados e ali colocados. Entre os mais destacados estão: “Aqui um dia quatro mil peloponesos lutaram bravamente contra três milhões.”; e “Dize aos lacedemônios, estrangeiro: aqui jazemos em obediência a suas leis.”


Em 1922 o poeta inglês A. E. Housman presta a seguinte homenagem aos lacedemônios:

The King with half the East at heel is marched from lands of morning;
Their fighters drink the rivers up, their shafts benight the air.And he that stands will die for nought, and home there's no returning.

The Spartans on the sea-wet rock sat down and combed their hair.”
(Last Poems – The Oracle)

Livro VIII: Segue a narrativa da Batalha de Artemísion e culmina com a crucial batalha naval de Salamina.


Em paralelo a derrota em Termópolis, os gregos, liderados por Atenas, conquistavam uma importante vitória parcial na batalha naval de Artemísion. Após dois dias de batalha, os gregos são favorecidos por uma tempestade “enviada pelo deus” que destrói parte da frota persas. E no terceiro dia de batalha, tendo recebido reforços, os atenienses impõe pesadas perdas à frota de Xerxes, tendo também sua frota bastante danificada. Ao tomarem conhecimento da derrota em Termópolis, os gregos recuam para dar suporte às futuras linhas de defesa.


Apesar da vitória, o tratamento dispensado por Herôdoto a Temístocles (ateniense, organizador da vitória), diferentemente que o concedido a Leônidas, é bastante desfavorável. É provável que o erro de Temístocles seja ter sobrevivido as Guerras Médicas e ter-se desgraçado politicamente em Atenas nos anos seguintes.


Após as batalhas de Termópolis e Artemísion, os persas avançam vigorosamente em direção a Atenas. As cidades no caminho que não se submetiam a Xerxes eram devastadas. Um destacamento das tropas dirigiu-se a Delfos para saquear o templo, mas Herôdotos conta-nos que Apolo, através de grandes prodígios, os expulsou.


O exército persas aproximava-se de Atenas, a situação era crítica: as forças gregas lideradas por Esparta concentravam-se na defesa do istmo de Corinto, deixando Ática e Atenas a sua própria sorte. A Liga porém atende a solicitação dos atenienses de enviar a frota grega liderada por Esparta para as ilhas de Salamina. Herôdotos informa que neste momento, sem planificação anterior, os atenienses decidem evacuar a cidade – as informações dos oráculos de Delfos e o desaparecimento da cobra sagrada do templo de Atenas (a deusa teria abandonado a cidade) teriam também estimulado esta decisão. Porém o Decreto de Treze (ou de Temístocles) encontrado em 1959 indica que a decisão teria sido tomada antes: evacuação dos não-combatentes e envio de 100 navios para Artemíson e outros 100 para Salamina (a autenticidade do decreto é objeto de debate).


Os gregos debatiam se deviam lutar em Salamina ou recuar até o istmo de Corinto quando chega notícias do saque de Atenas e a queima da Acrópole. Alguns comandantes fogem imediatamente, mas Temístocles convence o comandante espartano Euribiades a ficar e lutar, Durante as discussões um coríntio escarnece de Temítocles por ser um homem sem pólis, e ouve do ateniense que enquanto houver as naus e os atenienses haverá Atenas (Atenas seria uma ideia). Apenas um comandante persa recomendou evitar o embate em Salamina (a rainha do Halicarnasos, Artemisia – assumira a posição de tirana com a morte do marido) – mas ela não é ouvida. Herôdotos menciona que simultaneamente com o ataque em Salamina, cartaginêses, aliados de Xerxes, atacaram as colônias gregas na Sicília. Alguns historiadores acreditam numa ofensiva coordenada, o que indicariam que os planos de conquista persas eram mais ambiciosos que apenas a desejada vitória na Ática e no Peloponeso.


A estreiteza dos canais de Salamina e maior agilidade dos barcos gregos deram-lhes uma grande vitória. Xerxes deixa Mardônios comandado o exército e recua com a frota para o Helesponto temendo que os gregos destruam sua ponte (porém ela já fora destruída por uma tempestade).


Livro IX: Conclui a obra descrevendo as Batalhas de Platéia e Micale, e consequente retirada persa.


A narrativa das Guerras Médicas acaba com decisivas derrotas persas em Platéia e Micale. Mardônios ataca novamente Atenas, mas em duas instâncias oferece a paz à cidade, sendo recusado pelos atenienses. Estes pedem ajuda à Liga Helênica, ameaçando Esparta de aceitar a oferta persa caso não recebessem apoio. Esparta e Tegéa, lideradas por Pausânia, finalmente encontram-se com o exército persa em Plateia impondo-lhes a derrota – Mardônios é morto, mas Pausânia recusa-se a profanar seu corpo como Xerxes fizera com Leônidas.


No mesmo dia ocorre a batalha naval de Micale, onde a frota grega, comandada pelo rei espartano Leutiquedes, alcança a frota persa acampada no Cabo Micale, próximo à ilha de Samos. Destruindo seu acampamento com o auxílio de iônios que desertaram do contingente persa (Herôdotos considera a “segunda revolta iônia”).


 

O uso de indivíduos e suas ações como explicação para eventos históricos é um dos elementos característicos da metodologia de Herôdotos – uso de impulsos e desejos pessoais no lugar de causas econômicas, políticas e sócias para explicar eventos históricos (e.g. Aristagoras e Histíaios impulsos pessoais ao invés da crescente taxação persa como explicação da revolta iônia). Este método está em linha com as explicações do autor no início da narrativa (ver epígrafe acima).


Três tipos de indivíduos são recorrentes ao longo da narrativa:


Consultor sábio (dividido em dois grupos): (a) admoestador trágico avisando de falhas vindouras, frequentemente a monarcas (e.g. Sôlon tenta avisar Croisos sobre a roda da fortuna); (b) admoestador prático, como Temístocles recomendando os atenienses a construírem barcos com o arrecadado com a mina de prata. Uma subcategoria de consultor sábio seria pessoas com pouco poder e autoridade, como mulheres e reis depostos (e.g. Gorgó, filha de oito de Cleomenes – rei de Esparta, aconselha o pai a afastar-se de Aristagoras para não corromper-se – V-51).


Rei arrogante: são numerosos os reis excessivamente orgulhosos (húbris), e.g. Croisos, Cambises, Dareios e Xerxes.


Mulher autoritária: a maioria das mulheres com elevado grau de poder são orientais, e.g. esposa de Candaules (orquestra a morte do marido e desposa Giges), Tômiris (rainha dos massagetas que derrota Ciros) e Artemisia (rainha do Halicarnassos, comandante de uma das frotas de Xerxes). Mas a espartana Gorgó, filha de Cleomenes e, depois, esposa de Leônidas, também se destaca.


O fato das fontes de Herôdotos serem eminentemente orais explica, ao menos parcialmente, esta metodologia calcada em indivíduos, pois, na tradição oral, anedotas pessoais são os fatos.


 

Herôdotos não exclui o sobrenatural e os deuses de sua História, apesar de não figurarem como personagens sua presença é constante, e suas ações afetam os eventos humanos. Os homens vislumbram a presença divina (a) de forma direta através de sonhos, oráculos e presságios, e (b) indiretamente através da razão.

Erros humanos são castigados pelos deuses (retribuição divina) que pode afetar várias gerações (maldição hereditária – karma). O destino (e roda da fortuna) também intervém na História, e Herôdotos dá-lhe tratamento similar ao observado nas tragédias, especialmente nas de Sófocles.


 

O trabalho de Herôdotos claramente contém elementos mais associados à literatura que à história – mais do que o arranjo ordenado e sequencial de dados, História contém elementos simbólicos. Esta diferenciação entre história e literatura aparece apenas várias gerações depois, e dificilmente foi sequer considerada pelo autor e seus leitores.

Herôdotos definiu o curso da historiografia em dois aspectos: (a) define que eventos humanos do passado recente merecem ser registrados em detalhe, com particular atenção a suas causas, e não a mera listagem de acontecimentos; e (b) entre estes eventos ele dá destaque a guerra.


 

Herôdotos demonstra não confiar em Homero como fonte histórica, preferindo apoiar-se nas versões asiáticas, ou seja, afasta-se da tradição mitopoética grega em prol de concepções mais pragmáticas alinhadas ao senso comum – é a destruição do mito por uma mitologia racionalizada.


A profunda preocupação de Homero com a etiologia da desordem, sua análise sutil que tentava explicar precisamente por que tal desatino ocorrera estavam aparentemente perdidas em Herôdotos – claro sintoma da decadência da civilização helênica. Apenas uma geração antes, Ésquilo ainda se movia no nível espiritual de Homero. Mas passadas algumas décadas, Herôdotos, autor admirado e popular em Atenas, não era mais capaz de compreender Homero – quem então seria capaz? Era um sinal do declínio espiritual e intelectual que abateria Atenas de forma rápida e terrível.


 

Seguem algumas das curiosidades etnográficas relatadas por Herôdotos ao longo da História (livro-capítulo):


I-94: Os lídios prostituíam suas crianças do sexo feminino. Foram os primeiros a cunhar moedas de ouro e prata, e a vender mercadorias a varejo. Também inventaram o jogo de dados, ossinhos e bola, assim como outros passatempos para iludir a fome.


I-105: Os citas que saquearam o templo de Afrodite Celeste foram castigados pela deusa com a “doença feminina”, eles e seus descendentes passaram a ser chamados de enárees, ou efeminados.


I-133: Os persas discutiam e deliberavam sobre assuntos relevantes quando embriagados. No dia seguinte o dono da casa onde ocorrerá o evento chamas os convivas já sóbrios para aprovar ou não as deliberações. Quando deliberam sóbrios, reexaminam a questão embriagados.


I-136: As crianças persas são educadas dos cinco aos vinte anos, e apreendem apenas três coisas: montar a cavalo, manejar o arco e a flecha e dizer a verdade.


I-196: Na Babilônia, todos os anos, as mulheres que atingiam a idade núbil reuniam-se diante de uma multidão de homens. Um pregoeiro público as leiloava para casamento começando pela mais bela. O dinheiro arrecadado com as belas era então oferecido aos homens que contraísse matrimônio com as feias (leilão reverso).


I-197: Os babilônios não tinha médicos. Os doentes eram levados à praça pública e os transeuntes eram obrigados a perguntar sobre sua condição, oferecendo recomendações caso tivesse conhecimento dos sintomas.


I-199: Todas as mulheres babilônicas eram obrigadas uma vez na vida a ir a um templo de Afrodita (Milita na Babilônia) e só podiam de lá sair após ter relações sexuais com um desconhecido. O estranho aproximava-se e atirava qualquer quantia de dinheiro nos seus joelhos e a levava para fora para ter relações (o dinheiro ficava no templo). As belas se desvencilhavam da obrigação com rapidez, porém as feias ficavam as vezes até quatro anos esperando que alguém as levasse. Herôdotos considerou esta prática indecorosa.


I-216: Entre os masságetas (povo nômade iraniano) cada homem se casa com uma mulher, mas as mulheres pertencem a todos. E quando alguém morre de velhice (sem doença), os parentes cozinham suas carnes junto com outras de rés e banqueteiam.


II-65: O castigo para quem mata, intencionalmente ou acidentalmente, um íbis ou falcão no Egito é a pena de morte.


II-66: Os moradores de uma casa egípcia onde morre um gato raspam apenas as sobrancelhas, e onde morre um cão todo o corpo e a cabeça são raspados.


II-77: Os egípcios pensam que todas as doenças chegam aos homens através dos alimentos que eles ingerem. Herôdotos creditava a boa saúde dos egípcios a estabilidade climática, pois acreditava que a causa principal das doenças era a mudança de estação.


II-80: Assim como na Grécia (exceção da Lacedemônia), os jovens egípcios dão preferência de passagem e assento aos mais velhos.


II-82: Baseando-se no dia do nascimento de um egípcio pode-se dizer o que a sorte lhe reserva, qual a morte que o espera e qual o seu caráter (os helenos dados à poesia também utilizavam estes conhecimentos).


II-84: A medicina no Egito é dividida em especialidades; cada médico trata de uma doença. E todo o território é cheio de médicos.


II-89: As mulheres de grande reputação ou beleza são embalsamadas apenas passados três ou quatro dias de sua morte para evitar que os embalsamadores abusem sexualmente do cadáver.


II-164: Os egípcios eram divididos em sete classes distintas: sacerdotes, guerreiros, vaqueiros, porqueiros, negociantes, intérpretes e barqueiros.


II-177: Âmasis deu aos egípcios uma lei segundo a qual todos deviam anualmente informar ao governo de sua provícia quanto dispunha para sua sobrevivência. Quem não o fizesse ou não comprovava a origem honesta de seus bens era punido com a morte.


III-38: Herôdotos confirma a loucura de Cambises por sua atitude desrespeitosa com as coisas sagradas e instituições alheias. E recorda um poema (hoje perdido) de Píndaro: “Costume, rei de todos, mortais e imortais.


III-101: Os indianos copulam ostensivamente, como gado.


IV-32: Homero cita os hiperbóreos no poema (perdido – temos apenas poucos fragmentos) Os Epígonos.


IV-61: Dada a escassez de madeira na Cítia, seus habitantes usavam os ossos dos animais abatidos como lenha para cozer suas carnes desossadas.


IV-61: Os citas sacrificavam um de cada cem prisioneiros de guerra. Após aspergir libações de vinho sobre sua cabeça a vítima era degolada sobre um vaso e derramavam seu sangue sobre uma espada de ferro simbolizando o deus correspondente a Ares. Também cortam o braço direito da vítima e o atiram para o alto; após a cerimônia todos se retiram e o braço é deixado onde caiu.


IV-64/65: Os guerreiros citas bebiam sangue da primeira vítima que faziam em batalha, e levavam a cabeça dos inimigos que matavam para seu rei. Escalpelavam suas peles e faziam dela diferentes utensílios. Os crânios também eram usados como taças para beber.


VI-144: Em Maratona morre Cinêgeiros, irmão do trágico Ésquilo, tendo a mão decepada quando tentava impedir uma nau persa se zarpar em fuga.


VII-143/144: Temístocles convence seus concidadãos atenienses a interpretarem positivamente as previsões do oráculo de Delfos e se prepararem para uma batalha naval em Salaminas. Alguns anos antes havia convencido seus concidadãos a construírem naus de guerra em vez de distribuir entre eles a prata de uma mina recém-descoberta.


VII-208/209: Xerxes envia batedores para observar os gregos em Termópilas. Estes regressam narrando que os espartanso estavam exercitando-se e penteando os cabelos. Xerxes pergunta a Demarátos (rei espartano deposto e aliado aos persas) o que aquilo significava, e Demarátos responde que estavam preparando-se para matar e morrer.


VII-223/225: A descrição do embate final na batalha de Termópolis está entre as mais belas passagens da História.


VII-226: O guerreiro espartano Diecenes ouve dos traquínios que quando os bárbaros disparavam seus arcos o sol era ocultado pela enorme quantidade de flechas, e responde ser esta uma boa notícia, pois os gregos iriam lutar à sombra.


IX-114/121: Herôdotos, ao final da História, agrega o cerco e invasão da cidade Sestos pelos atenienses que crucificam o rei local Artaíctes, cujo antepassado havia sugerido a Ciros deixar suas austeras terras por outras melhores. Ciros descorda dizendo que terras amenas tornam os homens frouxos. Assim, através da anedota de Artaíctes, Herôdotos retorna a Ciros, o primeiro grande rei persa.


 


Notas

  • Herôdotos (cerca 484-420s a.C.) nasceu em Halicarnasso, cidade grega na Ásia Menor.

  • Pouco se sabe de sua vida: viajou muito (alguns historiadores duvidam que tenha visitado dos os lugares que diz conhecer), foi exilado na ilha de Samos em decorrência da luta contra o tirano Lígdamis, morou em Atenas e morreu em Turios (cidade grega no sula da Itália).

  • Considerado o “Pai da História”, por ser o primeiro a descrever eventos humanos (não mitológicos ou heroicos) relativamente recentes explicando suas causas.

  • Antes de Herôdotos havia os logógrafos (escritores de logos – relatos) que narravam sobre costumes dos bárbaros, geografia, mitografia, eventos locais, e tratados cronológicos (complexa tarefa até a data do primeiro jogos olímpicos – 776 a.C. – estabelecer uma referência comum a todas as pólis) – o mais famoso foi Hecateu de Mileto, nenhum de seus trabalhos chegou até nós. A principal inovação de Herôdotos seria explicar as causas dos eventos.

  • Herôdotos combinou o método dos pré-socráticos iônicos (inquérito e razão – busca do entendimento das causas) com a temática abordada pelos logógrafos.

  • A técnica retórica sofística (ser capaz de argumentar os dois lados da questão) concentrava-se em pares opostos. Um destes pares era nomos (lei ou costume) e physis (natureza). Quase todos aspectos da vida humana podem ser debatidos entre estes dois polos. O que é natural e o que é originado pelos costumes? Nomos é uma expressão frequente em Herôdotos.

  • Herôdotos aponta que cada povo acredita que seu nomoi (leis ou costumes) é o melhor e mais natural. Também acredita ser insano desrespeitar as nomoi de outros povos, especialmente as religiosas (e.g. a loucura de Croisos ao ferir mortalmente o bezerro Ápis no Egito).

  • História reflete aspectos da tragédia ateniense, tanto na temática como na estrutura. Segundo a tradição, Herôdoto e Sófocles teriam sido amigos.

  • História já era conhecido em 425 a.C. (não se sabe a data exata de sua publicação). A obra foi escrita num período de grande efervescência cultural, política e militar.

  • Na abertura da narrativa Herôdotos usa a palavra historiês (inquérito ou pesquisa em grego), dando origem a palavra história com outra conotação – o nome correto do livro seria Inquéritos.

  • A história da Grécia divide-se nos seguintes períodos: (a) Idade do Bronze Baixa – 3000-2100 a.C., (b) Idade do Bronze Média – 2100-1600 a.C., (c) Idade do Bronze Alta – 1600-1150 a.C. (florescimento da cultura micênica), (d) Idade das Trevas – 1150-776 a.C. (termina com o primeiro jogos olímpicos), (e) Período Arcaico – 776-490 a.C., (e) Período Clássico – 490-323 a.C.. Herôdotos narra principalmente os eventos ocorridos no Período Arcaico e início do Período Clássico.

  • Barbáros significava estrangeiros para os gregos quando Herôdotos usou o termo. βάρβαρος (barbaros), aquele que não fala grego,possivelmente onomatopeia para bar-bar-bar-bar. Posteriormente alcançou o significado atual (incivilizado, não aculturado).

  • Etnografia: estudo descritivo das diversas etnias, de suas características antropológicas, sociais etc., registro descritivo da cultura material de um determinado povo.

  • A Inscrição de Beistum (descoberta em 1836 – documento mais importante no deciframento da escrita cuneiforme) confirma a narrativa de Herôdotos entre a morte de Cambises a ascensão de Darious.

  • Esparta não teve historiadores, havendo apenas registros escritos por autores estrangeiros.

  • O sistema espartano dependia do trabalho de cidadãos de segunda classe (provavelmente nativos conquistados quando os espartanos chegaram a região por volta do século X a.C.), denominados helots, que não pertenciam a indivíduos mas a comunidade. Trabalhavam nas fazendas e casas dos espartanos, liberando-os de qualquer trabalho manual. Para mantê-los dominados, os espartanos usavam o terror: (a) jovens espartanos (denominados krypteia – sociedade secreta) saiam a noite a matavam impunemente helots randomicamente.; (b) uma vez por ano Esparta “declarava guerra” aos helots e um espartano podia matar um helot impunemente. Havia ainda um segundo grupo de cidadãos da Lacônia (os perioikoi) que viviam em cidades autogovernadas que não tinham os direitos dos cidadãos espartanos, mas pagavam impostos e serviam no exército.

  • Os helots eram muito mais numerosos que os espartanos, e a constante ameaça de rebelião provavelmente direcionou a cultura militar espartana, envolvendo a educação, o matrimônio e a vida familiar.

  • O sistema compulsório de educação (agôgê) removia os meninos de suas casas aos sete anos e os punha para viverem juntos em barracas até a idade de trinta anos. Dos sete aos doze anos estudavam leitura, escrita, música, dança, e, principalmente, exercitavam-se. A alimentação era escassa para estimular a esperteza e agilidade no roubo de comida, sendo castigados se fossem pegos (não por roubarem). Andavam descalços e vestiam apenas uma peça de roupa. Depois dos doze anos o treinamento intensificava-se, e oagôgê terminava aos dezoito anos. Aos vinte anos eram eleitos para uma comunidade onde jantavam todos juntos – apenas após ser eleito para uma comunidade adquiria os direitos de cidadão.

  • As meninas ficavam em casa até o casamento, mas eram educadas para exercitarem-se visando ter filhos saudáveis. Diferentemente de outras pólis, as meninas também aprendiam a ler.

  • Os homens eram obrigados a casar e só viviam com suas esposas após os trinta anos (normalmente casavam com 25 anos – as mulheres com 18 anos – mas seguiam vivendo na comunidade até os 30 anos). Mesmo após os trinta anos, o marido comia com sua comunidade e passava pouco tempo em casa – a lealdade era com a comunidade e não a família.

  • Os soldados gregos (hoplitas – nome vem dos escudos redondos hoplon) lutavam agrupados em phalanx, cujo sucesso dependia da disciplina – Esparta era voltada para formar excepcionais hoplitas.

  • O sistema político espartano era oligárquico, com dois reis (Diarquia) hereditários cujo poder era limitado por grupo de cinco éforos eleitos anualmente (os éforos juravam apoiar os reis sempre que eles seguissem as leis). A mais importante instituição política era a Gerúsia composta pelos dois reis e 28 membros vitalícios eleitos entre os nobres acima de 60 anos. Os membros da Gerúsia e os éforos eram eleitos pela Assembleia (Ápela) composta pelos cidadãos acima de 30 anos que havia terminado o agôgê e eleitos para uma comunidade. A origem deste sistema político é atribuída a Licurgos (legislador de existência incerta que teria vivido no século VIII a.C.) e um obscuro documento denominado Grande Retra (i.e. Grande Proclamação).

  • Isêgoria – igualdade de expressão (termo empregado por Herôdotos ao lado de isonomia referindo-se a Atenas).

  • A narrativa de Herôdotos sobre a batalha de Salamina apresenta diferenças com relação a tragédia Os Persas de Ésquilo, que foi herói em Maratona e provavelmente lutou em Salamina.

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