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Germinal de Émile Zola

Germinal estava a caminho. A vinda da nova semente era inevitável. [...] Um dia, a terra pertenceria a todos, e nenhum homem teria que morrer de fome. – Excerto de Germinal, o delírio prometeico



Personagens Principais Étienne Lantier – protagonista, 21 anos Toussaint Maheu – filho do velho Boa Morte, quarenta e dois anos La Maheude – esposa de Toussaint Maheu, trinta e nove anos Boa Morte (Vicent Maheu) – 58 anos, trabalha nas minas há cinco décadasZacherie Catherine e Jeanlin – filhos dos Maheu que trabalham na mina Alzire, Lénore, Henri e Estelle – filhos pequenos dos Maheu Chaval – amante de Catherine e rival de Étienne Souvarine – anarquista russo, defende "tout raser et tout reconstruire" Pluchart – ex-mecânico, socialista, dirigente da Internacional Rasseneur – dono do cabaré, líder local


Personagens Secundárias Levaque –vizinho do Maheu, casado com La Levaque, pai de Philomène e Bébert Philippe Hennebeau – diretor da Compagnie des Mines de Montsou Madame Hennebeau – esposa de Philippe, amante de Paul Négrel Paul Négrel – engenheiro, sobrinho de Hennebeau, noivo de Cécile Grégoire Dansaert – contramestre da empresa, amante de Pierronne Les Grégoire – família acionista da empresa Pierron – marido de Pierronne, pai de Lydie Pierronne – mulher mais bela do povoado, esposa de Pierron, amante de Dansaert Queimada – mãe de Pierronne Bouteloup – inquilino dos Levaque, amante de La Levaque Maigrat – dono da mercearia Mouque – cavalariço, pai de Mouquet e La Mouquette Deneulin – proprietário de uma mina, pai de Jeanne e Lucien Padre Joire – padre de Montsou, acomodado e distante Padre Ranvier – substituto do padre Joire, luta pelos mineiros



Interpretação

Émile Zola segue os passos de Victor Hugo escrevendo romances com intenções políticas – é um dos pouquíssimos escritores do século XIX que fizeram a sua obra a partir dos grandes problemas da época. Em Germinal ele apresenta de forma sensacionalista e melodramática o contraste entre a difícil vida dos operários de uma mina de carvão e a existência segura e prazerosa de seus empregadores. Neste intento Zola faz uso do feio e do patológico para abalar e comover seus leitores, sendo inúmeras as passagens que provocam repulsa e horror – é o aspecto panfletário do naturalismo zolista.


Alegrias pobres e grosseiras, corrupção prematura, rápido desgaste físico, embrutecimento da vida sexual, e natalidade demasiado elevada (cópula como único deleite gratuito) grassa no meio operário; e por trás disso, no caso dos supostamente mais enérgicos e inteligentes, ódio revolucionário, que se apressa para a eclosão: estes são os motores da narrativa. Eles são postos em evidência sem rebuços, nem diante dos acontecimentos mais feios. A arte de Zola pretende servir à verdade desagradável, opressiva, desconsolada, tendo em mente a incitação para uma ação de reforma social.


Mas se Zola exagera no estilo para sensibilizar a causa dos mineiros, ele também não floreia as alternativas apresentadas. Tanto o socialismo de Pluchart como a anarquia Souvarine são apresentados com cores realistas. Lá estão as falsas promessas e ineficácias da Internacional socialista que só serve de trampolim político e meio de subsistência para seus líderes, bem como o letal niilismo anarquista que tudo destrói sem nada criar. Ambos apostando no pior (quando não o provocando) para avançarem seus planos tão egoístas quanto utópicos.


Em meio aos dois surge Étienne. Na obra de Zola desaparece o herói imitativo alto aristotélico, substituído pela personagem que tem apenas a ideia retórica de moral. Étienne fomenta aquela rebelião em função de sua ideia abstrata do que seria o certo. Ele é a tal ponto afeiçoado ao seu sistema – construído em sua mente – e à sua dedução abstrata que está pronto a deturpar intencionalmente a verdade, a descrer de seus olhos e seus ouvidos apenas para justificar a sua lógica. É o militante que no fundo está visando somente o poder – todas ideologias revolucionárias exigem a posse do poder para implementar o novo mundo que nunca virá, pois ele é contrário à natureza humana.


Os padres que se alternam na região são caricatos e negativos, pois o movimento naturalista, do qual Zola é um expoente, descartava tudo que fosse supernatural, espiritual ou paranormal, acreditando que tudo que existe faz parte da natureza e só pode ser explicado por causas naturais e materiais.


Aparentemente Zola acreditava que caberia ao Estado ajudar os pobres, estimular o desenvolvimento e garantir o crescimento econômico do país – seria um corolário da obrigação de justiça e segurança. Esta ideia data do século XVIII, é oriunda do Mercantilismo e se deduz do imperativo de igualdade surgido com a Revolução Francesa. O mito do Estado foi poderosamente assistido pela literatura romântica e naturalista do século XIX, de homens como Victor Hugo, Zola e Dickens, que nos descreveram sob cores lúgubres as coketowns, as minas de carvão trabalhadas por mulheres e crianças, as favelas imundas e poluídas de Londres e Birmingham, a prostituição e a miséria da migração rural, o universo cruel do “capitalismo selvagem”. O Estado apareceu como um salvador predestinado. Estava empenhado em eliminar essas injustiças, não só porque a maioria assim o exigia num regime democrático, mas porque as próprias classes cultas, dominantes, formadas sob critérios caritativos cristãos, se indignavam com o espetáculo de desigualdades consideradas escandalosas. Mas até onde pode o Estado chegar sem extrapolar suas funções? A história demonstra que independentemente do regime político ele só tende a crescer em benefício próprio explorando seu próprio povo – é Chapeuzinho Vermelho pedindo para o Lobo Mau cuidar da vovozinha.


Zola pintou com cores dramáticas um problema social, mas não esboça nenhum caminho exequível para saná-lo.


O mundo é imperfeito, e não poderia ser de outra forma. Desigualdade de condições espirituais, morais, intelectuais e materiais são inerentes à condição humana. Somente a incessante busca pelas virtudes cardeais pode mitigar esta realidade; coletivismo e anarquia são antagônicas da condição humana, o distanciamento da ordem transcendente predispõe ainda mais o homem aos vícios, e concentração de poder estatal só dificulta a busca por um melhor equilíbrio social. Nada em Germinal aponta para o fomento da prudência, da justiça, da fortaleza ou da temperança, tão pouco se observa a direção na busca do Bom, do Belo e do Verdadeiro. Vivemos tempos melhores quando um maior número de pessoas das elites espirituais, governamentais e empresariais caminham na direção destes valores, mas presentemente a maioria exorta na direção contrária.



 


Notas



  • Émile Zola (1840-1902) nasceu em Paris, França.

  • Romancista, jornalista, dramaturgo, foi o mais destacado integrante do movimento literário conhecido como Naturalismo, uma figura importante na liberalização política da França e na exoneração do oficial falsamente acusado e condenado Alfred Dreyfus, que é encapsulado em seu renomado artigo J'Accuse ...!.

  • O aspecto imanente do movimento literário naturalista foi influenciado pelas teorias biológicas de Charles Darwin (1809-1882), o cientificismo de Auguste Comte (1798-1857), e a aplicação das teorias determinísticas na literatura de Hippolyte Taine (1828-1893).

  • O Naturalismo concentrava-se na apresentação do contexto social, particularmente em seus problemas e mazelas.

  • Os irmãos Goncourt seriam os primeiros a estabelecer o naturalismo na literatura com o romance Germinie Lacerteux (1865) sobre uma pobre servente, muito admirado por Zola.

  • Germinal fui publicado em 1885. A narrativa de se desenrola nas minas de carvão do norte da França nos anos 1860. O título refere-se ao primeiro mês de primavera no calendário da Revolução Francesa, e sugere um futuro melhor para as classes menos abastadas.

  • Germinal faz parte do ciclo de vinte romances cujo conjunto é denominado Les Rougon-Macquart. Zola define assim a diferença entre seu ciclo e a Comédia Humana de Balzac: “Em uma palavra, seu trabalho espelhava a sociedade contemporânea. Meu trabalho será algo completamente diferente. O escopo será mais estreito. Não quero descrever a sociedade contemporânea, mas uma família única, mostrando como a raça é modificada pelo meio ambiente. (...) Minha grande tarefa é ser estritamente naturalista e estritamente fisiologista.” Zola era particularmente interessado na questão da hereditariedade e influência do meio na conduta humana. "A grande característica dos Rougon-Macquarts, o grupo ou família que proponho estudar, é o apetite voraz, a grande explosão de nossa época na busca do prazer. Fisiologicamente, os Rougon-Macquarts representam a lenta sucessão de acidentes referentes aos nervos ou ao sangue, que ocorreria em uma raça após a primeira lesão orgânica e, de acordo com o meio ambiente, determinaria em cada membro individual da raça seus sentimentos, desejos e paixões – resumidamente, todas as manifestações naturais e instintivas humanas – cujo resultado assume o nome convencional da virtude ou vício."

  • Étienne Lantier, protagonista de Germinal, que antes aparecera em L'Assommoir no ciclo Rougon-Macquart, carrega a impetuosidade imprudente dos Macquart, capaz de explodir emocionalmente sob a influência do álcool ou diante de uma forte paixão.

  • Associação Internacional dos Trabalhadores (AIT), também conhecida como Primeira Internacional ou simplesmente Internacional, foi uma organização internacional fundada em setembro de 1864. Foi a primeira organização operária a superar fronteiras nacionais, reunindo membros de todos os países da Europa e também dos Estados Unidos. A organização abrigou, em seu seio, trabalhadores das mais diversas correntes ideológicas de esquerda: de comunistas marxistas até anarquistas bakuninistas e proudhonianos.

  • Jacques Julliard (1933-2023), editorialista do Nouvel Observateur criticava duramente o Partido Socialista, do qual diz que “seu programa não mudou desde a última década do século XIX. …o patronato que continua a combater é aquele do Germinal.”

  • No Brasil contribuiu para a visão paternalista do Estado, a mamãezada. Aqui como em outros países pobres, sob o estímulo das "sociedades exemplares", a missão soteriológica do Estado se completou com a de nos arrancar do subdesenvolvimento. O apogeu desse mito estatal ocorreu na década de trinta quando a esquerda, a direita e o centro democrático,todos três, exaltavam contraditoriamente o Estado e dele se tentavam apossar.

  • A prudência é a virtude que dispõe a razão prática a discernir as circunstâncias, escolhendo assim o meio adequado para realizar algum bem. A justiça, por sua vez, é a virtude que nos orienta a agir de maneira equitativa e a respeitar os direitos dos outros. A fortaleza é a virtude que nos ajuda a resistir às tentações e a perseverar no bem. A temperança é a virtude que nos permite controlar os desejos e paixões excessivas, mantendo a moderação em todas as ações.

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