“na natureza de Zeus há uma alma real e uma inteligência real formadas pelo poder da causa” – Sócrates (30d), somos reflexo de algo que nos transcende
Personagens Sócrates – filósofo Filebo – jovem,discípulo dos partidários do prazer Protarco – filho de Calias, também discípulo dos partidários do prazer
Interpretação
O diálogo discute qual seria o bem supremo do homem: o prazer, como alegam Filebo e Protarco, ou o conhecimento/saber, como afirma Sócrates. Mas a real intenção de Platão supera esta questão, apresentado grandes teses metafísicas: (a) a estrutura bipolar do real, (b) os quatro gêneros supremos, e (c) a Medida suprema como Absoluto – Platão usa o veículo exotérico para resvalar na abordagem de assuntos esotéricos pertencentes a agrapha dogmata (em nenhum outro diálogo platônico a existência de ensinos não escritos fica tão evidente). Platão, assim, apresenta neste diálogo uma teoria metafísica do processo de constituição da realidade – a estruturação ontológica da metafísica do mundo.
(a) O Uno/Um e o Múltiplo compõe a estrutura da realidade, vista por Platão como bipolar e ambígua. Há três níveis antológicos: (a) a ideia/forma genérica, (b) as ideias particulares (formas intermediárias), e (c) a multiplicidade de indivíduos. O caminho entre os polos (a) a (c), descobrindo as variantes de (b), é o da dialética.
Quadro resumo da relação entre o uno e o múltiplo:
(b) O mundo é composto de elementos ilimitados (quantidade – tudo aquilo que varia para mais ou menos sem limite aparente) e limitados (qualidade – definido) – em termos aristotélicos o ilimitado seria a matéria, que é limitada pela forma. As múltiplas limitações dos ilimitados é a dinâmica fundamental da estrutura da realidade. A proporção resultante desta dinâmica é uma mistura que tende ao ideal (sÍnolo aristotélico). Todo o limitado é sempre numérico, o belo resulta de uma determinada limitação do ilimitado (“Essa é a origem das estações e de tudo que é belo: a mistura do limitado com o ilimitado” – 26b).
Dos princípios nascem as formas e das formas as sub-formas e das sub-formas nascem os indivíduos reais e concretos – os princípios estão na mente de Deus.
(c) Este processo (dinâmica) demanda uma inteligência, entidade criadora que limita a potencialidade ilimitada – na perspectiva humana o processo é realizado pela inteligência (corresponde à causa eficiente aristotélica), e na perspectiva cósmica pelo demiurgo, ideia mais próxima que os gregos chegaram de Deus.
Sócrates diz que “todos os sábios estão acordes – por isso mesmo que com isso se engrandecem – em que, para nós, a inteligência é a rainha do céu e da terra.” (28c) - o mundo é o resultado de uma inteligência.
Quadro resumo da classe das coisas que são (gêneros do real):
Tanto o saber quanto o prazer são bens ilimitados, logo nenhum dos dois pode ser denominado como o maior bem do homem – só o que é limitado é concreto. Sócrates alerta para a generalidade da palavra prazer, podendo conter prazeres autocontraditórios, e.g. o prazer do homem em beber versus o prazer do alcoólatra em livrar-se o vício – é preciso definir o que é prazer e distinguir suas múltiplas variáveis. Ele também argumenta a necessidade de um conhecimento prévio para saber que está tendo prazer, pois o homem busca o prazer deliberadamente, diferentemente do animal que o faz circunstancialmente – reconhecer o prazer por oposição do desprazer. Impossível viver com base só no saber ou no prazer – vivemos uma vida da mistura de ambos.
Mas há uma hierarquia, pois o saber, além da conotação variável, é causa geral das outras coisas – o saber está acima do prazer pois também é causa associada ao demiurgo.
O prazer têm várias origens: (a) por recuperação da normalidade/equilíbrio, associada ao corpo (misto), (b) por antecipação, a expectativa de ter algo bom, (c) por recordação, memória de algo bom, e (d) a recordação do que viveu no mundo das formas – o prazer puro.
O maior bem humano é a noção de simetria, de beleza, do certo e errado, e da verdade. É a medida apropriada, a moderação operando sobre o saber e o prazer para gerar o bem humano – nossa inteligência, capacidade de buscar o equilíbrio de todas as coisas. Todas as coisas que estão neste mundo são limitadas por alguma coisa cuja causa é o belo, o bom e o verdadeiro.
As coisas (bens e ações) podem ser melhor formatadas se deixarmos o Bem agir – o Bem formata o mundo. O instrumento de iluminação é a simetria, a proporção, instrumentos de natureza geométrica – lia-se no portal da academia platônica: “Quem não é geômetra não entre!”
Quando consideramos este Bem como a Piedade Divina tornamos Platão cristão.
Quadro resumo da hierarquia dos bens humanos:
Notas
Platão (427-348 a.C.) nasceu em Atenas ou na próxima Egina.
Filho de Ariston, descendente do rei Codro, Perictíone e de um irmão de Sólon do lado materno. Ainda na juventude, recebe o apelido de Platão (“largo”) por razões incertas, mas provavelmente ligadas ao seu tipo físico. Seu nome era Arístocles.
Aos 19 anos torna-se discípulo de Sócrates. Sua obra escrita nos chegou aparentemente completa (26 diálogos são considerados legítimos).
Segundo o matemático e filósofo Alfred North Whitehead (1861-1947), “A mais segura caracterização da tradição filosófica europeia é que esta se constitui de uma série de notas de rodapé a Platão.”
Os subtítulo dos diálogos, e.g. Fedro, sobre o Belo, foram dados por Trasilo no século I, na Biblioteca de Alexandria que então comandava.
Filebo, do prazer é diálogo legítimo, provavelmente escrito na maturidadede Platão, fase da segunda florescência filosófica do autor.
Hedonê é a daemon ou deusa do prazer, filha de Eros e Psiquê – origem da palavra hedonismo.
Em Memorabilia, Xenofonte narra o encontro do jovem Héracles com as daemons Areté (Virtude) e Cacia (Vício). Ambas discursam para que ele a siga. O episódio ficou conhecido como “Héracles na encruzilhada” ou a “educação de Héracles pela virtude”.
O nome academia (escola fundada por Platão) deve-se a localização da escola naquelas que seria as terras de Academo (herói mitológico). O liceu de Aristóteles empresta o nome do bosque consagrado a Apolo Lykeios (Liceu).
Ao discorrer sobre a ligação entre a ideia de música (musicalidade) e seus múltiplos, Platão está empregando termos pitagóricos (o esclarecimento entre o uno e os múltiplos estaria na dinâmica dos números) – assunto da agrapha dogmata.
Simbolicamente o corpo humano é composto pelos quatro elementos (água, fogo, ar e terra), sendo qualquer enfermidade resultante de um desequilíbrio entre estes elementos, e.g. a febre é resultado de excesso de fogo. A causa eficiente (termo aristotélico) da limitação dos quatro elementos para formar a combinação equilibrada (corpo humano) é Deus.
Platão quer recuperar a relação da pólis com a ordem cósmica – renovar a mistura da forma ilimitada da pólis para recuperar sua Atenas (aproximar Atenas da forma pólis ideal).