Personagens Principais Eugénie Grandet – jovem simplória e generosa Félix Grandet – avarento pai de Eugénie Charles Grandet – sobrinho de Félix e primo de Eugénie
Personagens Secundárias Sra. Grandet – esposa de Félix e mãe de Eugénie Manon – empregada da família Grandet Cruchot des Boufons – pretendente e futuro esposo de Eugénie
Interpretação A narrativa gira em torno do embate entre Félix Grandet e sua filha Eugénie.
Félix Grandet é uma personagem fáustica, pois a mescla de oportunismo e sorte com a qual enriqueceu parece proveniente de um pacto diabólico. Tudo para ele converge ao acúmulo de dinheiro, Pai Grandet é monomaníaco por riqueza. Diviniza o dinheiro e através dele exercita o domínio sobre o mundo. Ele simboliza o primado da matéria.
Ele tentará levar sua filha, e única herdeira, para o mesmo caminho, mas Eugénie Grandet é diametralmente oposta do pai – ela representa o primado do espírito. Assim compreendemos seus atos de generosidade ao ajudar o primo Charles dando suas moedas de ouro e ao resgatar as dívidas do tio, protegendo o nome de sua família: o espírito está disposto a ajudar os desejos legítimos (primo que descobre não ter nada e quer recomeçar / honrar nome da família).
Charles Grandet também é subordinado a matéria, mas tem uma diferença quantitativa com relação ao Pai Grandet. Se este vive para acumular riquezas, o primeiro vive para gastá-las em busca de prazeres mundanos. Pai Grandet tem uma visão religiosa do dinheiro e vê como um sacrilégio a atitude perdulária do sobrinho. Daí o horror diante da perspectiva de tê-lo como genro e, portanto, herdeiro com acesso a sua fortuna.
Ao trancar a filha no quarto, Pai Grandet (a Matéria) demonstra não suportar a possibilidade da filha (o Espírito) vazar sua fortuna (vazar a solidez da Matéria). Félix chega a sacrificar sua esposa neste intento (a Matéria exige o sacrifício humano). E tenta agarrar o crucifico no seu último suspiro, última tentativa de dominar o Espírito, mas sem sucesso. Para a Matéria não há futuro transcendente, como Prometeu ela está acorrentada a terra.
Charles também se enganou e surpreendeu-se com a generosidade de Eugénie, pois a Matéria julga mal o Espírito, ela é auto-enganosa, ilude o homem. E o Espírito sempre será mais generoso do que a Matéria pode esperar.
Ao longo da narrativa Eugénie parece pairar sobre toda a situação. Ela tem um horizonte de entendimento muito mais amplo do que as demais personagens. Ao final o Espírito vence. Eugénie Grandet coloca a Matéria no seu devido lugar, subordinando-a aos valores espirituais (dedicando a fortuna Grandet a causas nobres).
Na Ética a Nicômaco, Aristóteles descreve quatro tipos de vidas humanas nas quais podemos, naturalmente, encaixar essas personagens de Balzac:
O primeiro tipo humano é aquele voltado para o acúmulo de bens materiais. Aristóteles considera este tipo de vida indesculpável, pois os bens materiais são meios e não fins na vida humana. Pai Grandet encaixa-se aqui. O segundo tipo busca os prazeres físicos. É um tipo de vida possível, mas com características zoológicas, muito aquém da capacidade humana. O terceiro tipo de vida é aquela voltada para honrarias. É uma vida possível e legítima, mas também feita de ilusões – sic transit gloria mundi (assim passa a glória do mundo – as coisas mundanas são passageiras). Ambos os tipos humanos estão representados em Charles Grandet e sua busca de prazeres e título de nobreza. E, finalmente, o quarto tipo humano considerado por Aristóteles é o que busca a vida contemplativa, ou seja, a capacidade de olhar para o mundo e entendê-lo. Esta contemplação tem que ser amorosa – ver o mundo como ele é, sem desejos, só assim pode haver real conhecimento.
Eugénie Grandet nos ensina que não podemos entender nada fora da perspectiva de uma contemplação amorosa.
Notas
Honoré de Balzac (1799-1850) nasceu em Tours, França.
A Comédia Humana de Balzac é composta de 93 obras (romances, novelas, contos e ensaios) concentradas em Estudos de Costumes (as outras classificações são Estudos de Filosofia e Analíticos). Os Estudos de Costumes dividem-se entre Cenas da Vida Privada, Provinciana, Parisiense, Política, Militar e Campestre.
Suas principais obras são: Ilusões Perdidas (1843), Pai Goriot (1834), Eugénie Grandet (1833), Pele de Onagro (1831), Prima Bette (1846) e História da Grandeza e da Decadência de César Birotteau (1837).
Balzac não é um escritor profundo, mas conta melhor que ninguém como funcionava a mentalidade da nova classe burguesa, não aristocrática, e com forte interesse nos aspectos econômicos – é o rei da narrativa psicológica deste francês.
Balzac disse que Moliére inventou o Avarento, mas ele inventou a Avareza.
Eugénie Grandet é o primeiro sucesso comercial de Balzac. Antes escrevera romances ruins, com exceção de A Pele de Onagro cujo aspecto fantástico não foi bem digerido na época.
Eugénie significa “bem nascida” em grego.
Os mais famosos avarentos da literatura são: Harpagon de Molière, Shylock de Shakespeare, Félix Grandet de Balzac e Jean-Esther Gobseck (protagonista da novela que leva seu nome) também de Balzac.