Interpretação no título deriva do verbo hermeneüo(origem de hermenêutica), e significa exprimir o pensamento mediante a palavra. O assunto fundamental deste tratado é a linguagem na sua relação com o pensamento, como tradutora ou interprete deste. O juízo (apóphasis (afirmação) ou katáphasis (negação) nos termos aristotélicos) consiste na união recíproca dos termos (um nome e um verbo) e em afirmar ou negar algo de outra coisa – juízo é o ato com que afirma-se ou nega-se um conceito em relação a outro, e a expressão verbal do juízo é a enunciação ou a proposição.
Juízo e proposição constituem as formas mais elementares de conhecimento, aquela que nos ajuda a conhecer diretamente o nexo que une um predicado e sujeito – o verdadeiro e o falso nascem com o juízo, ou seja, com a afirmação e com a negação: (a) verdade quando o juízo une o que está realmente unido (ou separa o que está realmente separado); e (b) falso quando o juízo une o que não está realmente unido (ou separa o que não está separado).
Aristóteles define os termos usados no tratado:
Nome: som que possui significado estabelecido pela convenção (nenhum som é naturalmente um nome), sem referência ao tempo, e cujas partes separadas ficam sem significado (‘Monte’ em Montenegro carece de significado, diferentemente que na expressão ‘monte negro’).
Verbo: transmite um significado particular, bem como uma referência temporal (‘está saudável’ é um verbo, ao passo que ‘saúde’ é um nome). Nenhuma parte em si mesma tem um significado. Indica que uma coisa é dita ou predicada de outra coisa. Verbo e tempos verbais diferem: verbo corresponde ao presente e os tempos verbais indicam os demais tempos.
Proposição: é a fala dotada de significado que contém uma afirmação ou negação, podendo ser verdadeira ou falsa. Requer a presença de um verbo ou flexão verbal. Nem toda frase é uma proposição que interessa à lógica: frases que expressam oração, invocação, exclamação e semelhantes ultrapassam os limites da lógica e referem-se a outros tipos de raciocínios, como o retórico e o poético – na lógica só entra o raciocínio apofântico (qualquer enunciado verbal passível de ser considerado verdadeiro ou falso, em função de descrever corretamente ou não o mundo real) ou declarativo.
Afirmação: proposição que afirma alguma coisa de alguma coisa. Toda afirmação tem sua negação oposta.
Negação: proposição que nega alguma coisa de alguma coisa. Toda negação tem sua afirmação oposta.
Contradição: par formado por proposições afirmativa e negativa que contém os mesmos predicados e sujeitos.
Universal: coisas que dada sua natureza podem ser predicados de muitos sujeitos, e.g. homem.
Individual (singular): coisas que dada sua natureza não podem ser predicados de muitos sujeitos, e.g. Cálias.
Quanto aos juízos eles podem ser:
(a) afirmativos e negativos – julgar é afirmar ou negar algo de outra coisa. E dado que toda afirmação de uma coisa se opões a sua negação, e que entre ambas não há termo médio, uma ou outra será necessariamente verdadeira.
(b) universais ou individuais – referem-se a quantidade, i.e. a extensão (maior ou menor universalidade do sujeito): universal quando dizem respeito a um universal (“todos os homens são brancos” ou “nenhum homem é branco”), e individual se concernente a um indivíduo (“Sócrates é branco” ou “Sócrates não é branco”). Há ainda o juízo particular (ou indefinido) quando o objeto é um universal mas não é universal (“um homem é branco” ou “alguns homens são brancos” e suas negativas). Os juízos contraditórios universais e individuais terão sempre um falso e o outro verdadeiro. Já os juízos particulares contraditórios podem ser verdadeiros simultaneamente (“um homem é branco” e “outro homem não é branco”).
(c) modalidade das proposições – conforme se afirma ou nega algo sobre alguma coisa. Exemplo: uma coisa é dizer “Deus existe” (afirmação), outra é garantir “Deus deve existir” (necessidade) e outra muito distinta “Deus pode existir” (possibilidade – contingência).
Assim a lógica aristotélica lida com proposições na forma de alguma coisa (P) que se afirma ou se nega de alguma coisa (S) – sendo verdadeiras ou falsas se a relação que ela descreve é ou não é como é:
E as proposições estão em oposição quando têm a mesma matéria – sujeito e predicado – mas diferem na forma – qualidade, quantidade ou modalidade:
Notas
Aristóteles (384-322 a.C.) nasceu em Estagira (daí a alcunha de Estagirita) na Macedônia. Filho de médico, de quem provavelmente herdou o interesse pelas ciências naturais.
Ingressou na Academia de Platão aos 18 anos, nela permanecendo até a morte do mestre (348-347). Retira-se da Academia desgostoso com os rumos ditados pelo sucessor de Platão (seu sobrinho Spêusipos) em transformar a filosofia em matemática.
Apelidado por Platão como “o ledor”. Pregava a necessidade de conhecer toda a discussão anterior antes de avançar sobre uma questão ou problema (status quaestionis).
Em 342 é convidado por Felipe da Macedônia para educar seu filho Alexandre (futuramente, o Grande). Seu aluno fará grandes contribuições ao Liceu.
Em 335 regressa a Atenas e funda o Liceu.
A obra de Aristóteles é a maior contribuição individual na formação cultural do mundo. Apenas suas obras esotéricas nos chegaram, basicamente anotações de aulas feitas por seus alunos. Principais títulos (nomeado por seus comentadores): A Política, Ética a Nicômaco, Física, Metafísica, Da Alma, Poética, Retórica, e Órganon.
Platão era fundamentalmente Dedutivo (do geral para o particular), ao passo que Aristóteles era Indutivo (do particular ao geral) – duas naturezas complementares. Aristóteles parte da minuciosa análise dos fatos concretos para alçar pensamentos mais abstratos.
Da Interpretação assemelha-se ao tratado Categorias, por tratar de termos ulteriormente utilizados nas obras lógicas sobre dialética e lógica (ver Os Quatro Discursos).
Da Interpretação é uma teoria da proposição, lida com a estrutura e natureza das proposições simples.