“E têm razão os que dizem que a alma é o lugar das formas ideais; só que tal não se diz de toda a alma, mas só da alma pensante, e as formas ideais não existem ali em ato, mas só em potência.” – Aristóteles argumenta em relação às formas ideais platônicas (429a13)
Expandindo os estudos da Física, Aristóteles examina também os seres que estão no universo. Em Da Alma, ele diferencia os seres animados dos inanimados através do princípio que confere vida àqueles – a alma (psychê – psique).
Se todas as coisas são compostas de matéria e forma (ver Metafísica), sendo a matéria potência e a forma ato, a alma é o ato perfeito primeiro de um corpo natural orgânico. Assim, Aristóteles diferencia-se da visão pré-socrática de psique (ligada ao princípio físico) e platônica (visão dualística – alma prisioneira do corpo), operando uma síntese de ambos.
A alma aristotélica, princípio de vida, divide-se me três funções (faculdades) fundamentais: (a) vegetativa, (b) sensitiva, e (c) intelectiva. Estas três partes são distintas, mas não separadas. As plantas possuem exclusivamente a alma vegetativa, os animais a vegetativa e sensitiva, e o homem a vegetativa, sensitiva e racional. A alma vegetativa é pré-condição para a posse da sensitiva, e esta da racional (hierarquia).
Alma Vegetativa (comum a todos os seres animados) Princípio mais elementar da vida – geração, nutrição e crescimento. Está superada a explicação pré-socrática dos processos vitais. Existem três coeficientes: (a) o que se nutre (corpo que possui alma primeira), (b) aquele de que se nutre (alimento), e (c) o que nutre (alma primeira).
A alma vegetativa também comada a reprodução – objetivo de toda forma de vida finita no tempo. Toda forma de vida está feita para a eternidade (e não para a morte), inclusive as formas mais básicas, como os vegetais, e buscam o eterno através da reprodução, sendo a alma vegetativa seu instrumento nesta busca de perpetuação no eterno.
Alma Sensitiva (comum a todos os animais) Além das funções da alma vegetativa, os animais também possuem sensações, apetites e movimento que não podem ser explicados pela vida vegetativa ou o princípio de nutrição, sendo a alma sensitiva o princípio consequente que rege aquelas funções.
Entre estas funções destaca-se as sensações. Evoluindo sobre os filósofos predecessores. Aristóteles entende que temos faculdades sensitivas que não estão em ato, mas sim em potência, i.e. capazes de receber sensações – em contato com o objeto sensível a potência se atualiza. A sensação não é a mera substituição de um estado pelo seu oposto, mas a realização de uma potência – avanço de algo para si mesmo e para atualidade.
A sensação é a mudança que se produz na alma pelo objeto sensível, como por um contrário, através do corpo, e que consiste em que a forma do objeto sentido é comunicada ao sujeito senciente – a sensação é o ato comum do sensível e do senciente.
Diferentemente da nutrição, onde assimila-se a matéria, na sensação assimila-se apenas a forma – o sentido é o receptáculo das formas sensíveis sem a matéria (com a cera recebe a marca do anel sem o material anelar).
Daí o Estagirita define os cinco sentidos (visão, audição, olfato, paladar e tato) e os respectivos objetos sensíveis. Cada sentido nos informa exclusivamente as propriedades das coisas a que se relacionam particularmente (sensíveispróprios); e o que no diz destas propriedades é sempre verdadeiro. Já as propriedades gerais (sensíveiscomuns) reúnem todas as impressões sensíveis – são sensíveiscomuns, por exemplo, o movimento, o repouso, a figura, o número a unidade, e a grandeza (não são percebidos por nenhum dos cinco sentidos em especial, mas podem ser percebidos por todos). Depreende-se aqui o “sentido comum” (ou “sentido geral”) – sentido que atua de forma não específica, apreensão de modo não específico (sexto sentido).
Se os sentidos são praticamente infalíveis na apreensão dos objetos que lhe são próprios, o mesmo não ocorre com a apreensão de objetos que integram acidentalmente qualidades sensíveis, onde o erro pode ocorrer (e.g. enganar-se se o branco é este ser ou outro).
Das sensações derivam a fantasia (produção de imagens), e a memória (conservação das imagens). Da acumulação de fatos mnemônicos deriva a experiência.
O apetite é consequente das sensações. As plantas possuem a faculdade nutritiva, mas os animais, dotados de alma sensitiva, têm também a faculdade apetitiva (desejo, ardor, vontade, paixão). Onde há sensação encontramos prazer (agradável) e dor (doloroso) – o desejo é o apetite do agradável.
Já o movimento dos seres vivos advém do desejo, sendo este posto em ação pelo objeto desejado apreendido através das sensações (representa-se de forma sensível). O apetite e o movimento dependem estreitamente da sensação.
Alma Racional (exclusivo do homem – ver Ética a Nicômaco) O pensamento (e.g. eleição racional) é irredutível à vida sensitiva, demandando algo a mais para explicá-lo: a alma racional. O ato intelectivo é análogo ao ato perceptivo: o primeiro assimila as formas inteligíveis como o segundo assimila as formas sensíveis. Porém, diferem na faculdade perceptiva, pois o ato intelectivo não relaciona-se ao corpo ou algo corpóreo.
A inteligência é por si mesma capacidade e potência de conhecer as formas puras, sendo as formas contidas em potência nas sensações e imagens da fantasia. É a alma racional que traduz em ato esta dupla potencialidade, i.e. atualiza o pensamento apreendendo em ato e forma, e apreende e possui em ato o conceito derivado da forma contida na imagem. A alma racional (razão ativa) age como a luz que permite ao intelecto “ver” o inteligível e ao inteligível ser visto em ato.
A alma racional é exclusiva do homem e provem do exterior, ou seja, é de diferente natureza, é transcendente ao homem, de dimensão suprassensível e espiritual – é a realidade divina presente no homem (nous).
Aparentemente, Aristóteles prega uma hierarquia que parte dos seres inferiores, mais imersos na matéria, subindo ao homem, os corpos celestes, as inteligências, e, finalmente chegando em Deus – sendo a razão ativa humana presente nos mais altos postos desta hierarquia (ver Metafísica).
Notas
Aristóteles (384-322 a.C.) nasceu em Estagira (daí a alcunha de Estagirita) na Macedônia. Filho de médico, de quem provavelmente herdou o interesse pelas ciências naturais.
Ingressou na Academia de Platão aos 18 anos, nela permanecendo até a morte do mestre (348-347). Retira-se da Academia desgostoso com os rumos ditados pelo sucessor de Platão (seu sobrinho Spêusipos) em transformar a filosofia em matemática.
Apelidado por Platão como “o ledor”. Pregava a necessidade de conhecer toda a discussão anterior antes de avançar sobre uma questão ou problema (status quaestionis).
Em 342 é convidado por Felipe da Macedônia para educar seu filho Alexandre (futuramente, o Grande). Seu aluno fará grandes contribuições ao Liceu.
Em 335 regressa a Atenas e funda o Liceu.
A obra de Aristóteles é a maior contribuição individual na formação cultural do mundo. Apenas suas obras esotéricas nos chegaram, basicamente anotações de aulas feitas por seus alunos. Principais títulos (nomeado por seus comentadores): A Política, Ética a Nicômaco, Física, Metafísica, Da Alma, Poética, Retórica, e Organom.
Platão era fundamentalmente Dedutivo (do geral para o particular), ao passo que Aristóteles era Indutivo (do particular ao geral) – duas naturezas complementares. Aristóteles parte da minuciosa análise dos fatos concretos para alçar pensamentos mais abstratos.
A palavra psychê (de onde origina a palavra psicologia e seus derivados) é comumente traduzida como alma. No sentido empregado por Aristóteles, e ao aplicá-la a todos seres animados, pode-se empregar a palavra animador, vitalizador ou energizador.
Todos animais possuem ao menos o sentido do tato.
Aristóteles não ultrapassa o conceito espiritual que há em nós, principalmente por carecer do conceito de criação, alheio a toda cultura grega.
Em Ética a Nicômaco, Aristóteles apresenta as virtudes dianoéticas da alma racional.
Entre o apetite e a vontade há o livre-arbítrio (faculdade de autodeterminação). Virtude e vício depende do homem – somo o princípio de nossas ações. Só o homem é verdadeiramente livre, pois só ele é capaz de escolher.
A realidade do livre-arbítrio é provada pela imputabilidade moral.
Há uma inteligência passiva, inferior, intermediária entre o homem e os demais animais. Os animais podem ter rudimentos desta inteligência inferior, mas mesmo esta só existe plenamente no homem.