"Mas Zeus não foi o arauto delas (leis da cidade, leis humanas) para mim, nem essas leis são as ditadas entre os homens pela Justiça, companheira de morada dos deusas infernais; e não me pareceu que tuas determinações (de Creonte) tivessem força para impor aos mortais até a obrigação de transgredir normas divinas, não escritas, inevitáveis; não é de hoje, não é de ontem, é desde os tempos mais remotos que elas vigem, sem que ninguém possa dizer quando surgiram." – Antígona repondendo a Creonte o porquê de não seguir suas ordens (linha 511)
Personagens Principais Antígona – filha de Édipo e Jocasta Creonte – rei de Tebas e tio de Antígona (irmão de Jocasta)
Personagens Secundárias Ismene – irmã de Antígona Hêmon – filho de Creonte e Eurídice Tirésias – adivinho Eurídice – mulher de Creonte Polinices e Etéoncles – irmãos de Antígona (já mortos no início da narrativa)
Interpretação Creonte a Antígona têm suas boas razões na disputa sobre o sepultamento de Polinices (o coro também oscila entre as duas alternativas). É um dilema moral, um embate entre as leis da terra (dos homens) e a lei dos céus (divina – Tirésias deixa isto claro) – pondo o Direito contra a Justiça. Ambos os conjuntos de leis são necessários para possibilitar a vida humana. Vivemos entre estes dois mundos (Terra e Céu) numa tensão insolúvel, marcada por conflitos de difícil, ou até impossível, solução. Não é uma questão jurídica, mas sim da própria condição humana.
Apenas um estadista conseguiria sacrificar a lei dos homens pela lei divina. Creonte não é um estadista. Não há solução coletiva neste tipo de conflito, apenas no âmbito individual é possível uma solução. Como no cristianismo onde uma pessoa pode santificar-se independentemente do que acontece a sua volta.
A peça advoga pela supremacia da lei divina sobre a humana, uma questão então em debate com a controvérsia fomentada pelos sofistas: a primazia das leis celestes em oposição ao homem como “medida de todas as coisas”. A ode ao homem cantada pelo coro é uma passagem irônica (definição de W. Jaeger), onde Sófocles lembra as limitações e falhas do homem.
Antígona é uma matriz da filosofia e do cristianismo (“Nasci para compartilhar amor, não ódio.”). Seu sacrifício pessoal diante da contradição intrínseca entre os dois mundos será repetido por Sócrates. A perda da consciência individual é o fim da vida.
Em termos jurídicos temos o embate entre uma lei positivada e uma lei natural, levantando questões sobre a autoridade política do rei. Questões sobre o limite do Estado, do direito positivo, sobre as leis do direito natural, as leis não escritas.
Notas
Sofócles (496-406 a.C.) nasceu em Colono (vila próxima a Atenas, onde morreu).
Escreveu 123 peças das quais apenas sete no chegaram completas: Édipo Rei, Édipo em Colono, Antígona, Electra, Filoctetes, Ájax e As Traquínias.
Quando se trata da força educativa da tragédia grega, Ésquilo e Sófocles têm que ser analisados em conjunto. Sófocles é inferior a Ésquilo no vigor da mensagem religiosa, mas é melhor poeta, grande criador de personagens inspirados pelo ideal da conduta humana. Sófocles foca sua atenção no indivíduo, vê o homem eterno, corajoso e sereno perante a dor e a morte, tendo na escolha da vida honrada sua única saída - o ideal da conduta humana.
Com exceção de As Traquínias, a demais peças de Sófocles levam o nome do protagonista que encara uma crise cujo desastre só pode ser evitado caso ele traia seus ideais. Apesar das tentativas de persuasão em contrário, o protagonista não cede e sofre por isso. Os protagonistas nestas seis peças são personagens profundas, ao mesmo tempo desagradando e causando admiração na audiência.
O monumento perene do espírito ático na sua maturidade é constituído pela tragédia de Sófocles e a escultura de Fídias - representam a arte do tempo de Péricles.
Antígona, junto com Édipo Rei e Édipo em Colono, fecha a chamada Trilogia Tebana. Porém espaçadas no tempo, nunca formaram um trilogia apresentada como tal nos festivais de Dionísio.
A morte insepulta é um grave problema: condena o morto a vagar como um fantasma. O rito funerário é necessário para dissipar os resquícios psíquicos. Impensável ofensa no mundo grego.
O embate entre Antígona e Creonte também é o embate entre oikos (família) e polis.
Ismene apresenta uma passividade caricata feminina, serve para valorizar Antígona.
Em termos aristotélicos (Poética) o herói trágico é Creotes que erra (harmatia), reconhece o erro (anagnorisis) e também sofre e provoca sofrimento (pathos).
O sacrifício pessoal é um heroísmo pessoal.
Aves (animais entre o céu e a terra) era usados pelos videntes gregos e romanos.
O pecado de Laio (rapto de Crisipo – maldição de Pélops) dizima Édipo e seus filhos.
Com o humanismo o homem perde a humildade é quer fazer melhor do que Deus. Mata-se o transcendente, reduzindo o homem a ele próprio. A tragédia é substituída pelo drama, onde o homem produz/é responsável pelo malefício, advindo a tendência de criminalizar os outros por aquilo que lhe acontece, e.g. as mulheres culpam os homens por sua condição feminina. Isto acaba justificando a intervenção do Estado em todas as esferas humanas.
Augusto Conte enxergava três etapas na evolução do mundo: (1) teológica (explicações pelos mitos e religiões), (2) filosófica (Platão e Aristóteles, explicações pela razão), e (3) positiva (explicações das coisas mensuráveis pela ciência – aquilo que não pode ser medido/pesado não exista) – perda da transcendência e queda no humanismo.
Dilemas morais podem paralisar a vida.