Personagens Principais Dante – 35 anos, em exílio e empobrecido (floresta negra) Virgílio – maior poeta romano, profeta do cristianismo, guia de Dante Beatriz – musa de Dante, envia Virgílio em seu auxílio, simboliza a luz da verdade divina São Bernardo – escreveu a regra dos Templários, acompanha Dante no Empíreo Personagens Secundárias Caronte – barqueiro de olhos de brasa que atravessa os pecadores pelo rio Aqueronte Minos – rei mítico de Creta, julga em qual círculo enviar os pecadores Cérbero – cão de três cabeças que vigia os glutões Malacoda (Rabo Ruim) – chefe dos diabos Matelda – guardiã da inocência primitiva do Paraíso Terrestre Veltro – possível unificador da Itália (polêmico) Diversas figuras históricas (a maioria de sua época), bíblicas e místicas
Interpretação No segundo tratado do Convivio, Dante nos conta que podemos encontrar quatro sentidos distintos em um livro: (a) literal, que não ultrapassa a letra da narrativa; (b) alegórico, que se esconde sob o manto das palavras, e.g. Ovídio diz que a cítara de Orfeu amansava as feras e comovia as pedras, significando que a voz do sábio amansa os corações cruéis e comove os ignorantes; (c) moral, que busca conhecimento útil para viver melhor, e.g. Cristo leva apenas três apóstolos para o monte, pois, moralmente, os segredos devem ter pouca companhia; e, finalmente, (d) anagógico, quer dizer o suprassentido, o significado das coisas eternas e universais, e.g. a saída de Israel do Egito significa que a saída da alma do pecado a redime. Naturalmente podemos ler A Divina Comédia encontrando todos estes sentidos na sua narrativa, e também podemos dividir em literal, filosófico-teológico (filosofia cristã), político-social (as disputas política de Dante) e um sentido iniciático-metafísico. E o que a Divina Comédia uma obra imortal e indispensável nos dias de hoje é este último mais alto e universal. Uma obra para ler e reler a vida toda, sempre encontrando novos e mais elevados sentidos. Otto Maria Carpeaux dizia ler a Divina Comédia todos os anos.
Assim, quando Dante abre o poema dizendo “no meio do caminho em nossa vida”, ele não se refere a sua idade em relação à expectativa de vida (Dante tinha então 35 anos), mas sim à nossa natureza dividida, tensional. O ser humano flutua entre um firmamento de luzes e um abismo de trevas. O Inferno, o Purgatório e o Paraíso abrangem todo o potencial de nossa existência, mundana e metafísica, entre estes dois extremos. Estas três fases coincidem com os três gunas do hinduísmo: (1) tamas, a obscuridade, associada a ignorância, a nossa raiz tenebrosa aos estados inferiores, (2) rajas, a impulsão que provoca a expansão do ser, e (3) sattwa, a conformidade a essência pura do Ser, a luz do verdadeiro conhecimento, simbolizada pela luminosidade das esferas celestes representantes dos estados superiores.
A jornada iniciática de Dante (descer ao inferno antes de ascender aos céus – Virgílio diz que não há outro caminho possível – a vida humana em todas as suas perspectivas e possibilidades) cobre o panorama das possibilidades da vida ensinando o caminho que nos leva de volta para casa. Antes de tudo a Divina Comédia é uma descrição da condição humana. Se fosse guardar apenas uma de tantas lições, lembraria que no Inferno não temos mais nenhuma esperança de transcendência ou salvação, o centro do Inferno é gelado, pois congela, imobiliza nossa determinação em buscar elevar nossa conduta (a inércia destrói sua possibilidade de salvação – a incapacidade de acreditar e de se arrepender). Já no Purgatório o sofrimento faz sentido, está correlacionado com a possibilidade de mudar de patamar, é o estado natural do ser humano. Ou seja, o modo com o qual nos relacionamos com nossos pecados é que faz a diferença. Nunca, antes e depois de Dante, alguém soube pintar mais lindo retrato da nossa natureza humana dentro da cosmovisão cristã.
Lendo A Divina Comédia entendemos o quanto a Idade Média foi injustamente difamada pelos renascentistas, equivoco que se galvanizou no pensamento moderno. Mas basta deixar-se impregnar pelo poema de Dante, visitar as catedrais góticas, ou apreciar o rigor filosófico dos escolásticos para entender que a verdadeira idade das trevas é esta na qual vivemos.
Notas
Dante Alighieri (1265-1321) nasceu em Florença, Itália. Comemora-se o dia do seu nascimento a 22 de maio, mas a data exata é incerta.
Segundo René Guénon, Dante teria sido iniciado templário (Ordem do Templo) em 1300.
Com nove anos de idade vê Beatrice (Bice – oito anos) que seria sua musa.
Outras obras: Convivio (1304 – inacabada) e De vulgari eloquentia (1305 – inacabada, destaca a importância da língua vulgar).
A Divina Comédia (1314-1318 – Boccacio a batiza Divina em 1355) é impressa pela primeira vez com este nome em 1555. A narrativa se desenvolve em 1300 (inicia na segunda-feira da semana santa e termina no domingo da Ressurreição – coincide com o equinócio da primavera).
O obra é escrita no período de transição da Idade Média para Era Moderna. Em 1312 Felipe IV e Clemente V (francês) conspiram e, por bula papal, a ordem dos cavaleiros do Templo é extinta (antes, 13 de outubro de 1307 (sexta feira), Clemente V convoca os templários e para serem encarcerados – possível origem da mística da sexta-feira 13 – porém a Ordem sobreviveu ao golpe). Em 1314 (ano da publicação do Inferno) o grão-mestre Jacques de Molay e demais superiores da Ordem do Templo são queimados na fogueira. Neste mesmo ano, amaldiçoados por de Molay, também morreriam o Papa Clemente V e Filipe IV (por um Javali – símbolo da casta bramânica (urso, ou artos em celta (origem do nome Arthur), simboliza os xátrias) – mais tarde a família Burbon partirá para o cadafalso da prisão situada no antigo castelo dos Templários). Os Xátrias tomam o poder dos Brâmanes (absolutismo) – começa a Era Moderna.
Dante escreve a obra visando seu retorno político para Florença. Mas a obra ultrapassa em muito qualquer aspecto político.
A obra divide-se em três partes, Inferno (ausência do amor), Purgatório (amor imperfeito) e Paraíso (amor pleno), cada uma com 33 cantos (o Inferno tem 34), composto em tercetos (estrofe de três versos). A presença do número três perpassa toda a obra. Todas as partes terminam com a palavra “estrela”.
“selva escura” = cair na malignidade, na sujidade da baixa santidade do mundo.
O Inferno (debaixo de Jerusalém) surge coma queda de Lúcifer. O Purgatório surge numa ilha com um monte no lado oposto, com o Paraíso Terrestre no seu cume – situado na fronteira extrema entre o mundo da matéria e o da imaterialidade.
Na depressão do Inferno abisma em nove círculos concêntricos onde os condenados estão disseminados conforma a gravidade do pecado – tanto mais grave quanto mais violou o que o homem tem de divino.
O monte do Purgatório também apresenta nove faixas começando com o Ante-Purgatório e passando pelos sete pecados capitais até chegar ao Paraíso Terrestre.
O Paraíso encontra-se no céu com nove órbitas, tendo acima o Empíreo (onde resplandece Deus circundado pelos bem-aventurados triunfantes). Dante usa o sistema ptolomaico situando a Terra no centro do seu cosmo (se o universo é infinito, qualquer ponto pode ser o seu centro).
Impedem o caminho virtuoso de Dante três feras: Leopardo, Leão e Lobo; simbolizando a Luxúria, o Orgulho e a Avareza – para Dante são Florença, a França e o Papa.
Lei do Contrapasso: as punições aos condenados no Inferno e Purgatório têm estreita relação – por analogia ou contraste – com os pecados cometidos.
Os quatro rios do Inferno (fonte principalmente grega): Aqueronte (rio da dor), Estige (invulnerabilidade – onde Aquiles foi mergulhado pela mãe), Flegetone (rio de fogo, água fervente) e Cocito (rio das lamentações, água congelante – formado por lágrimas dos insepultos).
Os dois rios do Paraíso Terrestre são Leto (para esquecer as culpas cometidas) e Eunóe (para despertar as memórias das boas ações (eu-bonito e nous-espírito)).
O mais fundo do Inferno é gelado – impossibilidade de ação, o inferno não poder sair do pecado – não há esperança (busca) de remissão. No Inferno os pecadores olham e caminham para baixo, já no Purgatório a direção é ascendente e busca-se a redenção.
Lúcifer, anjo rebelde, tem três bocas: impotência, ignorância e ódio – contraposto da Divina Trindade.
Os três degraus diante do portão do Purgatório são: contrição (sentimento pungente de verdadeiro arrependimento), confissão (reconhecimento da culpa) e penitência (pena imposta para expiação do erro).
Lia (boi bravo) representa a vida ativa ao passo que sua irmã Raquel (carneiro) simboliza a vida contemplativa – respectivamente o mesmo simbolismo de Marta (prima de Maria) e Maria.
Virtudes teologais: Fé, Esperança e Caridade.
Virtudes cardeais: Prudência, Temperança, Fortaleza e Justiça.
Céu cristalino (primum mobile) – primeiro motor aristotélico - Empíreo.
Lua: remete a passividade, pessoa lunar, pessoa passiva.
Divisa dos Templários: "Non nobis Domine, non nobis, sed nomini tuo ad gloriam" (Slm. 115:1 - Vulgata Latina – “Não a nós, Senhor, não a nós, mas pela Glória de teu nome").
Dante ao final vê Deus (um aspecto de Deus), mas não consegue descreve-Lo.
Os setes céus planetários têm correspondência com os dias da semana: segunda-feira (Lua – Monday – virtudes inconstantes), terça-feira (Marte - fortaleza), quarta-feira (Mercúrio – Mercredi - ambição), quinta-feira (Júpiter - justiça), sexta-feira (Vênus – Vendredi – amor terrestre), sábado (Saturno - temperança) e domingo (Sol - prudência).
A Alquimia da Felicidade Perfeita de Ibn Arabi apresenta a versão islâmica da viagem iniciática.
Saint Bernard de René Guénon explica a ação do santo na Ordem dos Cavaleiros do Templo.
Em O Esoterismo de Dante, René Guénon expõe o autor como um iniciado da Ordem do Templo. Comenta, entre outros assuntos, como os Céus correspondem a graus de iniciação, ou ainda às setes artes liberais (Lua-Gramática, Mercúrio-Dialética, Vênus-Retórica, Marte-Música, Júpiter-Geometria, Saturno-Astronomia, e Sol-Aritmética) – haveria duas formas de entender estas artes, uma exotérica e outra esotérica.
Para René Guénon a descida ao Inferno é uma recapitulação dos estados que precedem logicamente o estado humano e que determinaram suas condições particulares, e que também devem participar da transformação que se dará – permite que as possibilidades de ordem inferior, que o ser ainda carrega em si no estado mais desenvolvido, sejam esgotadas antes de ascender a um estado superior.
“Teu pensamento em mim tu crês enleies do ser primeiro, assim como raia do um, se se conhece o cinco e o seis;” (Paraíso XV – 55-57) - 5 e 6 são números simbólicos respectivos ao Microcosmo e ao Macrocosmo (o um refere-se a Deus). Mais uma indicação do caráter iniciático da obra.
Pitágoras – Virgílio – Dante = elo de tradição que gira sobre a Itália.
O esoterismo verdadeiro encontra nas formas religiosas um modo de expressão simbólico. A metafísica pura não é nem pagã nem cristã, ela é universal.
Trechos da Obra
“Deixai toda a esperança, vós que entrais.” – aviso no portão do Inferno
“Relembrai vossa origem, vossa essência: criados não fostes como os animais, mas donos de verdade e consciência.” – Odisseu no inferno como conselheiro fraudulento
“Ah dividida Itália, imersa em fel, nau sem piloto, em meio do tufão, dona de reinos, não, mas de bordel.” – Dante, inventiva contra o estado de coisas na Itália da sua época
“... não cedas a invejas ou desídias que tua vida durará bastante por veres castigadas tais Perfídias.” – Cacciaguida (triavô de Dante) exortando-o a suportar as injustiças
“Aqui findou, sem força, a fantasia: mas já ao meu querer soltava as velas, qual a roda, co’o moto em sincronia o Amor que move o sol, como as estrelas” – Dante diante do inexprimível