Personagens Principais Fabrice del Dongo – jovem de grande beleza Gina Sanseverina – tia de Fabrice Clélia Conti – filha de Fabio Conti e verdadeiro amor de Fabrice Conde Mosca – político, amante de Gina
Personagens Secundárias Marietta Giletti – atriz, amante de Fabrice Ernest-Ranuce IV – príncipe de Parma Ernest-Ranuce V – sucessor ao trono de Parma Fabio Conti – responsável da prisão onde Fabrice está encarcerado La Fausta – caprichosa cantora de ópera Rassi – fiscal geral, arrivista de má reputação
Interpretação Uma grande quantidade de situações falsas permeia o romance: a paternidade de Fabrice, sua formação educacional, passaportes e identidades falsamente assumidas, Ascânio é um falso irmão, denúncias falsas, carreira eclesiástica falsa, falso casamento de Gina, falsa morte do filho de Clélia, falso passado militar de Fabrice, etc. Até o título que pouco reflete a história parece ironicamente falso.
Nesta ambiente de falsidade, Fabrice não sabe quem ele é. Apenas o amor por Clélia é sincero e dá-lhe um sentido existencial. Porém este amor trará a morte a todos, apenas a riqueza de Mosca perdura. Stendhal estaria, no final de sua vida, dizendo que o amor verdadeiro não é possível neste mundo, que o amor perfeito não pode acontecer sobre a terra.
Seria esta a mensagem de Stendhal? Ou seria Fabrice uma personagem diabólica representando o retrocesso humano inspirado pelo espírito revolucionário daqueles tempos?
A história começa com o fim da Revolução Francesa, já nas guerras napoleônicas. Stendhal, logo na primeira página, diz que os atos heroicos (“milagres da bravura”) do gênio (Napoleão) que a Itália testemunhou “despertaram um povo adormecido”.
É neste momento que nasce Fabrice (de uma relação espúria) – um jovem totalmente entregue as paixões (alma sensitiva), egoísta, prepotente e sonhador. É o gênio do mal que sai da garrafa destampada pelo espírito revolucionário. Sedutor como o diabo, vai causar a desgraça daqueles que a ele se entregam.
Pode-se dizer ser normal um jovem agir com base nas sensações, sua alma sensitiva ainda não sofre suficiente influência da alma racional. O que chama atenção é a submissão do mundo a esta figura. Uma redução ontológica ao submeter a razão às emoções. Um recuo do humano ao animal.
Nada é respeitado. Os costumes, a religião e os partidos antagônicos, afinal a revolução é uma constante sem data para terminar. É o Mal que cria o Bem quimérico do Mefistófeles hegeliano de Goethe.
Notas
Stendhal (1783-1842) é pseudônimo do francês Marie-Henri Beyle.
Sua outra obra de destaque é O Vermelho e o Negro (1830). A Cartuxa de Parma é publicada em 1839.
Cartuxa é como chama o convento da ordem religiosa fundada por São Bruno em 1066.
A frase final “to the happy few” é inspirada em Henry V (Ato IV / Cena III) de Shakespeare.
Stendhal implicava com os jesuítas e os calunia todo o tempo em seus escritos.
As personagens masculinas de Stendhal são protegidas por mulheres em várias ocasiões, como o próprio autor. Tendo algo de biográfico aí.
Stendhal mentia muito sobre suas conquistas amorosas.
O final apressado do romance pode estar ligado a doença do autor.
A impossibilidade do amor perfeito na terra é também contada em Tristão e Isolda e Romeu e Julieta.
Os Sofrimentos do Jovem Werther de Goethe é a máxima do romantismo. Para Werther é preciso que ele morra para que o amor exista.
Os personagens têm coisas boas e más, mas a hipocrisia (maquiavelismo segundo Logo Momigliano) domina a todos. Apenas Clélia Conti, com seus erros e acertos é menos esquemática. Sua inocência provoca alguma mudança em Fabrice? Como em Odisseu diante de Nausícaa? Parece que não, pois Fabrice não se arrepende de nada e apenas se apaixona de sua capacidade de apaixonar-se. Ele não pensa que pode desgraçar Clélia, mas apenas na satisfação do seu desejo. O mesmo ocorre em querer tirara o filho da mãe. A única mudança aparente é sentir amor por Clélia (e saber-se devedor do conde e de Gina), mesmo que a seu jeito, pois acaba provocando-lhe a morte.
O quão fiel é este retrato da época e local pintado por Stendhal? Os maus sentimentos que abundam no romance são típicos da natureza humana, mas a dose de cinismo e hipocrisia parece demasiada. Stendhal pode ter a capacidade de revelar os desejos inauditos na natureza humana diante das convenções sociais. Porém não assustaria nos dias de hoje, segundo Carpeaux ele queria então passar o extraordinário que acabava mal, e que agora soa como o normal que acabaria bem.
Estávamos no final do Romantismo, com a “visão anteposta ao objetivismo do Iluminismo. Era a época do nacionalismo exacerbado e a visão de mundo centrada no indivíduo. Retratavam-se os amores trágicos, ideais utópicos e desejos de escapismo. Ênfase na subjetividade, emoção e em si próprio.”
Para René Girard, Fabrice é o “ser apaixonado por excelência, tem autonomia sentimental pois deseja por si próprio e não através do Mediador. Nestes tempos revolucionários, Frabrice ainda é um nobre, e como tal deve seus desejos a si próprio e tentará satisfazê-los com energia total. Não dá nenhuma importância à opinião dos Outros.” Mas podemos levar isso ao extremo? Como zoon politikon podemos viver sem nenhuma consideração aos outros? O correto não seria encontrar o meio-termo aristotélico entre a misantropia num extremo e o altruísmo autodestrutivo ou a filantropia perdulária no outro?